Feiras livres resistem ao avanço das redes de supermercados

Leia em 7min 30s

Palavras valem mais que o código de barras nas feiras de rua da Capital


Ainda há um lugar no qual a palavra vale mais que o código de barras. No grito do feirante, na pechincha do cliente, na piada sobre as frutas, a feira-livre sobrevive ao avanço das grandes redes de supermercados. Não sem arranhões.

 

A feira das quintas na Rua Marcelo Gama, em Higienópolis, um bairro classe média alta de Porto Alegre, já ocupou uma quadra inteira. Hoje, funciona em um espaço quatro vezes menor. É formada por apenas duas kombis e dois caminhões. Ainda assim, resiste como uma das 62 feiras livres de Porto Alegre, que envolvem cerca de 1 mil feirantes e auxiliares, segundo a prefeitura da Capital. E tem uma clientela cativa.

 

Mal Ramos termina de falar e Erich Schulz, 82 anos, faz sua visita habitual à banca. Calça social, blusão sobre gola pólo, boina estilo Kangol e tênis de jogar futebol, o aposentado chega disposto a conversar. Conta que mora há 70 anos na rua, que é do tempo em que a Marcelo Gama era de chão batido e tinha valão, que trabalhou anos entregando leite da Corlac na vizinhança, que a "véia" já tinha vindo mais cedo à feira fazer o rancho e agora só ia levar umas laranjas do céu. Terminado o papo, pergunta quanto deve. Luiz Carlos fecha a conta: R$ 2,15.

 

Uma das maiores dificuldades das feiras livres é atrair consumidores jovens, habituados ao supermercado e normalmente sem tempo para dividir as compras de hortigranjeiros do rancho geral.

 

Hoje todo mundo tem carro e por toda a parte tem supermercados. Isso tirou muito nosso movimento — diz o feirante Pedro Schwanck, retirando feijão de um saco de 50 quilos e passando para saquinhos de um quilo.

 

Os números confirmam. Pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP) em São Paulo aponta que, no início da década de 80, 92% das compras de frutas eram feitas em feiras livres, ante 5% em supermercados (o restante refere-se a minimercados e outros varejos). No final da década de 90, as aquisições em feiras haviam caído para 54%, enquanto as em supermercado, subido para 33%. Outra pesquisa mais recente (referente a 2002/2003), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, aponta que em Porto Alegre, por questões culturais, as compras com feirantes são menos comuns — respondiam por entre 4,5% e 8,1%% das aquisições, ante um percentual de 16,5% a 39,9%  na capital paulista.

 

Autor de um estudo sobre a mudança de comportamento do consumidor com relação às feiras livres, o pesquisador do Carlos Ferreira Bueno, do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo, lembra que nos últimos anos os supermercados conquistaram clientes melhorando seu sistema de logística, apresentando produtos mais frescos e aumentando a variedade de hortigranjeiros. Outras vantagens das grandes redes seriam a segurança, estacionamento, horários amplos e diversidade de formas de pagamento. Além disso, a compra de hortigranjeiros em grande escala permite aos supermercados muitas vezes praticar preços melhores do que em feira livres. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro indicou preços entre 13% e 25% menores nas lojas.

 

Em Porto Alegre, no entanto, o comércio de rua não aceitou passivo a concorrência dos supermercados. Em 1991, formou uma associação de vendedores em feiras modelo, que desde então já promoveu cursos sobre o negócio para 500 feirantes, modernizou as bancas com balanças digitais, desenvolveu uniformes para os profissionais e ainda implantou cartão de crédito em 16 feiras de Porto Alegre. Cerca de R$ 60 mil são gastos por mês com cartão nesses locais, o que corresponde de 25% a 30% do faturamento das feiras, estima o presidente da Associação dos Feirantes de Feiras Modelo da Capital, Giovani Oliveira. A atração das feiras livres, no entanto, fica por conta de outra característica:


— Na feira, atrás de cada barraca tem uma família. O cliente chega, a gente sorri, conversa, trata bem, e a pessoa volta. No supermercado, a relação é mais fria — diz Oliveira.


Edite e Abegair Claro são prova disso. Toda quarta, elas vão à movimentada feira do Terminal Alameda, zona leste da Capital, comprar verduras e legumes para um sopão que preparam para crianças carentes no dia seguinte. Gastam cerca de R$ 40, ante R$ 60 que despenderiam no supermercado. O motivo do desconto? Sabendo da causa nobre das compras, muito feirantes doam alimentos.


Também faz a balança pesar para o lado das feiras livres a diversidade e, muitas vezes, também o preço, especialmente em uma negociação de fim de expediente. É o que avalia a representante comercial Alice Till. Magra, as pernas finas que não encostam uma na outra, rosto delicado de modelo, ela é uma esperança para quem duvida da continuidade da tradição da feira livre. Aos 21 anos, adquiriu o hábito de comprar frutas, verduras e legumes nas barracas instaladas na Marcelo Gama:


— Eu sou nova, mas já tenho minha casa e sei o que vale meu dinheiro. Antes eu gastava de R$ 35 a R$ 40 no mercado. Agora, gasto R$ 20 na feira.


O estilo das feiras da Capital:


Bom Fim: Saúde
O apelo aos cuidados com a saúde é o principal trunfo da banca mantida pelo casal de taiwaneses Tsai Pao Mei e  Chiu Chiu Lung. Tsai virou Cíntia e o marido Chiu Chiu é conhecido como Hilário na Feira Modelo do Bom Fim, montada nas tardes de sábado, na Rua Irmão José Otão.


Produtos como aveia, granola, quinua e broto de feijão conquistam tanto universitários adeptos da alimentação natural quanto antigos moradores de meia-idade do bairro, atentos à necessidade de uma alimentação saudável.

— São produtos bons para manter a dieta — justifica a estudante Luthieli Fenstersafer.

— Muitos dos nossos clientes têm essa preocupação com a saúde — conta Cíntia.


Jardim Botânico: Amizade
Não são apenas as bancas de hortigranjeiros as atrações da Feira Modelo do Jardim Botânico, montada todas as tardes de sexta-feira na Rua Felizardo Furtado. Além da oferta de frutas e legumes frescos, o local ganhou a predileção dos moradores da vizinhança como ponto de encontro de amigos da região.


— A gente sempre encontra alguém conhecido para conversar — conta a dona de casa Dalva Caldeira, interrompendo o bate-papo com a amiga bioquímica Maria Helena Rodrigues.


Apesar de morarem no mesmo prédio, elas dizem se encontrar mais vezes entre as bancas da feira do que nos corredores do condomínio.


— O importante é que a gente encontra gente conhecida e cria um vínculo de amizade também com quem está trabalhando — destacou Edemar Ledur, enquanto tentava pechinchar um desconto no preço da banana com o feirante Osmar Cardoso.


Jardim do Salso: Sabor
É como se o Brasil coubesse numa banca de feira. De quase todos os cantos do país vem as frutas exóticas que abastecem a banca de Jorge Gomes, um dos integrantes da feira do Jardim de Salso, realizada todas as manhãs de sábado na Rua Professor Abílio Azambuja. Além de clientes tradicionais, a banca é alvo de uma inifinidade de curiosos interessados em provar o gosto de frutas como pitomba, ceriguela, cajá, fruta do conde, graviola, atemóia e physallis. Para agradar a clientela vale até importar cerejas dos Estados Unidos, vendidas a R$ 120 o quilo, tâmaras da Tunísia, uvas passas do Irã e aspargos de Peru.

 

Menino Deus: Ovos orgânicos
Os clientes das feiras ecológicas do Menino Deus, realizadas no pátio da Secretaria Estadual de Agricultura, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, costumam ser os mesmos. Quem garante é Guiomar Tolentino, uma das coordenadoras da feira e integrante da Associação do Produtor e Consumidor Ecológico do Rio Grande do Sul (Aconfers), entidade criada a partir do fechamento da loja e restaurante Colméia, que funcionava em frente ao parque da Redenção.


— Os produtos são ótimos. Até a cor da fruta é outra — garante.
Nesta feira, todos os produtos à venda são plantados e colhidos pelos próprios expositores. Além dos hortigranjeiros, um dos atrativos são as guloseimas como geléias, pães caseiros e quitutes como pastéis de forno ou o pão de queijo integral. Guiomar, no entanto, conta que a vedete da feira são os ovos orgânicos com procedência. Por feira, são vendidos de 80 a 100 dúzias, revela.
— As galinhas são alimentadas com produtos orgânicos — atesta.

 

Veículo: Zero Hora - RS


Veja também

Rodovia interoceânica

O Ministério da Agricultura anunciou que o corredor rodoviário de tres mil quilômetros, que passar&a...

Veja mais
Morangos mineiros

O governo mineiro mapeou a cadeia produtiva do morango no Estado. A área cultivada passou de apenas 172 hectares ...

Veja mais
Setor de cosméticos dispara no Brasil

O aumento do consumo do público feminino no Brasil está animando os fabricantes do setor de higiene e bele...

Veja mais
Hypermarcas busca o equilíbro

Nenhuma empresa no Brasil adquiriu tantas marcas em tão pouco tempo nos últimos anos. A velocidade é...

Veja mais
Pão está 6% mais barato

Redução seria conseqüência de queda de até 12% no preço da farinha Graças...

Veja mais
Produção leiteira tem expansão

Estimativa é de que Minas registre a marca de 7,6 bilhões de litros de leite neste ano.   &Iacu...

Veja mais
Macarrão quer deixar de ser considerado o vilão das dietas

O setor de massas secas passa por uma movimentação importante com a chegada dos chamados "macarrões...

Veja mais
Exigir graduação serve como filtro para empresas

Especialistas dizem que essa tendência é caminho sem volta; recém-formados buscam outras oportunidad...

Veja mais
Centrais vão pressionar o Congresso

Entidades farão ofensiva para convencer deputados a aprovar nova contribuição.CUT, Força Sin...

Veja mais