Lojas da Rua 25 de Março viram redes

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A exemplo de Camicado, Armarinhos Fernando, Semaan e Gaivota se expandem

 

Do escritório com divisórias de fórmica no décimo quarto andar de um prédio no centro de São Paulo, escuta-se barulho de gente, camelôs que oferecem aos gritos uma novidade chinesa, buzinas, uma multidão de compradores a pechinchar. "Daqui de cima, eu sinto a 25 de Março pulsar", diz o empresário Minolo Camicado, ao espiar lá do alto a região que se tornou um fenômeno do varejo no País, com faturamento anual de quase R$ 18 bilhões, segundo estimativa da consultoria TNS Reserch International. É mais que os R$ 14 bilhões movimentados no ano passado pelos 50 shoppings da capital paulista.

 

Embora pudesse ter escolhido um lugar mais elegante para instalar sua sala, Minolo preferiu ficar onde começou. Ex-feirante, fundador de uma modesta loja de brinquedos na maior rua de comércio popular da América Latina, o empresário comanda hoje uma rede de lojas de alcance nacional. É um dos casos mais bem-sucedidos de uma trajetória de expansão trilhada por grupos que nasceram na 25 de Março, como Armarinhos Fernando, Lojas Semaan e Gaivota.

 

As histórias são parecidas. Esses negócios começaram como pequenos estabelecimentos, tornaram-se soberanos no comércio local e expandiram suas filiais para outras regiões. O fato de terem começado na 25 - hoje uma área que se estende por 18 ruas, com 350 lojas, 3 mil estandes, além de camelôs - é outra coincidência que ajuda a entender como esses grupos passaram de pequenas portinhas a um quarteirão e mais tarde a uma rede de lojas. "Essa é uma área de influência nacional", diz o pesquisador de varejo da Fundação Getúlio Vargas, Edgard Barki. "É uma grande chance para quem quer empreender porque o crescimento não é intramuros. E, ao contrário dos shoppings, não depende de uma administração central."

 

Apesar de distintas na nacionalidade, essas empresas têm outras semelhanças. São comandadas pelos fundadores ou descendentes - alguns deles ainda abrem e fecham as lojas diariamente, são discretos no meio social, não aparecem em fotos e nem divulgam faturamento.

 

Filho de japoneses, nascido no interior de São Paulo, Minolo Camicado, de 54 anos, é tão resistente a falar de números que não gosta sequer de comentar a receita da época em que trabalhava na feira com a mãe e com os irmãos - meio que a família encontrou para começar a vida na capital, após a morte do pai, que era agricultor. "Só posso dizer que, em cinco anos, depois que assumi a feira, multipliquei as vendas por 50", conta. Digamos que ele tenha feito um pouco mais que isso na Camicado, empresa que hoje atua em dois ramos distintos: no chamado "atacarejo" popular, com a venda de brinquedos, utilidades domésticas e artigos para festa; e no varejo tradicional, com lojas em sofisticados shoppings do País, especializadas em listas de casamento (são mais de 50 mil por ano).

 

A primeira loja da rede, um atacado de brinquedos, foi comprada em 1980. Hoje, na 25 de Março, são sete unidades que ocupam ao todo cerca de 2 mil metros quadrados de área. Na década seguinte, o empresário partiu para o varejo, com uma loja de "moda para casa" num shopping de São Paulo. A rede hoje tem 26 unidades em nove cidades brasileiras e colocou a Camicado Houseware entre as maiores clientes de companhias como Tramontina e Schimidt. Como os negócios eram muito diferentes, com produtos e públicos distintos, as administrações da Camicado Houseware e da Camicado Atacadista foram separadas.

 

Com planos de fazer a marca chegar a todas as capitais brasileiras, a família tem aos poucos cedido espaço à profissionalização. Neste mês, a executiva Ângela Hirato, conhecida por ter internacionalizado as Havaianas no início da década, assumiu uma das vice-presidências da empresa. "Chego para fortalecer a marca e torná-la referência em todas as classes, de A a D", diz a executiva. "E quem sabe mais tarde eu possa vender essa marca fora do País", afirma.

 

Controle familiar. Na Armarinhos Fernando, o fundador segue com os filhos à frente do negócio que começou a tocar na década de 70. Na época, o comércio se restringia a uma sala alugada no terceiro andar de um prédio da 25 de Março, inicialmente para vender no atacado itens como linha, botão e zíper. Hoje a rede tem 16 lojas, cinco delas na própria 25. Uma delas ainda é aberta diariamente pelo dono, Fernando dos Santos Esquerda, que está prestes a completar 70 anos. Ele costuma dar expediente, inclusive atendendo clientes.

 

Como tem faro para apostar no que vai vender, é "seu" Fernando quem decide a compra de novos produtos. Não adquire nada por catálogo. "Ele pega o produto na mão, observa detalhes e dá o veredicto: não é bom, ou isso é bom", conta o filho Eduardo Fidalgo Esquerda, diretor de marketing e desenvolvimento do Armarinhos Fernando. Para ele, a receita de sucesso da empresa, que emprega 1,3 mil funcionários diretos e mil indiretos, está na obstinação do pai, demonstrada desde a adolescência.

 

Aos 14 anos, Fernando embarcou sozinho num navio que saiu de Portugal rumo ao Porto de Santos para encontrar um irmão que já vivia no Brasil. Começou a trabalhar como faxineiro numa das primeiras lojas a se instalar na 25, a Armarinhos Atanásio. Duas décadas depois, já promovido a gerente, deixou o emprego para abrir a própria loja.

 

O empresário trabalhava 16 horas por dia, atendia pessoalmente a clientela e soube aproveitar muito bem o vaivém da economia. "Nos anos de inflação alta, ele comprava grande quantidade de produtos e, quando os preços subiam, tinha ofertas melhores até em relação às indústrias", diz Eduardo, de 31 anos, o mais novo de três filhos. "Ele nunca gostou de deixar dinheiro em aplicações financeiras, sempre investiu em mercadorias." Seguindo seu ritmo, as lojas abrem todos os dias. Folga só três vezes ao ano: 25 de dezembro, 1º de janeiro e sexta-feira Santa.

 

A prova de que suas estratégias deram resultado é a expansão da rede para bairros como Lapa e Tatuapé, em São Paulo, e cidades vizinhas como Santo André e Guarulhos, formando a rede de 14 lojas que oferecem 360 mil itens - desde os que custam centavos a uma motocicleta elétrica infantil de R$ 700.

 

A filial mais nova foi inaugurada em abril, no bairro do Ipiranga, também em São Paulo. Duas outras estão nos planos da rede, em Osasco e no bairro de Santo Amaro, na zona sul. Cidades do interior também entraram no radar. Ao contrário da Camicado, o Armarinhos Fernando tem expandido os negócios com a instalação de lojas em formato idêntico ao original em polos regionais de comércio popular. "Isso dá a eles grandes chances de crescer, porque a tendência é que o modelo da 25 seja cada vez mais reproduzido em outros bairros", diz Eduardo Ansarah, diretor da União dos Lojistas da 25.

 

O fato é que a rua tem apenas 1,6 km de extensão e não vai esticar. O trecho que vai da Ladeira Porto Geral até as proximidades do Mercado Público Municipal é tão disputado que se tornou o metro quadrado mais caro de São Paulo entre as ruas comerciais, superando até a luxuosa Oscar Freire, de acordo com a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).

 

Segundo levantamento da consultoria TNS, o valor da locação pode chegar a R$ 2 mil o m². "É melhor do que um shopping, porque a maioria das pessoas que vai até a 25 de Março tem uma atitude de compra, isso valoriza potencialmente o ponto", diz Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp. Por isso, segundo ele, raramente um imóvel fica por muito tempo vago na região.

 

Novas opções. Quando não se tem mais para onde ir, o jeito é procurar novos mercados. A Gaivota, loja de artigos para festa, com meio século de 25 de Março, inaugurou no mês passado a primeira unidade fora da capital, que deve servir de teste para o início da expansão por meio de franquias. A cidade escolhida foi Balneário Camboriú, em Santa Catarina - onde está parte da família de origem italiana.

 

Com nove lojas, sendo duas na 25 de Março, a Semaan foi para o Pari, outro bairro de São Paulo com perfil atacadista. O grupo distribui cerca de 30 mil itens - a maioria, em especial os brinquedos, é vendida com preços até 50% inferiores aos de shopping centers. O próximo passo é explorar o espaço virtual, com a criação de uma loja online. A ideia é da segunda geração e tem o aval do fundador Semaan Mouawad, de 67 anos. O patriarca acompanha o dia a dia das lojas e costuma ser o primeiro a chegar. "A palavra final em relação a estratégias ainda é dele", afirma Marcelo Mouawad, de 40 anos. Filho mais velho de Semaan, ele estudou engenharia na USP, mas decidiu se dedicar ao negócio criado pelo pai no início da década de 60.

 

Semaan tinha 4 anos quando chegou ao Brasil. Veio do Líbano com os pais e um irmão para escapar da Segunda Guerra Mundial e da falta de trabalho. Por ter se alfabetizado em português, tornou-se "tradutor da família" e passou a ajudar o pai, que trabalhava como mascate, nas negociações de compra e venda de mercadorias.

 

Em 1961, com 18 anos, Semaan abriu um pequeno comércio de armarinhos no centro de São Paulo. Oferecia chaveiros e bijuterias que ele mesmo desenhava e buscava fabricantes para a produção. Sem saber, havia optado naquela época por um dos produtos que mais caracterizam a 25 de Março hoje: os acessórios femininos.

 

Por cerca de 20 anos, Semaan manteve apenas uma loja e diversificou a oferta de produtos. Só na década de 80, já casado e com cinco filhos, inaugurou a segunda unidade, partindo pouco tempo depois para o ramo de brinquedos. Ele se tornou representante de produtos para colecionadores, como miniaturas de carros Hot Wheels e bonecas Barbie. A rede, hoje, é líder nesse segmento e na distribuição de mercadorias para as famosas lojas de R$ 1,99.

 

Na briga com os concorrentes da região comercial mais disputada da cidade, a Semaan tentava conquistar a freguesia com um tratamento bem pessoal. "Meu pai deixava seu carro em frente à loja e ele mesmo levava os clientes que vinham de fora para os hotéis da cidade", lembra Marcelo. "A proximidade com o consumidor foi e é até hoje a grande sacada dele."

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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