Quem não aplicou dinheiro no Brasil, perdeu

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A semana passada se iniciou com certa apreensão sobre as possíveis consequências que o novo IOF sobre capital externo especulativo acarretaria nos mercados financeiros brasileiros. O estresse, entretanto, durou pouco e os mercados nacionais retomaram as trajetórias que vêm fazendo a alegria de tantos investidores mundo afora. Afinal de contas, aplicar dinheiro no Brasil se tornou a barbada do momento. Com condições facilitadoras de entrada e saída de recursos, tendências (de ações e dólar) que parecem inabaláveis e que são sustentadas pela própria avalanche de ingressos, além de taxas de juros ainda exorbitantes, não há quem cogite ficar de fora.

 

O Brasil está em uma posição privilegiada em relação à maioria das nações, no que se refere a perspectivas de desempenho econômico nesta retomada global. Disso ninguém duvida, por enquanto. O País, contudo, está longe de ser uma ilha de prosperidade, capaz de se mover sozinho. Existem problemas complexos, em vários fronts, que, em momentos como esse, não interessa serem trazidos à tona.

 

Os ganhos financeiros obtidos no Brasil no curto prazo têm sido absolutamente fantásticos. O Financial Times, que louvou a nova taxação em editorial na quinta-feira, realça um dado que ilustra bem o que vem ocorrendo. Enquanto os Investimentos Externos Diretos (IED), chamados produtivos, recuaram em agosto para menos da metade de um ano atrás, os fluxos para carteiras de investimento em renda fixa ou variável mais que duplicaram no mesmo período. Respaldado por notícias que enfatizam a saúde da economia do País, o mercado financeiro nacional se tornou uma máquina multiplicadora de fortunas. Para início de conversa, há um expressivo lucro cambial, que tem sido constante para os que entram e saem do Brasil, nessa trajetória ininterrupta de valorização do real. Some-se a isso os gordos ganhos auferidos na Bolsa de São Paulo ou em títulos públicos (a taxa referencial de juros permanece em 8,75%) e fica difícil a qualquer mortal resistir à tentação. Os que, por qualquer motivo, estão preferindo se manter distantes têm remoído uma sensação ruim de perda, que, no final das contas, os impele a entrar na dança.

 

As repercussões da medida do governo brasileiro foram mais negativas aqui dentro do que lá fora. Uns reclamam que a bolsa paulista perde negócios para Nova York, outros argumentam que em vez de taxar aplicações financeiras, o País precisa aumentar a competitividade de suas empresas, eliminando custos e desperdícios via reformas estruturais. Não é bem assim, pois uma coisa não exclui a outra, muito pelo contrário. A recente crise evidenciou o que pode acontecer se os mercados forem deixados à mercê, principalmente em épocas de liquidez abundante.

 

A busca por aumento de competitividade é um processo contínuo, que jamais se esgota. Depende de esforços conjuntos e eternos de governos e empresas, de constantes aprimoramentos legislativos e investimentos maciços em áreas diversas (tecnologia, educação, infraestrutura e etc). Esse processo pode ser acelerado ou retardado por ações administrativas e por circunstâncias micro ou macroeconômicas. É fato que o capital especulativo de curto prazo, em momentos de grande euforia, além de criar bolhas que acabam causando sérios danos à economia real, podem atrasar o processo, pois têm a característica intrínseca de mascarar problemas. Assim, as limitações para saltos competitivos mais largos são, basicamente, temporais. A China, por exemplo, apesar dos suntuosos e céleres investimentos em infraestrutura, tecnologia e educação, só garante a sua alta competitividade mediante o controle rigoroso do fluxo de capitais e do câmbio, além de mão de obra a custo de banana.

 

Em contrapartida, a velocidade de formação de bolhas nos mercados é muito mais acelerada. Deixar o barco correr solto, guiado pelos interesses da comunidade financeira, pode obviamente influir negativamente na competitividade de outros setores. A situação atual, aliás, não só começa a inviabilizar parte da indústria manufatureira brasileira lá fora, como aqui dentro. As consequências podem ser nefastas e abalar o setor no longo prazo. Embora antipática e provavelmente inócua, a medida do governo está bem fundamentada.

 

As ações brasileiras estão caras

 

O valor de mercado das empresas brasileiras com capital aberto na bolsa já soma mais de US$ 1 trilhão. Para Carlos Levorin, sócio e gestor da Grau Gestão de Ativos, os indicadores econômicos, principalmente do exterior, indicam uma recuperação lenta e gradual, ao contrário do cenário de retomada rápida e forte que o mercado está projetando. Muito embora o foco principal da sua empresa seja o mercado acionário, a posição predominante da Grau hoje, no que concerne à Bovespa, é de espera.

 

Na opinião de Levorin, no entanto, nada impede que a valorização continue por mais tempo. O alto preço de um ativo não significa que, automaticamente, não haverá mais compradores. Por outro lado, quanto mais os preços sobem, maior o risco de uma correção mais brusca. Outro perigo que o economista aponta está no discurso que passou a permear a mídia de que, com a queda dos juros, a hora é de se investir em renda variável, o que se traduz basicamente em comprar ações. Segundo ele, o pequeno poupador pode ser atraído à bolsa num patamar já elevado e, por não ter muita mobilidade para sair - esta é uma característica do pequeno investidor de longo prazo - tem grandes chances de perder dinheiro.

 

Outro paradigma que impera na indústria de investimentos, e do qual Levorin acha graça, é que aplicar em ações é um bom negócio no longo prazo. "Não é bem assim, depende muito", discorda. "Se você comparar a Selic com a bolsa brasileira nos últimos dez anos, constatará que a bolsa apanha, mesmo com essa boa fase", contesta. A equipe da Grau se concentra na análise dos fundamentos e, sob esse ponto de vista, os papéis brasileiros estariam perdendo a atratividade. Carlos Levorin acredita que o P/L (relação preço por lucro) médio na casa de 22 é alto para a Bolsa de São Paulo. Ele observa que, em 2010, o P/L médio deverá cair para a casa de 16 a 17, continuando elevado. Para ele, com um P/L entre 10 e 12, dependendo do setor, a bolsa brasileira recuperaria a atratividade. O gestor da Grau recorre ao exemplo do Japão, no começo dos anos 90, para explicar o que ocorre hoje na Bovespa. Naquela época, o P/L médio da bolsa japonesa andava na faixa de 100. "Nesse patamar, não há ninguém comprando para investir a longo prazo, visando construir uma poupança para a velhice ou deixar para os filhos. As pessoas que compram nesse preço almejam sair com o P/L em 102 ou 103, ou seja, são aplicações de curto prazo e que inflam os preços".

 

A situação atual do Brasil, segundo o economista, reflete o momento de grande liquidez no mundo. Após o empoçamento temporário que sucedeu a quebra do Lehman Brothers, há agora aproximadamente US$ 3,6 trilhões rodando o planeta em busca de oportunidades no curto prazo. Neste cenário de investidores ávidos por aplicar seus recursos, o Brasil despontou como a "bola da vez". Existem aplicadores de todos os tipos vindo para cá: fundos de pensão, fundos soberanos, hedge funds e pessoas físicas. Apesar do clima eufórico e da enxurrada de dinheiro estrangeiro, Levorin se mantém cético quanto aos preços, preferindo se ater aos fundamentos. O gestor recomenda uma postura cautelosa no curto prazo para o investidor. "A recuperação que está ocorrendo atualmente é em grande parte impulsionada por estímulos governamentais de caráter extraordinário. Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, o governo desembolsou bilhões para estimular a economia. À medida que estes estímulos forem retirados, a velocidade na retomada da demanda deverá diminuir, pois não haverá incremento suficiente no nível de emprego e na renda capazes de substituir estes incentivos", deduz.

 

Ele cita o caso dos bancos Itaú e Bradesco, que apresentam cerca de 22% de lucratividade, com a relação entre o preço e o valor patrimonial da ação na faixa de 3,5 (Bradesco) e 3,4 (Itaú). Dividindo-se o lucro por essa relação, obtém-se o retorno sobre patrimônio dessas empresas, entre 6/6,5% ao ano. "Essa rentabilidade perde para aplicações lastreadas na taxa referencial de juros brasileira (a Selic) além do quê, obviamente, embute riscos maiores. A compra de ações destes bancos no atual patamar seria justificada, por exemplo, se fosse vislumbrado que seus lucros iriam saltar em 2010 para algo como 50% (dos atuais 22%) e para 2011 estivessem projetados lucros ainda altos, como 30%, o que eu não enxergo", argumenta.

 

Na comparação com seus pares internacionais, as empresas brasileiras também já estão perdendo as vantagens, acredita Levorin. Na sua opinião, o Brasil não oferece mais desconto, pelo contrário. Nos ativos da Vale, por exemplo, ele já vê um sobre-preço. No caso dos bancos a compra de papéis de bancos americanos, neste momento, seria mais vantajosa, uma vez que eles apresentam um potencial de aumento do lucro muito maior. "O Bank of America comprou três bancos e ainda dá menos lucro agora do que antes destas aquisições, ou seja, existe margem para um crescimento substancial dos lucros, algo que aqui não há. É o caso também do J.P.Morgan, que adquiriu o Washington Mutual", pondera. Entre os papéis brasileiros que ainda podem ser boas aquisições no atual nível de preços, o analista considera os ligados ao consumo doméstico, bem como alguns específicos, como Copel - Companhia Paranaense de Energia.

 

Carlos Levorin diz que a chave para se entender o fluxo de capitais hoje no mundo está nos Estados Unidos, cuja moeda está sendo atacada. Para ele, como ficou evidente que o país tem sérios problemas estruturais, especuladores passaram a vender dólares e comprar ativos reais, como commodities e ações, além de aportarem em outras divisas. Só que não deverá levar muito tempo para, segundo o economista, se configurar o "efeito boomerang", com países cujas moedas estão em rápido processo de valorização começarem a enfrentar problemas. Ele não crê que Europa, nem Japão e tampouco Brasil, suportarão que suas respectivas unidades sigam se valorizando indefinidamente. "A Europa também têm problemas estruturais, a indústria brasileira de calçados só está sobrevivendo por conta de subsídios. Isso não se perpetua, o próprio mercado corrige em um determinado momento", conclui.

 


Veículo: Jornal do Commercio - RJ


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