Brasil eleva pressão sobre Argentina

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Comércio exterior: Ontem, país estendeu a lista de produtos sem direito a licença automática de importação


 
A lista de produtos argentinos que perderam suas licenças automáticas para entrada no mercado brasileiro aumentou. Os operadores que têm acesso ao Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) informaram ontem que pneus, peixes, geleias, doces, uvas passas e ameixas secas juntaram-se à farinha e pré-mistura de trigo, vinhos, alho, azeite, azeitonas e rações para animais, produtos cuja licença de importação deixou de ser automática. Dessa maneira, o governo brasileiro vai aumentando a pressão contra os negociadores argentinos para liberar o comércio bilateral das medidas protecionistas que vêm, há um ano, prejudicando a indústria nacional.

 

A postura de devolver na mesma moeda o que a Argentina vem fazendo foi decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Valor vem tentando ouvir representantes do governo desde quarta-feira, mas todos os ministérios envolvidos - Desenvolvimento, Relações Exteriores e Fazenda - não querem comentar a medida. No lado argentino, o comportamento é o mesmo. A assessoria da embaixada da Argentina em Brasília também informou que a negociação está em curso e não serão dadas declarações neste momento.

 

Não há uma lista pública de produtos argentinos cuja entrada está sendo dificultada pelo governo. Dia após dia, os operadores do comércio exterior vão descobrindo que seus pedidos de licença de importação não estão mais sendo liberados nas usuais 48 horas. Trata-se de informação estratégica porque os itens escolhidos são muito sensíveis à indústria argentina, o que vai elevando a pressão sobre os negociadores daquele país para a reunião bilateral que vai ocorrer em novembro.

 

Se a importação de pneus continuar sem previsão de liberação rápida, é a indústria automobilística que, com suas multinacionais, vai entrar no circuito para elevar ainda mais a temperatura para os representantes dos dois principais sócios do Mercosul. Dilema igual está enfrentando parte do comércio que vende alimentos típicos das festas de fim de ano. Vai aumentar a dificuldade para a formação dos estoques de uvas passas, ameixas secas, vinhos, peixes, geleias e doces.

 

A estratégia brasileira de endurecer o jogo com os argentinos revela algum esgotamento da tolerância que o Brasil sempre manteve nas negociações comerciais do Mercosul. Há um ano, o governo argentino tomou a iniciativa de tornar não automáticas várias licenças de importação de produtos brasileiros sob a alegação de proteção à indústria local. Passados vários meses, a produção de bens na Argentina não aumentou, mas elevou-se a presença de itens fabricados por terceiros países naquele mercado.

 

A excessiva valorização da moeda brasileira em relação ao dólar é mais um fator desagregador entre os governos da Argentina e do Brasil. No caso do trigo e seus derivados, há clara perda de competitividade dos produtores nacionais e as opções para comprar trigo nos Estados Unidos, no Canadá, na Rússia e até na França são muito mais caras que importar da Argentina.

 

Os brasileiros querem que o governo da presidente Cristina Kirchner equipare as alíquotas do imposto de exportação do trigo em grão, da farinha de trigo e da pré-mistura de trigo. Atualmente, a Argentina incentiva as vendas externas da farinha de trigo porque definiu alíquota menor para esse produto em relação ao trigo em grão. Os moageiros brasileiros sentem-se prejudicados. Se essa alteração for negada, o governo brasileiro estuda alguma sobretaxa para a farinha proveniente do sócio do Mercosul.

 

O Brasil importa aproximadamente 60% do trigo que consome e a Argentina é a principal fornecedora do mercado brasileiro. Para piorar o quadro no país vizinho, a cobrança de impostos sobre exportações e a seca quebraram a produção. No Paraná, principal produtor de trigo no Brasil, as chuvas em excesso também devem reduzir ganhos.
 

 

Fabricantes nacionais apoiam medidas contra importação

 

Dois setores que sofrem a concorrência dos argentinos aplaudiram a decisão do governo brasileiro de adotar o sistema de licenças não automáticas para a importação de produtos do país vizinho. O diretor-executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Paviani, considerou uma "boa notícia" a medida, e o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Luiz Martins, afirmou que "o preço da farinha argentina é quase o mesmo que o do trigo, o que traz consequências graves para os moinhos brasileiros, que deixam de processar o trigo para ser distribuidores da farinha importada".

 

Paviani espera que a medida permaneça ou pelo menos seja utilizada como base para negociação de novas condições para o comércio do produto entre os dois países. A intenção dos produtores de vinho é aumentar o preço mínimo por caixa de 12 garrafas (que totalizam nove litros) importada do país vizinho para US$ 18, ante os US$ 8 acertados em julho de 2005 no comitê de monitoramento de comércio bilateral Brasil-Argentina. Na época o pedido havia sido de um piso de US$ 15 e o valor atual, reivindicado desde março, corresponde à variação cambial do período, explica o executivo.

 

Conforme Paviani, cerca de 40% dos vinhos argentinos exportados para o Brasil estão abaixo da faixa dos US$ 18 por caixa e o aumento do preço mínimo ajudaria o país vizinho a "reposicionar e qualificar" suas vendas no mercado brasileiro. Segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), o preço médio registrado nos nove primeiros meses do ano foi de US$ 24,28.

 

Paviani também considerou "adequado" o momento para a adoção das licenças não automáticas, porque cerca de 30% das importações brasileiras de vinhos finos ocorrem no último trimestre do ano. "Com a menor oferta de produtos argentinos nas importadoras, aumentam as chances de venda para os produtos nacionais", comenta.

 

A Argentina é o segundo país em exportação de vinhos para o Brasil, com uma participação de 26,1%, apenas 0,2 ponto percentual abaixo do mesmo período do ano passado. De acordo com Paviani, a estrutura interna de custos no país vizinho faz com que os produtos argentinos cheguem ao mercado brasileiro com preços até 10% mais baixos.

 

A preocupação do setor é que os vinhos argentinos sejam simplesmente substituídos pelos chilenos, que representam a maior parte das importações do Brasil, com uma participação de 40,2% até setembro, e preço médio de US$ 24,13. Segundo Paviani, o Acordo de Complementação Econômica (ACE) assinado em 1998 entre os dois países reduz gradativamente o Imposto de Importação sobre os vinhos do Chile dos 27% originais para zero em 2011. "Estamos pedindo a revisão do acordo", afirma.

 

Já Luiz Martins, da presidente da Abitrigo e do Moinho Anaconda, diz que, como a medida é recente, os efeitos ainda não apareceram, mas num futuro próximo isso pode beneficiar o consumo do trigo nacional e reativar moinhos. "Na semana que vem podemos sentir alguma influência dessa nova política. Acho que não deveria haver mecanismos de controle no comércio no Mercosul, mas a Argentina já subsidia seus produtos há certo tempo", diz ele.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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