Entrevista Armínio Fraga: "Podemos ter uma taxa de juro mexicana"

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O Banco Central (BC) deve reduzir a Selic novamente em 1 ponto percentual já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), amanhã e depois, em Brasília. Espaço, pelo menos, há. O diagnóstico é de alguém que conhece os segredos do BC e das engrenagens do mercado de capitais mundial: o ex-presidente da autoridade monetária, e atual sócio da Gávea Investimentos, Arminio Fraga Neto. O economista manifestou preocupação com a ameaça do protecionismo e com os limites de alcance do arsenal hoje disponível pelo governo na área fiscal.

 

Sem medo da inflação, mas preocupado com os gastos correntes, vê possibilidades de sucesso em uma política que combine ousadia na área monetária e conservadorismo no campo fiscal. Nada de mexer, segundo ele, no que tem dado certo, com a revisão da meta de superávit primário (3,8%). Fraga justifica: em tempos de crise, um ligeiro estouro da meta não seria interpretado pelos agentes econômicos como insucesso do governo. Segundo ele, hoje há claras perspectivas de o Brasil alcançar, nos próximos meses, taxa real de juros de 2% a 4%, no nível de países emergentes como México e Chile.

 

Gazeta Mercantil - O arsenal do governo é limitado?

O arsenal fiscal é limitado. O governo introduziu em boa hora o fundo soberano, mecanismo de compensação que deverá ser usado este ano. Além disso, a conta dos 0,5%, do PPI (Programa Piloto de Investimentos) não foi totalmente utilizada no ano passado e deve também ser utilizada.

 

Gazeta Mercantil - Os gastos públicos, hoje, são sustentáveis?

A expectativa é que seja dada mais ênfase aos investimentos, que são gastos não-permanentes. A médio prazo, temos um problema sério de crescimento do gasto público, que já beira os 40% do PIB. Então, na área fiscal existem limitações; do lado monetário, existe espaço para maior distensão.

 

Gazeta Mercantil - Podemos esperar novas reduções dos juros de 1 ponto?

A expectativa do mercado é que continue neste ritmo. Eu acho que é por aí. Devido ao meu dia-a-dia como gestor de investimentos, procuro não ser muito específico neste tema.

 

Gazeta Mercantil - Sente-se desconfortável?

Me sinto desconfortável como ex-presidente do BC e como gestor. Mas acredito que há espaço para redução dos juros por duas razões. Uma é conjuntural: a economia tem desacelerado em ritmo forte. A outra é estrutural, pois acredito que o Brasil construiu as bases para que os juros convirjam para padrões internacionais, com juro real entre 2% e 4%. Se você olhar o México, o Chile ou alguns países asiáticos, o juro é até mais baixo. Se o Brasil preservar esta base macroeconômica podemos chegar a um juro mexicano.

 

Gazeta Mercantil - O BC está preocupado com a lentidão na queda da inflação.

E a preocupação é legítima, pois o câmbio se depreciou bastante nos últimos tempos. Há algum impacto na inflação mas, contrabalançando o efeito do câmbio, temos a queda nos preços das mercadorias pelo mundo afora. Temos redução no nível de atividade e um arrefecimento na expansão do crédito. Por isso, é bem possível que a inflação caia ao longo dos próximos meses. Se isso acontecer, não tenho dúvidas de que o BC vai utilizar a taxa de juros. E isso não deveria assustar, dado o momento que vivemos.

 

Gazeta Mercantil - Então nosso arsenal não está esgotado.

Não é correto dizer que o Brasil está de mãos atadas - não está. O juro brasileiro no início desta crise estava em patamar bastante elevado. Cheguei a achar que até havia certo impasse entre a atitude das áreas fiscal e monetária.

 

Gazeta Mercantil - O tradicional dilema entre Fazenda e BC?

Tradicional na seguinte linha: o BC, observando a expansão dos gastos, imaginava: "Bom, não vou poder ser muito agressivo porque já está acontecendo uma expansão agressiva do lado fiscal". E o Ministério da Fazenda: "Bom, este BC é muito conservador. Vou ter que compensar do lado de cá com uma política fiscal mais expansionista". Quando o ideal seria um pouco mais de cautela do lado fiscal e o aproveitamento do espaço para redução dos juros. Hoje, penso que caminhamos para esta combinação que é muito virtuosa, melhor do que o oposto.

 

Gazeta Mercantil - Mesmo com a diminuição da arrecadação?

O Tesouro vai ter que tomar um certo cuidado. E, no entanto, na área monetária, à medida que a economia se desacelere e a inflação caia, a taxa de juros vai poder ser utilizada pelo BC com mais tranquilidade. O destaque no ranking internacional dos juros tende a desaparecer.

 

Gazeta Mercantil - E o superávit primário em queda? A crise demanda a flexibilização da meta?

Seria prematuro. É impossível atuar com 100% de precisão. Se chegar no fim do ano e o superávit ficar uma fraçãozinha abaixo da meta não seria nenhum pecado mortal num ambiente como este. Temos anos e anos de acerto ou superação da meta. Um pouco de paciência neste quesito daria um retorno elevadíssimo no campo dos juros. Agora que passou a explosão do crédito interno vamos ver que a política monetária tem condições de cumprir o seu papel.

 

Gazeta Mercantil - O papel do BNDES na crise está em linha com as expectativas ou pode comprometer sua capacidade de financiamento no futuro?

O BNDES, no momento em que o mercado de capitais se encontra praticamente fechado, tem cumprido seu papel. Há quem diga até que está correndo o risco de exagerar, mas acho cedo para fazer este julgamento, até porque conheço a filosofia de trabalho do banco e acredito que eles não vão passar do limite se começar a ficar claro que, por exemplo, o mercado está voltando ao normal.

 

Gazeta Mercantil - Então, o BNDES não vai ser irresponsável?

Não me parece. Pelas declarações que ouço, pelas conversas que já tive. À medida que o mercado de capitais se desenvolva, o papel do BNDES tende a diminuir. Neste momento de crise, o BNDES tem cumprido um papel importante. Só é preciso cuidado quando a situação melhorar, porque não seria desejável que o BNDES se transforme em fator inibidor do mercado de capitais.

 

Gazeta Mercantil - E o spread bancário?

Todo mundo gosta do banco na hora de pegar o empréstimo, mas na hora de pagar, ninguém gosta. Os spreads têm caído um pouco ao longo dos anos, mas continuam muito altos. Na minha época de BC criamos um programa de análise e tomada de providências com relação ao spread para diagnosticar e decompor o spread e atacar cada ponto do problema para, a partir daí, desenvolver uma agenda de trabalho. Acredito que seria bom, agora, fazer uma revisão deste trabalho, para ver o que foi feito e o que não foi. O spread não é uma ameaça desconhecida. Ele pode ser entendido e corrigido, mas infelizmente não é trabalho para só um governo, mas para alguns anos.

 

Gazeta Mercantil - Por que o Brasil não resolveu essa questão até hoje?

Em conversas com bancos pequenos, escuto dizer que a Lei de Falências introduziu o mecanismo da recuperação judicial. Hoje, quando uma empresa pede recuperação judicial, com frequência gera-se uma certa paralisia no processo, com a suspensão da circulação do dinheiro. O banco não vê a cor do dinheiro. Na prática, vários bancos percebem que o processo não funciona e optam por votar contra a recuperação judicial, dizendo: "Prefiro que liquide (com a falência da empresa), para pelo menos eu receber um pouco do dinheiro". Então, algo não está funcionando; é preciso rever.

 

Gazeta Mercantil - Não existem condições para se liquidar os empréstimos?

Boa parte do crédito nos países mais desenvolvidos é financiado com garantias boas. O caso mais marcante é o do mercado imobiliário, onde as hipotecas barateiam extremadamente o custo. Isso está começando no Brasil com a alienação fiduciária. Se tivermos a combinação de um juro real mais baixo e um mecanismo de alienação fiduciária consagrado vamos ver o crédito ganhar muito espaço.

 

Gazeta Mercantil - Permitindo spread menor?

Vai contribuir para baixar o spread médio, porque, em vez de tomar dinheiro no crédito pessoal, sem garantia, o que é muito caro mesmo no crédito consignado, vai ser possível comprar imóvel ao custo semelhante do financiamento do automóvel. Esse, sim, é relativamente barato.

 

Gazeta Mercantil - O cadastro positivo poderá baixar os spreads?

É outra coisa a ser feita, porque, do ponto de vista da ética, permite que as pessoas se comportem bem e paguem menos.

 

Gazeta Mercantil - A proteção aos inquilinos inadimplentes no pacote de Obama poderia provocar um retrocesso na política de crédito dos EUA?

É um ponto complexo deste pacote, ainda não explicitado. Se for sinalizado que aqueles que ficarem inadimplentes vão ter redução na dívida, todo mundo vai parar de pagar. Por outro lado, estima-se que um número muito grande de famílias acabe vendo as hipotecas executadas. Este processo de retomada e venda dos imóveis é muito caro e ineficiente.

 

Gazeta Mercantil - O senhor fez parte de um grupo de economistas que propôs soluções para a crise. Quais as conclusões?

Fomos claros em assumir posição muito mais cautelosa sobre regulamentação financeira. Não no Brasil, mas com certeza nos EUA e em outros países. O grupo, capitaneado pelo Paul Volcker, deixou claro que é muito importante aperfeiçoar a regulação financeira, também tratar de eliminar brechas, cuidar melhor da capitalização do sistema e dos descasamentos de prazo.

 

Gazeta Mercantil - Mas essas propostas vão prevalecer ou sucumbir?

Alguma resistência sempre há. O setor financeiro, na maioria dos países, tende a ter um peso importante no financiamento de campanhas. Creio, no entanto, que seja impossível ir contra o óbvio, e o óbvio é que o sistema estava operando de maneira irresponsável. Isso vai ter que mudar porque, na prática, ficou claro que, quando vem uma crise grande, o governo acaba tendo que colocar dinheiro.

 

Gazeta Mercantil - Maior restrição ao fluxo de capitais pode tornar mais lenta a solução da crise?

O trabalho não propõe restrições ao fluxo de capitais, mas uma prescrição para definir uma alavancagem com transparência.

 

Gazeta Mercantil - Uma nova Basileia?Seria uma Basileia mais bem medida e transparente. Infelizmente, os critérios que vinham sendo aplicados permitiam o uso de derivativos que ficavam de fora do balanço dos bancos e mascaravam situação excessivamente arriscada. Ninguém pretende eliminar a crise. A economia vive de crises periódicas. Queremos é que elas sejam mais brandas e que tenham os seus custos mais bem distribuídos. Neste caso, o custo ficou na mão do contribuinte.

 

Gazeta Mercantil - Acredita em uma nova Breton Woods?

Acho que vale a pena repensar o sistema de Breton Woods, tanto na dimensão monetária, do FMI, quanto na do comércio, da OMC - que precisa ser revigorada -, e no apoio ao desenvolvimento, função do Banco Mundial. É uma discussão útil, mas lenta. Não pode e nem deve ser rápida. Rápido deve ser o combate à crise, com os mecanismos que já existem.

 

Gazeta Mercantil - É necessário um órgão mundial de supervisão bancária?

É prematuro falar disso. Nem a Europa, que conseguiu instituir um arcabouço supranacional, tem um órgão de supervisão bancária. Se a Europa não conseguiu chegar lá, imagina o mundo.

 

Gazeta Mercantil - O protecionismo tornou-se uma ameaça real?

É uma ameaça, mas espero que fique apenas no papel. O problema é que se trata de uma ameaça que nem sempre vem de peito aberto. O mundo não pode reproduzir o erro grave, da época da Grande Depressão, cometido pelos americanos (que aumentaram as barreiras de importação depois de 1929, fato que agravou a crise).

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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