Diante da dificuldade de fechar as contas fiscais deste ano com superávit primário de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) - dada a queda da arrecadação de tributos e o aumento das despesas públicas contratado em 2008 - o governo discute a adoção de medidas que possam ser tomadas de imediato e que não aumentem a relação dívida líquida do setor público/PIB, que em 2008 foi de 35,8%.
Em reunião na tarde de terça-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, colocou na mesa algumas alternativas, dentre elas a de reduzir formalmente o superávit primário, adiar o cronograma de entrada em vigor dos reajustes de salários do funcionalismo público, ou, ainda, uma combinação de ambos. O debate, no governo, só começou agora e não há, de fato, nada decidido, assinalam fontes oficiais.
Os reajustes salariais e reestruturações de carreiras de forma escalonada até 2012, conforme leis sancionadas em 2008, custarão R$ 28 bilhões a mais na folha de pagamentos deste ano. Postergar a vigência da legislação - isso está previsto no próprio texto legal em caso de frustração de receitas - teria impacto substancial nas despesas de 2009, mas é politicamente uma decisão delicada.
O Projeto Piloto de Investimento (PPI), estimados em 0,5% do PIB, podem ser abatidos da meta de superávit primário, mas essa é uma decisão que teria que ser formalizada pelo governo. Se for, o superávit poderá cair para 3,3% do PIB este ano, o menor desde 2000. Não está claro se isso seria suficiente ou se é preciso um corte maior da meta de superávit. Tudo dependerá da composição das medidas.
O novo arranjo da política fiscal terá que ser anunciado até dia 20, data em que o Ministério do Planejamento deve apresentar o relatório de avaliação de receitas e despesas para 2009. A questão é que se nada for feito, o corte de gastos, originalmente de R$ 37,2 bilhões, conforme anunciado no início do ano, terá que ser bem maior, comprometendo os investimentos em infraestrutura programados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que são centrais para a manutenção do nível de atividade no país, num momento em que o os países desenvolvidos estão em profunda recessão.
As discussões sobre a política fiscal ocorrem em terreno de muitas incertezas. Não há clareza sobre o comportamento da arrecadação de impostos até o fim deste ano. Embora as receitas estejam em queda no primeiro trimestre, há quem acredite, no governo, que a tendência a partir de abril seja de uma melhora. Há, ainda, quase R$ 15 bilhões depositados no Fundo Soberano, que já foram contabilizados como despesas nas estatísticas do ano passado, que podem financiar parte dos gastos com investimentos.
Em outra reunião pela manhã, também na terça-feira, Lula esteve com o ex-ministro Delfim Netto e com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, dois de seus principais conselheiros, além de Bernardo, Mantega e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Nas conversas, o presidente transmitiu algumas convicções, segundo relato do ex-ministro: manterá as contas fiscais de tal forma que, na pior das hipóteses, a relação dívida/PIB fique no mesmo patamar de 2008, pois isso é importante para a redução dos juros. Se, para isso, for necessário adiar os reajustes salariais do funcionalismo público, Lula o fará, crê Delfim; e os investimentos do PAC terão que ser executados, pois isso é que vai garantir algum crescimento no Brasil.
A relação dívida/PIB é tida como o principal indicador de solvência do país e, durante o governo Lula, teve uma queda importante, tirando do cenário os temores de um eventual calote. Entre 2007 e 2008, a dívida líquida caiu de 42% para 35,8% do PIB. Para 2009, os prognósticos estão menos favoráveis, por causa dos efeitos da crise financeira mundial. As projeções do BC, de que a dívida poderia cair para 35% do PIB este ano se tornam cada vez menos prováveis. Se o superávit primário cair de 3,8% para 2,8%, por exemplo, a dívida líquida ficaria um ponto percentual superior ao previsto.
A redução dos juros pode contrabalançar os efeitos negativos da redução da meta de superávit. Os cálculos do BC são de que a queda de um ponto na taxa Selic, se mantida por um ano, provoca redução de 0,28 ponto percentual na dívida líquida do setor público. Portanto, se o governo reduzir a meta de superávit primário em um ponto, será necessário que o BC reduza os juros básicos em 3,6 pontos para que a dívida não fique mais alta do que o inicialmente previsto.
Veículo: Valor Econômico