IPCA deve registrar preços em alta no 1º tri

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Tarifas de transporte público e material escolar devem puxar índice para cima no início do ano


    
No curto prazo, há pressões que forçarão o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para cima logo no primeiro trimestre, como reajustes de tarifas de transporte público, em janeiro, e material escolar, em fevereiro. Já no segundo trimestre, essas pressões devem se equilibrar, quando reajustes de energia elétrica e aluguéis - corrigidos pelos IGPs negativos de 2009 - devem puxar para baixo o IPCA, avaliam analistas.

 

Ao longo de todo ano, contudo, a incógnita da inflação é se o ritmo forte da atividade vai ou não impulsionar uma alta de preços. No fim do ano passado, pelo menos um setor - o de aviação - conseguiu reajustar fortemente os preços diante de uma demanda aquecida. Enquanto o IPCA subiu 4,31% no ano, as passagens aéreas aumentaram mais de 31%. Com essa alta de 4,31%, o IPCA ficou abaixo do centro do alvo perseguido pelo Banco Central (BC), o que ocorreu pela quarta vez desde a adoção do regime de metas de inflação, em 1999 (ver quadro).

 

A retomada do crescimento econômico - que sai de um patamar próximo a zero em 2009 para quase 6% neste ano - ocorre sobre base rebaixada e grande capacidade ociosa na indústria. Uma dúvida dos analistas é quanto tempo vai levar o esgotamento dessa ociosidade. Para 2010, a expectativa do mercado é que o IPCA ficará próximo de 4,5%, mais uma vez o centro da meta.

 

Para o economista-chefe da Gradual Investimentos, Pedro Paulo Silveira, os estímulos fiscais e monetários promovidos pelo governo no ano passado para atenuar os efeitos da crise mundial serviram para reanimar a economia, mas agora podem ser dispensados. "A inflação vai se acelerar ao longo do ano, então o BC deve aumentar as taxas de juros para evitar maiores problemas futuros."

 

Em 2008, quando a economia cresceu 5,1%, o IPCA fechou em 5,9%, acima dos 4,5% do centro da meta. Em 2009, com o impacto da crise global, a economia se desacelerou, puxando os índices inflacionários para níveis comportados, no caso do IPCA, ou mesmo para baixas recordes, como ocorreu com a família dos Índices Gerais de Preços (IGPs), que fecharam em deflação. "Para 2010, temos expectativa de alguma subida nos preços devido a retomada econômica, não apenas brasileira, mas também do resto do mundo, depois de um ano muito difícil", avalia Laura Haralyi, especialista de inflação do Itaú Unibanco. Segundo Laura, os preços dos alimentos, que empurravam para cima as cotações no pré-crise, sofreram "enorme descompressão" no ano passado.

 

Em julho de 2008, no acumulado em 12 meses, os preços de cereais básicos, como arroz e feijão, alcançavam alta de 75,9%. Em dezembro do ano passado, esse grupo registrou deflação de 23,2%, na mesma base de comparação. "Houve uma bela devolução da alta de preços nos alimentos, o que dá uma folga para eventuais, e naturais, elevações neste ano", diz. O mesmo movimento aconteceu com as carnes, que subiram 38,8% nos 12 meses encerrados em julho de 2008, e fecharam 2009 com variação negativa de 5,3%.

 

No IPCA de dezembro, houve desaceleração significativa dos preços de alimentos em relação a novembro - de 0,58% para 0,24%. Segundo analistas, essa perda de fôlego, no mês passado, serviu para contrabalançar a elevação dos itens de transportes, que passaram de 0,61% para 0,78%, e de vestuário, que subiu de 0,58% para 0,76%, influenciado pelo padrão sazonal das compras de Natal.

 

O comportamento do preço do açúcar fugiu do padrão registrado pela maior parte dos alimentos em 2009. "Ele foi o ponto fora da curva, avançando forte", diz Silveira. O preço do açúcar cristal aumentou 63% no ano passado, enquanto o açúcar refinado ficou 56% mais caro. Segundo dados da Gradual, o preço da saca de açúcar em Londres aumentou 111% em dois anos, entre janeiro de 2008 e o começo deste ano. Descontado o efeito do açúcar, o IPCA fecharia o ano passado próximo a 4,1%.

 

"Teremos recomposição de preços das commodities, agrícolas ou não, como a elevação de preços do barril de petróleo já indica, ao longo deste ano, mas não deve alcançar o patamar de 2008", afirma Silveira.

 

O primeiro trimestre de 2010 concentrará reajustes de tarifas públicas e de material escolar, o que deve puxar o acumulado em 12 meses para patamares superiores à meta de 4,5%. Apenas as tarifas de ônibus em São Paulo representam pouco mais de um terço (34%) do subitem transportes, e o reajuste de 14,1% puxará para cima o IPCA.

 

"Em seguida, teremos reajustes elevados em material escolar", diz Francis Kinder, analista da Rosenberg & Associados. Essa concentração de aumentos entre janeiro e março deve ser compensada por reajustes menores de energia elétrica, a partir de abril. Parte do reajuste da energia sofre influência direta do IGP-M, pois o indicador representa um terço da tarifa. As contas de telefone também terão queda, pois o IGP-M é um dos itens da cesta que compõe o Índice de Serviços de Telecomunicações (IST), usado para o cálculo do reajuste.

 

Kinder avalia que o preço da energia também deve sofrer impacto do câmbio, "especialmente o contrato de Itaipu, que é liquidado no primeiro semestre". Nos primeiros meses de 2009, o dólar variava em torno de R$ 2,10, e hoje, o câmbio oscila próximo a R$ 1,70.

 

Um dos principais legados do IGP-M para o controle de preços no IPCA deste ano se dará sobre as cotações de aluguéis e condomínios, muitos dos quais corrigidos por eles. Segundo Fábio Romão, economista da LCA Consultores, enquanto os aluguéis no ano passado sofreram reajuste próximo ao IGP-M de 2008 (9,8%), no ano que vem o impacto no conjunto da economia será beneficiado por um IGP-M negativo (-1,72%). "Não teremos reajuste negativo no acumulado de 2010, mas algo próximo a 3%, porque os contratos são distribuídos ao longo do ano, então podem ter contágio de uma elevação no segundo semestre, Mas não deixa de ser um fator importante para relaxar a alta de preços ao longo do ano."

 

Dois grandes contribuintes na formação do IPCA, os preços de serviços (cabeleireiro, mensalidade escolar, condomínio) e de bens administrados, vão oscilar em trajetórias contrárias ao longo do ano. Os preços de serviços, que representam cerca de 24% do índice, reagem com defasagem quanto ao ritmo da atividade. Segundo Laura, do Itaú Unibanco, há defasagem de quase dez meses entre movimentos no PIB e reflexos nos preços dos serviços. Em 2009, eles tiveram alta de 6,4%, a mesma variação de 2008.

 

"Os serviços têm puxado o IPCA", diz Romão. Em outubro de 2008, o acumulado em 12 meses dos serviços estava em 6,36%. O choque econômico mundial demorou a ser sentido. Até maio do ano passado, quando alcançou 7,23%, o acumulado em 12 meses se acelerava, espelhando com atraso a aceleração do PIB no pré-crise. Apenas a partir do segundo semestre é que os serviços começaram a diminuir o ímpeto, ao mesmo tempo em que a atividade recuperava força. No ano, calcula Romão, serviços acumularam alta pouco superior a 6,2%. "Teremos queda no acumulado em 12 meses até meados deste ano, quando veremos inversão de sinal."

 

Para os administrados, os analistas preveem uma gangorra semelhante à verificada pelo IPCA nos últimos anos. No ano passado, influenciados pela alta de 9,8% do IGP-M do ano anterior, saltaram de 3,3% , em 2008, para 4,7%. Em 2010, a tendência é que a variação negativa dos IGPs provoque uma desaceleração para a casa de 3,5% - Romão projeta alta de 3,6% dos administrados.

 


Veículo: Valor Econômico


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