Abertura do mercado de cartões é o novo desafio para a Cielo

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Em menos de dois anos, muita coisa mudou nas operações da Cielo, antiga Visanet, maior empresa do país no credenciamento de lojistas e captura de transações com cartões. A abertura do mercado a novos competidores, a partir de 1º de julho, lançou um novo desafio à Cielo, que até então dividia com a Redecard o domínio desse lucrativo negócio nos meios de pagamento eletrônico.

 

Mesmo antes do anúncio, pelo governo, do fim da exclusividade no mercado de cartões, a empresa teve pela frente o primeiro grande desafio, a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), realizada com sucesso apesar do momento difícil pelo qual passava a economia mundial, em meados do ano passado. A Cielo levantou na operação R$ 8,4 bilhões.

 

Agora, a tarefa da Cielo é ainda maior: disputar um mercado com novos e importantes concorrentes, além da tradicional Redecard - até a abertura do mercado, a máquina da Cielo só aceitava cartões Visa e da Redecard, MasterCard. A preparação para o fim da exclusividade não foi tarefa fácil. "O processo exigiu adaptações por parte companhia, tanto em relação ao nome quanto no que se refere às pessoas, aos funcionários, para que eles pudessem trabalhar num cenário de multibandeira", diz Rômulo de Mello Dias, diretor-presidente da Cielo, há pouco mais de um ano no cargo.

 

Dias deixou uma das diretorias do Bradesco, um dos sócios da Cielo, ao lado do Banco do Brasil, para assumir o comando da empresa. "Havia uma fidelidade muito grande entre a Cielo e a Visa." Segundo Dias, a empresa fez adaptações também na tecnologia, na parte comercial e desenvolveu novos produtos. No primeiro semestre deste ano, os investimentos visando ao mercado livre somaram R$ 70 milhões.

 

Uma das primeiras providências da Cielo foi contratar uma empresa de marcas, para avaliar e sugerir nomes para a antiga Visanet. Não havia mais sentido em manter a marca antiga, muito vinculada à Visa, já que várias novas bandeiras passariam agora pela rede da empresa. "Na recomendação dos consultores, os nomes que aparentemente fariam mais sentido, que contivessem expressões pay, card ou net, estavam desgastados", explica Dias. Era preciso, lembra o executivo, "criar uma identidade". Chegou-se a cogitar o nome "Twil", mas a decisão final foi Cielo. "Significa céu em italiano e espanhol e tem tudo a ver com os principais pilares da empresa, a abrangência nacional, o alto índice de disponibilidade da rede e a capilaridade."

 

A Cielo, de acordo com Dias, está presente hoje em 98% dos municípios brasileiros e tem 1,8 milhão de clientes. Os novos investimentos em tecnologia permitem à empresa processar 2,1 mil operações por segundo. "No Natal, atingimos o pico, de 700 operações a cada segundo." O valor total processado pela rede da Cielo, em 2009, chegou a R$ 214 bilhões, cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Apenas no segundo trimestre deste ano, foram R$ 59 bilhões.

 

O presidente da Cielo admite que o cenário que se abriu a partir de 1º de julho levará a empresa a perder parte do "market share", hoje na faixa dos 48%. "Devemos perder um pouco do espaço com os novos concorrentes." Ele não arrisca a prever qual a participação de mercado a empresa terá até o final do ano. "Não sabemos quantas novas empresas vão entrar, como ficará a divisão do mercado." Até a abertura, operavam na modalidade da Cielo - os chamados "adquirentes", no jargão do setor - a Redecard e a Hipercard, esta com mais força no Nordeste e pertencente ao Itaú Unibanco. O Santander, em parceira com a GetNet, é a principal novidade após o fim da exclusividade.

 

As novas parcerias, com bandeiras regionais ou mais tradicionais, são o caminho mais rápido para ganhar corpo no mercado aberto. "Estamos hoje com as principais bandeiras do mercado. Ter quantidade de bandeira, no nosso ponto de vista, não é o mais importante." O essencial, afirma Dias, é "ter bandeira que tenha clientes, que tenha vendas". Com essa estratégia, a Cielo, além da Visa, que continua como carro-chefe da empresa, captura e processa também as marcas Amex, Ticket e Visa Vale, além de outras menores.

 

"Anunciamos recentemente uma parceria estratégia com o HSBC ", conta Dias. O HSBC, segundo ele, examinou desde a capilaridade da Cielo, o índice de disponibilidade da rede e uma proposta comercial interessante para eles. "A nossa estratégia é ter uma distribuição forte. Temos o Banco do Brasil, o Bradesco e agora o HSBC, este último trabalhando de forma preferencial com a gente."

 

Ao mesmo tempo, a abertura à competição tem um aspecto bastante positivo para os lojistas e, por tabela, para o consumidor final. "Nas novas negociações de credenciamento, estamos sempre procurando trazer volume, de forma a dar mais benefícios para o comércio." O volume, conforme o presidente da Cielo, pode significar taxas menores cobradas dos clientes. Com um dos grandes clientes da empresa, por exemplo, o grupo Pão de Açúcar, conta Dias, "agora posso passar, além da bandeira Visa, a bandeira MasterCard". Esse benefício adicional ao estabelecimento comercial, que pode usar uma só máquina (POS) para processar várias bandeiras, significa economia de custos, que pode ser repassada ao consumidor final.

 

A velha briga entre comércio e credenciadoras, que na época da exclusividade provocou até mesmo boicote aos cartões Visa ou MasterCard, por parte de grandes redes varejistas, devido às elevadas taxas cobradas nas operações, deve ficar no passado. O varejo tem a opção, após a abertura, de negociar com uma número bem maior de credenciadores.

 

Dias reconhece, no entanto, que entrar como "adquirente" no mercado de cartões não é para qualquer um e exige um pesado investimento. "Além do investimento em ativos fixos, em pessoas, em montar uma empresa, você precisa ter capacidade de distribuição, outro pilar muito importante." A Cielo, por exemplo, trabalha com diversos canais de captura, de credenciamento. Tem a sua própria força de vendas, mas utiliza também os bancos (a empresa paga comissão para as instituições financeiras fazerem a filiação de clientes) e até organizações independentes. "Contratamos empresas fortes em determinada região."

 

Os resultados da Cielo mostram que a estratégia tem, por enquanto, se mostrado correta. A empresa encerrou o segundo trimestre com um lucro líquido recorde de R$ 457,7 milhões, incremento de 25,5% em relação a igual período do ano passado e com margem de 43,3%. A receita líquida no trimestre atingiu R$ 1,048 bilhão, enquanto o lajida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) avançou 26,1%, para R$ 735,5 milhões. Em 2009, a receita líquida foi de R$ 3,6 bilhões.

 

A Cielo tem crescido acima do mercado. A Abecs, entidade que representa as empresas de cartão, prevê expansão de 20% no processamento da indústria como um todo este ano, em relação a 2009. Embora a Cielo não tenha uma estimativa fechada para o ano, no segundo trimestre de 2010 o processamento foi 24% maior ante igual período do ano passado.

 

A Cielo perde, porém, para a Redecard em outra importante fonte de receitas para as empresas - a antecipação de recebíveis. No segundo trimestre, do total do cartão de crédito e do chamado parcelado do lojista, a Cielo antecipou 6,3%. Na Redecard, supera os 20%.
 


Veículo: Valor Econômico


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