Pão de Açúcar mais doce

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Como, a partir de uma palavra-chave, a nova equipe de executivos recolocou a rede nos trilhos

 

No centro da sala de comando do Grupo Pão de Açúcar, uma mesa gigantesca de quase cinco metros ocupa o espaço principal. Ela divide ao meio o local, estrategicamente ocupado por outras 11 imponentes mesas, cinco no canto direito e seis do lado esquerdo. Telefones, laptops, planilhas e papéis soltos, biscoitos e um resto de queijo brie espalhados pela mesa deixam claro que houve gente debruçada horas por ali, na tarde da terça-feira 26. Entre uma conversa e outra, algum dos oito executivos, entre diretores e vice-presidentes, levanta-se da sua cadeira, senta ali, confere números, troca figurinhas, faz alguma piada – e o dia parece um repeteco da mesma cena. Após três anos de uma desgastante reforma, que parecia infindável, esse ameno clima cotidiano era tudo o que a empresa precisava. A maior rede de varejo de alimentos criada no Brasil ressurge mais leve, ágil e integrada. A reestruturação ainda não terminou, mas o presidente do conselho de administração, Abilio Diniz, animado com os resultados obtidos até agora, aceitou falar dela, pela primeira vez. E abriu as portas da companhia. A DINHEIRO teve passe livre dentro da empresa, passou dois dias em conversas individuais com seis dos oito executivos da linha de frente da companhia, além do seu presidente, Cláudio Galeazzi, o homem que comanda há nove meses o processo de ajustes internos. Ouviu ainda ex-executivos do grupo e especialistas em varejo para analisar o caminho que vem sendo traçado neste instante pela varejista. É unânime a percepção de que o jogo pode estar virando. Na ponta do lápis, números do segundo trimestre refletem o otimismo. O lucro líquido subiu 119% de abril a junho, a relação entre receita e despesas operacionais caiu para menos de 20% (a meta perseguida há anos) e a margem Ebitda voltou a superar 7%.


 
“Não tem mágica, não tem milagre, não tem nada. Voltamos às origens. O time inteiro está jogando e o clima é outro”, afirma Abilio. O sorriso que exibe hoje não se via há nove meses. Para ele, estava evidente que, da forma como tudo caminhava, havia na época um risco iminente de deterioração grave de resultados. Galeazzi foi chamado pelo conselho de administração para dar um jeito na casa. O diagnóstico era de que o Grupo Pão de Açúcar trabalhava muito, mas errado. Nunca parou de investir (foram mais de R$ 2 bilhões só em 2006 e 2007), muito menos jogou as fichas em alguma aposta equivocada. O problema era muito maior e estava na origem de cada minúscula decisão tomada. Havia desaparecido o espírito de equipe no grupo. As medidas eram arquitetadas, necessariamente, de cima para baixo nos útlimos anos. Não havia colaboração da base, troca de idéias – isso numa empresa com vice-presidentes há 30 anos na linha de frente. Internamente, acabaram sendo criados o que Abilio chama de silos, que, na terminologia militar, referem-se a espaços onde são guardadas armas potentes, prontas para o uso. Cada executivo de área defendia o seu. “Quando vira silo contra silo, aí a coisa complica”, desabafa Abilio.

 

“O Pão de Açúcar tinha a arrogância de empresa rica”, complementa Galeazzi. “As despesas corriam soltas em todas as áreas.” Detalhes como esses foram minando a eficiência e a rentabilidade do grupo. De 2005 a 2007, a empresa sempre obteve aumento nas vendas. Porém a margem se mantinha esquelética e o lucro não deslanchava.

 

Segundo a Economática, de julho de 2005 a julho de 2006, a margem líquida da rede foi a 0,6% e o lucro operacional de 2006 foi o pior dos últimos sete anos. “Eles tinham gente boa, preparada, mas não tinham gestão e perderam o ritmo”, sintetiza um consultor de varejo. Na caça às bruxas, parece tentador apontar o dedo para Cássio Casseb, o presidente do grupo até a chegada de Galeazzi. Sobre o assunto, entretanto, ninguém fala.

 

Identificado o problema, foi preciso fazer o que o comando tem chamado de “back to basic”, ou voltar ao que a rede era até o princípio dos anos 2000. Havia uma data-limite clara: a reversão dos resultados teria de ocorrer num período de quatro a oito meses, ou seja, até agosto deste ano. Galeazzi fotografou a estrutura do grupo naquele dezembro de 2007 e passou a imaginar como tudo funcionaria de forma mais redonda, sem gargalos e perdas de idéias e recursos. Ele passou a montar uma nova empresa de baixo para cima, deixando a turma de executivos trabalhar mais solta e sem muitas intervenções. Chegou-se a um modelo considerado ideal. Nele, a palavra-chave chama-se “empowerment”, usada pelo comando da rede (os seis vice-presidentes e diretores, além de Abilio e Galeazzi) 22 vezes nas entrevistas concedidas. Consiste em delegar poder de decisão, mas cobrar pelo resultado. Essa foi a chave da virada. “Ninguém chegou aqui e disse o que fazer. A mudança veio de nós mesmos”, diz José Roberto Tambasco, vice-presidente comercial e de operações do grupo – e 29 anos de casa. E como “empowerment” anda lado a lado com modelos descentralizados, o Pão de Açúcar descentralizou muitos processos.

 

Agora, cada loja tem o direito de trabalhar de acordo com as suas necessidades locais. Foi dada total autonomia para os gerentes regionais decidirem o melhor para o negócio, num modelo que nasceu em 2007 na Sendas Distribuidora, braço da empresa no Rio, e foi se replicar em lojas do Nordeste e Centro-Oeste a partir de março deste ano. Com ele, a corporação diminuiu de tamanho automaticamente. Pelo menos cinco diretores perderam a vaga no Rio. O enxugamento foi parar nas gôndolas. Cerca de dez mil itens da área de alimentos deixaram as prateleiras. Metade dos fornecedores desses produtos (cerca de três mil de um total de seis mil) não tem mais contratos com a rede. “Fortalecemos parcerias com os que sobraram”, conta Ramatis Rodrigues, diretor-executivo comercial de alimentos e não-alimentos do grupo.

 

PLANO ESTRATÉGICO PARA 2009, RECÉM-APROVADO, PREVÊ ABERTURA DE 100 LOJAS E INVESTIMENTOS DE R$ 1 BILHÃO


 
Até os softwares utilizados para produzir os balanços foram trocados. A companhia acaba de comprar o programa SAP para gestão financeira e o sistema Retek, da Oracle, para controle e gestão de estoques, entregas, preços e fluxo de mercadorias. Antes deles, eram usados programas próprios, criados dentro de casa. A companhia admite que os usava mal e não eram mais adequados ao seu tamanho, a ponto de chegar a faltar produto na gôndola por causa do descompasso entre estoque e demanda. “O que tínhamos era uma colcha de retalhos, com difícil comunicação entre os softwares”, diz Galeazzi. Com o SAP, por exemplo, a empresa poderá ter um balanço contábil completo, com vendas, custos, margem, ao final de cada dia. “Antes, demorávamos oito dias para ter esses dados”, conta o recém-empossado vice-presidente da cadeia de suprimentos e tecnologia da informação, Hugo Bethlem.

 

Ainda há muito a ser feito. “A margem do Assai ainda está abaixo das expectativas do mercado e da própria empresa, assim como ainda se questiona a atual margem do Sendas”, diz a analista Daniela Bretthauer, do Goldman Sachs, referindo-se a duas das redes do portfólio do grupo. O que o Pão de Açúcar vive hoje é o início de um processo sem data para terminar. Galeazzi fica dois anos, e o seu substituto terá de manter o gigante na mesma direção – um substituto que, inclusive, pode sair de fora da empresa, admite. O plano estratégico para 2009, aprovado na terça-feira passada e informado em primeira mão à DINHEIRO, prevê a abertura de pelo menos 100 lojas e um investimento de mais de R$ 1 bilhão. O concorrente Wal-Mart anunciou há 15 dias a previsão de abertura de 80 a 90 lojas e até R$ 1,8 bilhão a ser aplicado no ano que vem. Está exatamente aí uma das maiores pedras no caminho do Pão de Açúcar. A rede se reestruturou porque estava menos eficiente que os rivais. O mercado não deve perdoar novos tropeços. Se abrir uma loja a cada quatro dias em 2009, como quer o grupo, será o maior plano de expansão orgânico da cadeia em sua história. Tudo para deixar o passado para trás, e só olhar para a frente.

 

 
Veículo: Revista Isto É Dinheiro


 


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