Desafios da Kraft para dobrar receita no País

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Mark Clouse, ingressou na Kraft Foods, nos Estados Unidos, aos 28 anos, após uma bem-sucedida carreira como piloto de helicóptero e oficial do exército, aliando o fato de ser bom jogador de basquete. Formado em uma das mais prestigiadas academias militares do mundo, a West Point, no seu tempo de caserna foi considerado um dos maiores especialistas do mundo em helicópteros russos, mas trocou a farda pelo terno e vida de executivo. "Saí do posto de capitão de um batalhão para ir a um cubículo, onde podia sentar e alcançar as quatro paredes com as mãos, de tão pequeno", conta. "Estava em Chicago e me juntei a divisão de ‘groceries’, da Kraft, no setor de marketing."


Passou os primeiros cinco anos em diversos negócios na área de marketing e depois em vendas, cuidando de algo que era relativamente novo na época, o Sam’s Club. Quando voltou ao marketing, começou a cuidar de unidades maiores. Ficou responsável pelo setor de queijos da companhia, uma categoria que movimenta US$ 1,3 bilhão ao ano, dentro do faturamento global de US$ 40 bilhões.


O sucesso nessa área se transformou em recomendação para ser enviado à China, dois anos atrás, onde os negócios da Kraft não iam bem. Rapidamente o executivo dobrou o resultado da companhia no País, de US$ 200 milhões para US$ 400 milhões, absorveu a compra da divisão de biscoitos da Danone na região e ganhou crédito com a direção. Em janeiro, foi enviado ao Brasil, na sede da empresa em Curitiba, com a missão de dobrar o tamanho da operação brasileira, que em 2007 faturou R$ 3,6 bilhões.


O plano de crescer 100% começou a ser implantado no ano passado, mas o resultado de 2007 foi um modesto crescimento de 5,9% sobre 2006. Mark Clouse veio com o objetivo, como diz, de "destravar" esse crescimento nos próximos cinco anos para atingir a meta de "ser a número 1 na sua área de atuação" - snacks e lanches rápidos - o que significa desbancar a suíça Nestlé, que compete com a Kraft na maioria dos produtos que incluem marcas como Lacta, biscoitos Trakinas e Club Social, sucos Maguary, refrescos em pó como Tang, Clight, Fresh, fermento em pó, gelatinas e sobremesas Royal, cream cheese Philadelphia e chás da linha Royal Blend.


A Kraft é líder nos segmentos de chocolate, biscoito, refresco em pó, cream cheese e suco concentrado, tem 7,5 mil funcionários em todo o País e sete fábricas: no Paraná, Ceará, Minas Gerais e São Paulo. Está previsto um investimento de US$ 50 milhões para o aumento da capacidade de produção de chocolates na capital paranaense, a ser concluído em 2009, e a formação de novas parcerias como a que fez com a Sadia. Não são descartadas futuras aquisições, o que é uma tradição da Kraft. A seguir, a entrevista exclusiva, que também revela um estilo mais aberto na empresa:


Gazeta Mercantil - Como o Sr. ingressou na vida militar e em que esta experiência ajudou na vida do executivo?

Não fui muito exposto à vida militar. Estava no ensino médio e era do time de basquete. Porém, sabia que o basquete não seria algo que seguiria como carreira e então quis ter a melhor educação possível utilizando o esporte como porta de entrada. Tive a oportunidade de jogar e estudar em West Point, a academia militar dos EUA. Acabou sendo a escolha certa e foi uma grande experiência. Com 21 anos eles lhe deixam com 30 ou 40 pessoas, um grande orçamento, missões desafiadoras, e você tem de aprender a liderar essas pessoas. Essa experiência faz uma grande diferença no mundo empresarial porque, no final do dia, a contribuição primordial virá de uma fonte de liderança. A idéia é muito importante, o conhecimento técnico é bom, mas o que é mais importante ao mobilizar uma organização, inspirando as pessoas, é a liderança. Outra coisa que me ensinou muito foi a diversidade existente nas forças armadas, pois, ao mesmo tempo que lidava com um mecânico, tratava com um general, pessoas com educação e vida bem diferentes. Depois, West Point é um local interessante. Eles lhe passam mais trabalho do que é humanamente possível executar. Isso faz com que você comece a definir prioridades e a decidir o que é mais importante. Tive de usar muito disso nas experiências que tive no Brasil e na China, que tinham muitas coisas possíveis de se fazer. Uma das decisões mais difíceis que um líder tem de tomar é decidir que coisas não fará.


Gazeta Mercantil - Quanto tempo o Sr. ficou no exército e como ingressou na Kraft?

Após sair de West Point, você tem de cumprir um compromisso de 5 anos com o exército. Então fiquei 4 anos em West Point e 6 anos e meio nas forças armadas. Freqüentei depois uma escola de vôo, com a qual me comprometi por mais um ano. Viajei bastante. Vivi na Coréia por um ano e também tive várias missões mais curtas na América Central e um certo tempo na Europa. Eu era um especialista americano em helicópteros soviéticos. Saí com o nível de capitão. Existe uma grande variedade de empresas nos EUA que contam com um programa chamado JMO (Junior Military Officer), no qual você traz elementos como a liderança e a empresa traz a parte empresarial. A Kraft tinha esse programa. Penso que, em uma carreira, o sucesso está muito ligado às pessoas que trabalham com você, e tive muita sorte por trabalhar com pessoas fantásticas na Kraft, com as quais aprendi muito. Tive ótimos resultados na divisão de queijos e havia uma boa relação de trabalho com a maioria dos que tinham cargos de chefia. Foi nessa época que a Kraft Internacional e a Kraft norte-americana se juntaram. Quando isso aconteceu vi uma ótima oportunidade e fui para minha primeira posição fora dos EUA, em Singapura, para desenvolver o mercado de queijos na região. Fiquei nesse posto por 11 meses, que deveriam ter sido três anos. Os negócios na China não iam muito bem e ali pude juntar o conhecimento sobre queijos com o conhecimento militar.


Gazeta Mercantil - O que estava acontecendo com a subsidiária da Kraft na China?

Duas coisas estavam acontecendo ao mesmo tempo: primeiro, a empresa percebia que estava muito dependente dos negócios na América do Norte e precisávamos aumentar a porcentagem dos nossos negócios nos mercados do mundo todo. Sempre tivemos uma operação forte na Europa, mas a decisão foi a de que iríamos focar em cinco mercados: China, Rússia, Brasil, México e Índia. Havia um grande senso de demanda na China, mas nosso negócio era pequeno, de cerca de US$ 200 milhões, e em declínio. Eu tinha a responsabilidade por Hong Kong, Taiwan e o território principal. A realidade era que estávamos vendendo produtos ocidentais para os chineses, esse foi o desafio com que tive de lidar. Havia uma forte concorrência na China, tanto global quanto regional. O outro grande problema que tivemos é que estávamos tentando fazer tudo ao mesmo tempo. Investíamos em 15 marcas diferentes, em 50 a 60 projetos ao mesmo tempo, e trabalhando com uma organização muito jovem e inexperiente, sem entender realmente aonde estávamos indo, ou qual era a visão. O grupo Kraft, em geral, é uma fusão de aquisições feitas ao longo dos anos. Acabamos com uma combinação de negócios, sem seguir uma estratégia clara, e esse era um grande problema.


Gazeta Mercantil - O que o Sr. fez?

A primeira e a mais importante coisa que fizemos foi alinhar a equipe de liderança a certos princípios e direções. Juntamos todas essas pessoas em uma sala e deixamos claro que elas serão cobradas e remuneradas pela performance de todos juntos. Então decidimos quais eram os pontos fortes e fracos do portfólio com o qual estávamos lidando. Focamos em conseguir vitórias rápidas com os produtos fortes, estancando o "sangramento" dos que iam mal. Também havia os produtos "neutros", enquanto se tentava arrumar os outros dois tipos. Chamamos isso de "gerência de crise". Depois, na segunda etapa, a estratégia foi a de perceber quais marcas tínhamos e o que elas significavam para os consumidores chineses.


Gazeta Mercantil - Como foi esse trabalho?

Por exemplo, um grande sucesso foi quando reformulamos o Oreo. Produtos doces não são muito procurados pelos chineses e tínhamos a mesma composição no Oreo na China e nos EUA. Desenvolvemos uma versão menos doce, com o mesmo chocolate escuro e recheio branco, mas mais adequado ao perfil de sabor dos chineses. Funcionou muito bem. Então desenvolvemos uma linha de biscoitos waffer, em diferentes formatos, que eram compatíveis com o que os chineses queriam. Foi assim que o Oreo se tornou o "motor" da operação na China. Dobramos o negócio em dois anos. Falei com a China recentemente. O Oreo mantém metade do negócio lá, e se espalhou pelos três mercados. É uma ótima história de sucesso, de como pegar uma marca que é ícone americano e torná-la ícone chinês. Não podíamos pensar como uma empresa americana e, sim, como chinesa. Fizemos isso com o Tang e algumas outras marcas. Isso após um tempo fez com que todo o negócio na China crescesse. O time começou a sentir o gosto da vitória novamente. No começo tinha de "empurrar" e pouco antes de sair apenas "dava apoio".


Gazeta Mercantil - E como foi sua vinda para o Brasil?

Quando saí dos EUA haviam dois mercados que eu queria muito conhecer. Primeiro o Brasil, depois a China. O Brasil não estava disponível na época. Conhecia muito bem o portfólio daqui. Para ser honesto, o Brasil tem sido um negócio-modelo para a Kraft há alguns anos. Como fortalecer marcas fortes regionalmente, como Sonho de Valsa, Bis, e como fazer uma marca global como Tang em um mercado como esse. Posso dizer que, sem dúvida, é a melhor organização de vendas da Kraft. O Brasil foi uma organização que teve muito sucesso, mas nos últimos anos, por nossa própria avaliação, estamos apenas indo "bem". Então, temos um problema diferente para resolver: ótimas pessoas, ótimos negócios, marcas bem desenvolvidas, mas provavelmente não vendendo o potencial real.


Gazeta Mercantil - E qual é a saída para essa situação?

Uma combinação de coisas. Quando você tem pontos fortes - o que nós temos - tende a ficar dependente. Somos muito bons na execução, no ponto-de-venda e ficamos muito dependentes disso. Como temos muitas marcas boas, é um desafio evoluir e adaptar essas marcas às necessidades de um novo consumidor, ou de um consumidor em evolução. Para realmente merecer a liderança, você tem de manter o que você faz bem, mas desenvolver outras áreas, como inovação, trazendo o que chamo de "conjunto de idéia de liderança" e programas que deixam bem claro que somos líderes do mercado. Pela minha perspectiva, o que temos de fazer é tentar destravar o potencial que já existe aqui. Um líder, em grande parte dos casos, é avaliado somente após sua saída da empresa. Então, soltando a criatividade e o potencial, estaremos criando uma organização que será bem sucedida pelos próximos 10 ou 15 anos.


Gazeta Mercantil - Algum paralelo com a experiência chinesa?

Existem alguns. Mesmo que a operação seja muito diferente na China, acho que algo importante aqui foi ter muito claro qual a nossa prioridade como organização. Alinhamos o grupo de lideranças na direção que queremos seguir. Acho que já conseguimos consolidar esse passo. Quando você sabe a direção, a próxima coisa que é necessário fazer é definir realmente como o sucesso vai aparecer, o que precisa acontecer para atingirmos essa meta. Como na China, procuramos o que sabíamos que poderia ser feito rapidamente para acelerar nosso movimento nessa direção. Também colocamos pessoas e projetos focados no futuro da empresa. E também trabalhamos com clareza nas marcas que decidimos que seriam o "núcleo" e a chave para um futuro bem-sucedido, trabalhando na posição que essas marcas vão tomar, aprofundando a inovação por trás delas. Descobri que há pessoas fantásticas nessa organização e que agora estão trabalhando nas coisas que farão maior diferença. O potencial é muito grande. Também acho que há uma parte complementar, que não fazíamos tão bem quanto podíamos. Agora estamos dedicando mais tempo para entender os nossos competidores, quem é o inimigo, o que está fazendo e o que achamos que fará. Se queremos ser líderes, temos de proteger nossa posição o tempo todo. Esse é o momento em que estamos.


Gazeta Mercantil - Quais os exemplos práticos dessa estratégia?

Ao ter claro a estratégia e direção de uma organização ou marca o relacionamento e as parcerias também se tornam muito mais claros. Ainda não estive em um negócio tão grande que não possa se beneficiar do trabalho em conjunto. Os exemplos podem ser coisas grandes ou pequenas, como uma tecnologia simples de embalagem. O consumidor muitas vezes não come o produto inteiro e então acaba amassando o pacote para tentar fechar a embalagem e guardar o produto novamente. Acaba não fechando direito e o produto deixa de ser fresco. Então, uma pequena idéia que trouxemos este ano foi a de uma embalagem que pode ser fechada novamente. Isso faz uma grande diferença. Mas, o líder em chocolates, como nos forçamos a ser, precisa trazer coisas novas. E está indo muito bem. O time entende que inovação não precisa um grande novo produto, mas coisas pequenas combinadas com grandes.


Gazeta Mercantil - E aonde a Kraft poderá chegar dentro dessa estratégia?

O principal objetivo é deixar claro ao Brasil que queremos ser o número 1 em "snacks". Com as nossas marcas e com a orientação de como construi-las no futuro, temos um grande potencial. Em uma perspectiva de números, o nosso objetivo é dobrar esses negócios em cerca de 5 anos. Atualmente somos o número dois em "snacks", mas existe muita concorrência nessa área


Gazeta Mercantil - A Kraft já tem muita tradição em comprar empresas. Isso significa também novas aquisições e parcerias?

O que sempre falo sobre joint-ventures, aquisições ou fusões pode até soar como disco riscado: quando você sabe o caminho estratégico, procura por parceiros que possam ajudar a "acelerar". Então a resposta à sua pergunta é que estamos sempre a procura de parceiros que possam nos ajudar a "acelerar" pelo nosso caminho estratégico. Se fusões e aquisições fizerem parte da estratégia, às vezes você pode esperar uma vida inteira para elas ocorrerem. A aquisição da Danone, na China, foi bem-sucedida por ser uma grande empresa e também porque tínhamos uma visão muito clara da direção que queríamos seguir. A parceria com a Sadia é um grande exemplo. É necessário entender e se alinhar com a visão e direção dos parceiros, e ter uma situação clara na qual todos se beneficiam da experiência. Isso muito importante para que haja sucesso.


Gazeta Mercantil - Por esse acordo, a Sadia vai comercializar o cream cheese Philadelphia da Kraft?

Quando se está em um mercado como esse , é importante manter a comunicação e a relação aberta com outras pessoas da indústria, sempre falando sobre o que está acontecendo. A Sadia é uma empresa fantástica, acredito que tenha objetivos similares aos que estamos tentando chegar. Tínhamos grandes marcas, e um grande conhecimento sobre queijo globalmente, e a Sadia tem uma ótima distribuição de nível de excelência mundial. Para construirmos essa capacidade de distribuição internamente haveria um custo alto, seria a decisão empresarial errada. Então essa combinação de habilidades se juntam de uma maneira perfeita. Estamos em pleno ciclo de ação , estabelecendo um modelo de sucesso com o queijo. Temos de provar que a relação é tão forte quanto acreditamos que seja, mostrar o sucesso com isso. Sempre haverá novas oportunidades de dialogar e pensar em alternativas.

 

Veículo: Gazeta Mercantil 


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