Exportação faz crescer distância entre varejo e indústria em 2009

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No ano passado, até novembro, comércio vendeu 5% mais, mas indústria produziu 10,6% menos


 
Ao longo de 2009, a velocidade de retomada do consumo não foi acompanhada pela indústria. Nos 12 meses acumulados em novembro do ano passado, as vendas no varejo cresceram 5,3%, enquanto a produção industrial ainda caía 10,6%. A diferença, de 14,9 pontos percentuais, só é menor que a registrada nos dois meses anteriores - quando foi superior a 15 pontos percentuais. Na média trimestral, entre setembro e novembro, as vendas no varejo foram 15,2% superiores à produção industrial, uma distância maior que a verificada no trimestre anterior (entre junho e agosto), de 13,6%.

 

Para os economistas, houve no ano passado uma combinação de fatores, internos e externos, que permitiram a aceleração do consumo, deixando para trás a indústria, que se recuperou mais vagarosamente. Os incentivos fiscais concedidos a setores como indústria automobilística e fabricantes de eletrodomésticos da linha branca, aliados à valorização cambial, à melhora da massa salarial e à facilitação do crédito permitiram ganho importante no poder de compra do consumidor, que corrrespondeu ao estímulo e ampliou a aquisição de bens.

 
 
A queda da produção industrial nacional, segundo os analistas, foi resposta direta ao mergulho das exportações. Nos mesmos 12 meses em que a produção industrial caiu 10,6%, o volume exportado ficou 11,4% menor. Assim, dizem, a "boca de jacaré" (expressão usada pelos economistas para falar da abrupta diferença entre dois indicadores) que aparece quando são comparados o desempenho do varejo e da indústria não significa risco adicional de descompasso entre oferta e demanda.

 

Desviar a rota do produto que seria exportado e passar a vendê-lo no mercado interno não é um processo dinâmico, dizem os economistas especializados em desenvolvimento industrial. Para Silvio Sales, consultor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o "desvio" já foi mais dinâmico. "Até o começo da década de 1990, quando a economia era razoavelmente fechada, as empresas eram adaptadas para, em caso de algum problema no exterior, repassar o produto para o mercado interno. Não é mais assim. Hoje, temos segmentos inteiros ligados à exportação."

 

Sales cita a indústria automobilística. "As exportações caíram entre 35% e 40% entre 2008 e 2009, e a produção industrial no período só foi semelhante porque tivemos uma enorme ampliação do mercado interno, fortemente estimulado pela política do governo."

 

Segundo Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o período pós-crise serviu para tornar mais claro um fenômeno que já ocorria. Não é de hoje, diz ele, "que o consumo cresce mais que a produção industrial". O economista calcula que, nos 12 meses terminados em setembro de 2008, quando as turbulências mundiais se acirraram, o consumo restrito - que exclui automóveis e material de construção - cresceu 10,2%. A indústria de transformação, no mesmo período, ampliou a produção em 6,8%.

 

Depois da crise, na comparação entre novembro de 2009 e igual mês de 2008, as vendas no varejo mantinham o crescimento, ainda que a taxas menores (5,3%), enquanto a indústria, calcula Almeida, viu a produção tombar 9,6%. "O que explica essa queda de 16,4 pontos percentuais é a retração das vendas ao exterior", avalia Almeida. "Mas principalmente a produção de bens de capital, que, mesmo representando pouco da indústria geral, acabou impactando o índice cheio."

 

O consumo, diz ele, se ampliou sobre estoques formados antes da crise econômica mundial e sobre os importados. Para Almeida, há "muita agressividade" no mercado mundial, uma vez que a demanda nos países ricos é menor que a média histórica. Assim, avalia, "um mercado interno forte como o nosso, é muito atrativo".

 

Os dados também não sugerem que o aumento das vendas do varejo foi abastecido por importações, pois o volume de produtos trazidos caiu ao longo de 2009 ­ inclusive em bens de consumo. Nos 12 meses encerrados em novembro, a quantidade importada pelo país foi 18% menor na comparação com os 12 meses anteriores, considerando todos os produtos. Em bens de consumo duráveis, a queda foi de 6,5%, e apenas em bens de consumo não duráveis houve pequena alta, de 0,7% na mesma comparação. Estes dois tipos de bens são justamente aqueles vendidos pelo comércio, cujas vendas cresceram 5% no acumulado de 12 meses até novembro de 2009.

 

Segundo Edgard Pereira, sócio da Edgard Pereira & Associados, os produtos importados são "incentivados" pela valorização cambial - que barateia o preço final - e pelo mercado interno em ampliação. De acordo com Pereira, "é difícil identificar o peso que o tombo das exportações promoveu no conjunto da produção industrial", mas avalia que o impacto é "profundo". "Podemos ter ampliado a parcela da produção que é desviada das exportações para o varejo nacional, mas isso não altera a queda da produção como um todo."

 

Segundo cálculos de Almeida, as exportações de manufaturados cresceram 7,6% entre o primeiro e o segundo semestre do ano passado. Mas a média diária de exportação foi de US$ 276,4 milhões - ainda 27,5% abaixo da média de

 

US$ 381,3 milhões exportados nos seis meses anteriores à crise, entre abril e setembro de 2008. "A melhora nas vendas ao exterior é positiva, mas se dá sobre base muito rebaixada e, mais que qualquer coisa, será muito lenta. Isso impacta a produção industrial mais que uma recuperação mais forte do mercado interno", diz.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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