Economistas já veem sinais de desarticulação produtiva

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Conjuntura: Câmbio pode atrapalhar ciclo de crescimento sustentado

 

O Brasil está prestes a retomar um ciclo de crescimento sustentado pelo consumo e pelo investimento, como ocorria antes da eclosão da crise mundial. A retomada, baseada na ampliação do emprego formal, no aumento da renda e na elevação do consumo doméstico, seria a combinação perfeita para estimular a produção. O principal entrave para a realização efetiva deste roteiro, contudo, está na persistente valorização do real, que incentiva a entrada de produtos importados no país e desestimula as vendas ao exterior, segundo consenso informal dos participantes do seminário "Perspectivas do Investimento no Brasil", organizado pelo Valor, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ontem em São Paulo.

 

Segundo economistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há uma desindustrialização em movimento diante da forte competição de produtos estrangeiros, principalmente chineses, impulsionados pelo dólar barato. O real apreciado, avaliam, pode "furar" esse ciclo de crescimento.

 

"A renda das famílias, em alta, está crescentemente se direcionando ao exterior, por meio da maior participação das importações no mercado interno, que retiram mercado das fábricas nacionais", afirma David Kupfer, economista da UFRJ, coordenador do Projeto Perspectiva do Investimento no Brasil (PIB). Para Kupfer, o país passa por uma desarticulação de cadeias produtivas. "Temos uma armadilha muito clara neste pós-crise: como a demanda externa por manufaturados não se mexe, somos tentados a vender à China, que adquire bens primários para, em seguida, adicionar valor agregado", raciocina.

 

A "armadilha", segundo o economista, seria uma combinação da doença holandesa - forte entrada de moeda estrangeira que inviabiliza a produção industrial local - com "doença brasileira", marcada pela heterogeneidade setorial, em que segmentos desenvolvidos e sofisticados convivem com setores decadentes. "Já vemos indícios de doença holandesa, mas o maior risco é de médio prazo, quando os dólares do pré-sal começarem a chegar", analisa. Para Helder Queiroz, também da UFRJ, "a doença holandesa", oriunda do pré-sal, "deve ser evitada a qualquer custo se quisermos, como país, desenvolver um novo ciclo de crescimento sustentável".

 

"Sem o pré-sal, já estamos profundamente vulneráveis com esta taxa de câmbio. O petróleo pode ser nossa redenção, se bem administrado, mas também pode ser um desastre para a indústria", afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O câmbio, avalia, é o principal obstáculo para o adensamento de cadeias produtivas - desarticuladas pelo produto importado, que chega mais barato ao país.

 

O economista Fernando Sarti, da Unicamp, destaca três fases do desenvolvimento industrial nacional. Num primeiro momento, entre 1930 e 1980, há forte industrialização e substituição de importações, momento em que a indústria "liderava o crescimento acelerado do país". Após as turbulências dos primeiros anos da década de 1980, a indústria entra na segunda fase, que dura até 2004, caracterizada por perda de participação no conjunto da economia. "Em seguida", diz Sarti, "o país ingressa num breve ciclo de crescimento sustentado pela demanda doméstica [consumo e investimento] e liderado pela indústria".

 

Este ciclo, segundo ele, foi cortado pelo acirramento das turbulências mundiais no fim do ano passado, mas há a perspectiva de retomada desse ciclo. "O que não está claro é qual será a capacidade da indústria de capturar esse crescimento da demanda", afirma ele. O câmbio valorizado impõe o risco de que essa expansão do consumo e do investimento se dê com uma crescente oferta externa de bens e serviços, alerta Sarti.

 

A valorização cambial já ocorria no período pré-crise. Enquanto no fim de 2004 o dólar oscilava na faixa dos R$ 2,70, antes da crise, em agosto do ano passado, a taxa de câmbio batia em R$ 1,56. No fim de 2008, fechou em R$ 2,33. Hoje, a cotação oscila na casa dos R$ 1,70, próxima da verificada no pré-crise. "Não precisa ser economista para entender o estrago que essa oscilação causa no cálculo de investimento. É muito difícil ampliar investimentos com esse câmbio histérico que temos", afirma Mariano Laplane, economista da Unicamp.

 

A questão, defende Laplane, não está "necessariamente" na valorização cambial, mas na gangorra na cotação, que desestimula investimentos em inovação - "cruciais", diz ele, "para lançar o país numa rota de crescimento sem depender dos humores externos".
 

 

Veículo: Valor Econômico


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