Investimento, às vezes, segue alta da produção

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Conjuntura: Cruzamento de dados da indústria, uso de capacidade e novos projetos mostram realidades distintas


  
A recuperação da produção industrial brasileira é desigual entre os setores e mostra um comportamento distinto quanto à demanda por investimentos. Enquanto setores como papel e celulose e material de construção apresentam uso de capacidade próximo do nível máximo e já reforçam projetos produtivos, outros segmentos como vestuário e calçados se aproximam dos recordes de produção sem novos investimentos à vista. Em um terceiro grupo de setores - capitaneado por metalurgia - a atividade se recupera vagarosamente, mas ainda assim vem acompanhada de fábricas novas.

 

A relação entre o nível atual de produção e os investimentos em curso ou planejados para a aumentar a oferta futura, dizem os economistas, é que vai determinar o maior ou menor risco de gargalos setoriais comprometerem a recuperação da economia brasileira em 2010 e, também, é ela que vai nortear o comportamento da política monetária.

 

Em agosto passado, a atividade nas fábricas de papel e celulose foi apenas 1,8% menor que o maior nível de produção já registrado pelo setor (em junho de 2008). As empresas também operam com aperto na capacidade instalada (91,2% em setembro, contra 92,6% no pré-crise). Mesmo ajustado, o setor não está na lista de preocupações porque o BNDES desembolsou 409% mais para as fábricas do setor nos primeiros oito meses deste ano na comparação com igual período do ano passado. Além disso, para este setor a rentabilidade depende de um alto uso da capacidade instalada, o que torna 90% um percentual normal. Assim, durante a crise, mesmo com preços baixos frente aos recordes de 2008, as empresas optaram por manter a produção e a comercialização.

 

Os produtores de material de construção já recuperaram boa parte da retração verificada entre o fim de 2008 e os primeiros meses deste ano. O nível de utilização da capacidade instalada do setor já bateu em 89,3% no mês passado, apenas dois pontos percentuais abaixo da máxima alcançada no ano passado. Os desembolsos do BNDES para as empresas do setor nos oito primeiros meses de 2009 foram quase 80% maiores que em igual período do ano passado. Parte da rápida recuperação deste segmento se explica pelos incentivos do governo, seja por meio de obras públicas, do programa Minha Casa, Minha vida, seja por meio da ampliação do crédito imobiliário nos bancos públicos.

 

Enquanto papel e celulose e material de construção, junto com bebidas, se aproximam do pico de sua produção no ano passado, a folga na média da indústria é grande - cerca de 10$%. "A recessão industrial brasileira foi muito heterogênea, atingindo, em diferentes proporções, todos os setores", analisa Maurício Molan, economista do Santander. Segundo ele, os setores ligados ao mercado externo foram os primeiros a sentir o choque e os que mais sofreram.

 

Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, sócio-diretor da Quest Investimentos, a produção industrial ligada a setores exportadores foi a mais abalada pelos efeitos diretos da crise - rápido enxugamento da liquidez externa e corte do crédito interno. "A recuperação do setor exportador, e consequentemente do conjunto de indústrias que compõe as diferentes cadeias produtivas, depende de uma melhora nas condições externas. E isso levará tempo para acontecer", afirma Mendonça de Barros. Para o economista, a retomada do mercado externo deve ocorrer só entre o fim de 2010 e o início de 2011.

 

No auge, a produção industrial alcançou 130 pontos em setembro de 2008, caindo até 104,83 pontos em dezembro do ano passado - uma queda de 25 pontos em apenas três meses. Passados 12 meses do início das turbulências mundiais, a produção industrial ainda tem uma "folga" de 10% entre o que ela foi capaz de produzir (em setembro passado) e o que produziu em agosto - último mês disponível na série do IBGE. As maiores quedas foram dos setores de metalurgia, máquinas e equipamentos, material elétrico, produtos eletroeletrônicos e veículos automotores.

 

Curiosamente (apesar da queda), depois de papel e celulose, os setores que receberam mais desembolsos do BNDES neste ano foram metalurgia - 58,5% mais que no ano passado, e material de transporte, 127% acima do desembolsado nos primeiros oito meses de 2008 -, indicando uma melhora nas perspectivas de segmentos que tiveram quedas importantes após a crise mundial. Segundo sondagem da FGV, as metalúrgicas foram as que apresentaram maior aumento do otimismo em setembro, com alta de 32,3 pontos percentuais sobre agosto.

 

O setor de metalurgia, que viu sua produção tombar de 122,5 pontos em outubro de 2008 para 87 pontos em janeiro, aumentou enormemente sua demanda por financiamento do BNDES - teve quase 60% mais desembolsos do banco de fomento nos primeiros oito meses deste ano que em relação a igual período de 2008. Do lado da oferta, há espaço de sobra: o nível de capacidade instalada (Nuci) do setor ainda é 11 pontos percentuais menor que no auge deste uso, em junho do ano passado.

 

A indústria automobilística, por sua vez, foi a que apresentou recuperação mais rápida. Segundo informações da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), setembro registrou vendas recordes de veículos - 14,9% acima do mesmo mês do ano passado -, mas a produção foi 6,7% inferior a de agosto. O aumento de vendas foi construído com enxugamento de estoques, que, a partir deste quarto trimestre, devem voltar a ser ampliados.

 

Fato crucial para a forte aceleração do setor de bens de consumo, como a indústria automobilística e a produção de eletrodomésticos da linha branca foi a ação do governo federal de reduzir a zero a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no começo do ano - a medida foi mantida até o fim de setembro para automóveis e acaba no fim de outubro para os eletrodomésticos. Para Fernando Puga, economista do BNDES, as respostas do governo foram decisivas para contrabalançar a contração do crédito e da demanda externa. Ao mesmo tempo em que cortou impostos e criou programas de gastos públicos, o governo ampliou a oferta de crédito à pessoa física por meio dos bancos públicos e do crédito à empresas, através do BNDES.

 

Para Mendonça de Barros, mantido o ritmo de recuperação, a atividade econômica alcançará, em meados do próximo ano, o mesmo nível de aquecimento que tinha no auge, entre o segundo e o terceiro trimestre de 2008, antes da crise mundial. Esse crescimento deve ocorrer sobre margens ociosas de capacidade em setores de base, como metalurgia, bens de capital.

 

Setores tradicionais, como calçados e vestuário, que sofreram com a interrupção das vendas externas, aproveitaram a crescente ampliação do mercado interno. "As vendas no varejo praticamente não sentiram a recessão, tendo sido sustentadas pelo aumento, ainda que em ritmo menor, da massa salarial", diz Molan, do Santander. O Nuci destes setores recuperou a maior parte da queda, mas começa a oscilar, tendo registrado queda de dois pontos percentuais entre agosto e setembro, quando a produção de vestuário e calçados ocupou 85,9% da capacidade total.

 

A oscilação é visível inclusive nos dados do BNDES. O setor de vestuário quase dobrou o número de consultas ao banco neste ano, mas teve um terço menos de empréstimos que no ano passado. Segundo cálculos do Santander, a produção de calçados e artigos de couro perdeu 36% no último trimestre de 2008, tendo recuperado 17% neste ano. O setor têxtil, que caiu menos (13%) no mesmo período, elevou a produção em 43 pontos em 2009, aproveitando a demanda interna.

 

Ao mesmo tempo em que atrapalha a exportação, a valorização do real torna as importações mais baratas, o que facilita o abastecimento do mercado interno no caso de gargalos na produção local. Segundo Molan, do Santander, o câmbio atual aumenta a competitividade dos bens chineses produzidos em larga escala, como roupas e calçados - setores que ainda m operam com folga, mas tem investido pouco.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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