Governo garante quase metade da alta da renda

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O governo federal vai responder por quase metade do aumento da renda neste ano, proporção que deve se manter também em 2010. Do crescimento esperado para 2009 - R$ 56,2 bilhões - da massa de rendimentos, já descontada a inflação, 49,7% se devem a impulsos oficiais, como o impacto do reajuste do salário mínimo sobre os gastos federais, o aumento da remuneração dos funcionários públicos e o avanço do Bolsa Família, segundo a MB Associados. Para 2010, a expectativa da MB é de que a fatia do governo fique em 49,4%, respondendo por R$ 35,9 bilhões da alta de R$ 72,7 bilhões projetada para a massa de renda. Em 2008, a proporção foi bem menor - 27%.

 

Para o economista-chefe da MB, Sérgio Vale, os números mostram que o governo foi "um dos atores principais" para segurar a renda em 2009, "no que isso tem de bom e de ruim". O lado positivo é que o governo ajudou a estimular o consumo, amenizando os efeitos da crise global sobre a atividade econômica. O bom desempenho da massa de rendimentos foi decisivo para manter em alta as vendas do comércio varejista. De janeiro a julho, elas cresceram 4,7% em relação ao mesmo período do ano passado. No segmento de supermercados e hipermercados, a alta foi ainda mais forte, atingindo 7,1%.

 

O lado negativo, segundo Vale, é que houve um aumento expressivo de gastos correntes, como as despesas com pessoal e aposentadorias. São dispêndios que permanecerão em nível elevado ao longo dos próximos anos, não sendo possível comprimi-los.

 

Vale estima que, dos R$ 28,5 bilhões de aumento de renda de responsabilidade do governo, R$ 17,5 bilhões, ou 62,9%, se referem à alta dos salários do funcionalismo. Outra parcela significativa - R$ 10,5 bilhões, ou 36,8% - está ligada ao impacto do aumento do salário mínimo sobre os gastos federais. Aí estão incluídos os cerca de dois terços de benefícios previdenciários vinculados ao piso salarial, as despesas com seguro-desemprego e os gastos ligados à Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que garantem um mínimo para quem tem 65 anos e não contribuiu para a Previdência ou é inválido). O piso teve aumento de 12% neste ano.

 

O economista da MB considera ainda mais preocupante o fato de que o quadro deverá se repetir no ano que vem, quando a economia estará mais forte e um impulso oficial dessa magnitude não seria necessário. O governo já contratou novos aumentos expressivos para o funcionalismo, que, pelas contas de Vale, vão contribuir com R$ 19,7 bilhões para a alta da renda em 2010, descontada a inflação. Além disso, o salário mínimo vai subir mais 10% e deverá haver reajuste acima da inflação para as aposentadorias superiores ao mínimo, o que não ocorreu nos últimos anos. "No front fiscal, o próximo governo vai receber uma herança maldita", diz ele, por apostar que, com gastos correntes tão elevados, haverá pouco espaço para o investimento e a carga tributária terá que seguir elevada.

 

O professor Fernando Sarti, da Unicamp, discorda da avaliação de Vale. "É necessário conhecer melhor a natureza desses gastos. Despesas com educação, saúde e segurança são importantes e podem aumentar o bem estar da sociedade e trazer mais eficiência para a economia", afirma, condenando o "julgamento a priori" do aumento de dispêndios com pessoal.

 

Sarti diz também que a ação do governo teve caráter anticíclico importante, sendo fundamental para garantir a demanda em momento de crise. "Além disso, o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo têm papel social relevante."

 

A economista Luiza Rodrigues, do Santander, diz que as medidas do governo têm importância para a alta da renda, mas destaca também a resistência do mercado de trabalho neste ano. "O efeito da crise foi pequeno se comparado às crises anteriores", avalia ela, lembrando que o impacto negativo se concentrou na indústria, e não no setor de serviços, que "emprega mais da metade dos trabalhadores". Mesmo os estragos na indústria não foram tão grandes, afirma, observando que o setor já voltou a contratar com mais força. Para Luiza, o crescimento maior da formalização nos últimos anos e o custo alto para demitir no país ajudaram a manter o bom desempenho do mercado de trabalho, como a trajetória de aumento da renda.

 

Em agosto, por exemplo, a evolução do rendimento médio real nas seis principais regiões metropolitanas foi bastante favorável: houve crescimento de 0,9% em relação a julho e de 2,2% sobre o mesmo mês do ano passado. Luiza estima que a massa de rendimentos do trabalho - que não inclui benefícios como o Bolsa Família ou aposentadorias - deve crescer 2,5% acima da inflação em 2009 e 3,6% em 2010.

 

O economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri, diz que, entre 2003 e 2008, a renda do trabalho cresceu 5,13% ao ano, um ritmo bastante próximo ao dos rendimentos totais (onde se incluem as aposentadorias, por exemplo), que avançaram a um ritmo de 5,3%. Para comparar, a renda dos benefícios previdenciários equivalentes a um salário mínimo cresceu 6,6% ao ano no período. Para ele, esse quadro de 2003 a 2008 foi bastante sólido, uma vez que o rendimento do trabalho, num período em que houve maior formalização do emprego, teve evolução muito próxima à da média de todas as rendas. É um padrão mais sustentável.

 

Neste ano e no próximo, a história tende a ser diferente. A situação do mercado de trabalho não é tão boa quanto nos anos anteriores, e as transferências do governo avançam a um ritmo mais forte. Como Vale, Neri se preocupa com a herança fiscal que essas políticas deixaram para os próximos governos, observando que os reajustes para o funcionalismo beneficiam principalmente as classes A e B. Já as despesas com o Bolsa Família, que beneficiam os mais pobres, respondem por apenas R$ 500 milhões da alta da renda real de R$ 28,5 bilhões esperadas para este ano, segundo as estimativas de Vale.
 


Veículo: Valor Econômico


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