Real forte traz de volta temor sobre o futuro da indústria

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A nova onda de apreciação do real trouxe de volta o debate sobre o futuro da indústria brasileira de transformação, principalmente dos setores mais atrelados às exportações. No ano, a moeda americana acumula uma desvalorização de 22,45% em relação ao real, uma taxa expressiva. A questão é polêmica e divide economistas ouvidos pelo Valor.

 

José Márcio Camargo, economista da PUC-RJ e da Opus Investimentos, atribui o fortalecimento da moeda brasileira à entrada de recursos para investimentos diretos na economia, pois, no seu cenário, o país deve crescer acima da média mundial. "Uma parte do interesse externo tem a ver com o diferencial de juros e outra com o setor produtivo não especulativo da economia. Não estou vendo muita entrada de recursos por arbitragem de juros", disse Camargo. Ele prevê que a desvalorização cambial deve continuar, com o dólar na casa dos R$ 1,75 até dezembro.

 

Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e economista do Iedi, o câmbio valorizado pode reduzir os investimentos da indústria brasileira de transformação, principalmente nos setores comercializáveis, que estão perdendo muita competitividade com o real forte. "O Brasil está implementando um modelo econômico voltado para o mercado interno difícil de sustentar num mundo globalizado", pondera. O economista avalia que neste modelo a demanda interna vai ter que crescer a taxas chinesas para garantir o crescimento do PIB e compensar o enfraquecimento das vendas externas. "A apreciação cambial é um falso brilhante", adverte Almeida.

 

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), já antevê um efeito negativo sobre as exportações de calçados, brinquedos e confecções, artigos que têm uma demanda sazonal no segundo semestre por conta de encomendas de Natal e que pouco dependem de crédito. "Acho que eles vão sofrer com a taxa de câmbio e na melhor das hipóteses vão ficar no mesmo patamar de vendas que estão agora. Esses produtos têm concorrência direta com o produto chinês e a dificuldade é ampliar sua presença na balança comercial brasileira, porque o chinês está ocupando seu espaço por falta de competitividade do produto nacional devido ao cambio apreciado", argumenta.

 

O dirigente da AEB não vê nenhum movimento da parte do governo para segurar a queda do dólar. "O governo prioriza o controle da inflação e o câmbio ajuda a segurar os preços", disse. Castro destacou que ontem o câmbio caiu de novo. "Qualquer empresa que vai fazer venda futura vai considerar uma taxa de câmbio mais baixa, entre R$ 1,70 a R$ 1,75". Nesse contexto, Castro avalia que os exportadores de manufaturados vão ter que elevar o preço de suas mercadorias para não ter prejuízo, pois os chineses estão baixando o preço, informou. Ele defende a tributação "do capital especulativo" para reduzir o fluxo de dólar no país.

 

Segundo estatísticas da AEB, o Brasil está virando um exportador de commodities. Entre janeiro e julho deste ano, a participação dos básicos na balança comercial foi de 42,6% ante 36,3% em 2008, enquanto a dos semimanufaturados ficou em 12,6% ante 13,7% no ano passado e dos manufaturados caiu para 42,9% ante 47,4% em 2008. "A presença dos manufaturados está diminuindo. Em julho, isoladamente, os básicos contribuiram com 45,2% das exportações, os semimanufaturados com 12,3% e os manufaturados com 40,6%. A tendência é de queda se for mantida a apreciação".

 

Para o economista-chefe do banco Santander, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, "a valorização do real é movimento de mercado". Ele avalia que a alta das commodities no mercado internacional é que alimenta a apreciação cambial, pois dois terços das exportações brasileiras são de produtos básicos. "O país fica mais rico porque vende commodity mais caro e compra industrializado mais barato. O consumo aumenta e o investimento também."

 

O economista-chefe do banco espanhol se opõe à tese da desindustrialização provocada pela valorização do real. Argumenta que nos últimos 12 meses encerrados em junho de 2008, período anterior à crise global, quando o dólar já mostrava desvalorização, os setores que mais cresceram na economia brasileira foram os industriais como automóveis, máquinas e eletrônicos. Para ele, o real tem se comportado como as demais moedas. "Os movimentos são parecidos, não há nada de anormal nisto."

 

Camargo, da Opus Investimentos, reforça a tese de Schwartsman de que o fenômeno da moeda forte não é brasileiro. O economista lembra que houve uma desvalorização do real e de uma série de outras moedas - que tem maior risco - quando a economia entrou em queda livre no fim do ano passado. "Os investidores fugiram dessas moedas e o real foi uma delas. A partir do momento em que a economia mostrou sinais de melhora, os investidores voltaram. Por isso, uma parte da valorização do real eu atribuo à normalização da economia".

 

Roberto Messenberg, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), crítico do real forte, diz que hoje o dólar, em relação à moeda brasileira, está valendo menos 3% sobre a média de 1995, quando o regime cambial era fixo sob a batuta de Gustavo Franco. Messenberg defende uma maior atuação no mercado de câmbio para, pelo menos, neutralizar a tendência de queda do dólar, e formar reservas. "Isso não onera a dívida pública porque o juro cai."

 

Para ele, a desvalorização é necessária para retomar o investimento, ainda que os preços de bens de capital importados sejam mais baixos em um regime de apreciação cambial da moeda brasileira. "O efeito da desvalorização sobre as exportações é mais benéfico para a taxa de investimento do que o da queda do preço dos importados no real forte".

 

Messenberg destaca que o crescimento da economia e da indústria estão baixos, o investimento está em queda e a indústria ficou sem ter para onde crescer. No seu entender, neste ambiente, o consumo doméstico não vai conseguir compensar a queda das exportações. O impacto do dólar desvalorizado sobre a indústria pode gerar problemas no balanço de pagamentos do paí, avalia. Ele defende um corte maior de juros como forma de inibir a entrada de dólares, pelo menos para travar o atual movimento de valorização.

 

Almeida, do Iedi, concorda com o economista do Ipea. "Enquanto tiver diferencial de juros vai ter esta enorme atratividade para colocar o dinheiro no Brasil e o Banco Central acha que não precisa fazer controle de capital e nem atuar agressivamente no mercado. O que leva ao encolhimento da indústria, a menos que o mercado interno cresça acima da expectativas". Messenberg, do Ipea, alerta que a indústria pode continuar a ser o centro da recessão. "Podemos voltar a ter fragilidade externa vinda da indústria".

 

Veículo: Valor Econômico


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