Queda do PIB vai repercutir na Selic

Leia em 8min

Dólar e poupança preocupam, mas índice pode ampliar corte do juro

 

Sérgio Gobetti

 

O futuro do câmbio e da poupança tornou-se o principal fator de preocupação do governo nas discussões sobre os rumos da taxa de juros que precedem a reunião do Conselho de Política Monetária (Copom). Mas a decisão dos diretores do Banco Central, considerando um espectro de redução da Selic entre 0,5 e 1 ponto porcentual, dependerá do tamanho da queda do Produto Interno Bruto (PIB), a ser anunciado na manhã da próxima terça-feira, um dia antes da votação do Copom.

 

O governo e o mercado já sabem que a economia encolheu pelo segundo trimestre consecutivo no início deste ano, configurando o que os economistas chamam de "recessão técnica". Mas as estimativas do Ministério da Fazenda e do BC são de uma queda de "apenas" 1,7% na comparação entre o primeiro trimestre de 2009 e o último de 2008. Se confirmar-se um tombo maior, de 3% a 4%, como preveem alguns modelos de prognóstico "informais" utilizados pelos técnicos da equipe econômica, a pressão para que o Copom reduza a Selic em 1 ponto porcentual será muito maior.

 

No momento, o principal fator levantado por economistas para defender uma queda mais forte da taxa de juros é a valorização do real em relação ao dólar. Na quinta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou ao presidente Lula um comparativo mostrando que a moeda brasileira foi a que mais se valorizou ante a moeda americana nos últimos quatro meses (18,1%, ante 10,7% do euro e 0,1% do yuan chinês).

 

Os dados foram apresentados ao presidente Lula com o intuito de mostrar que a situação cambial é preocupante para o setor exportador, ao contrário do que tem sugerido o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O ministro da Fazenda também é contrário a medidas mais radicais de controle da taxa de câmbio, mas quer compensar o movimento cambial com uma redução mais forte da taxa de juros.

 

Embora os dados indiquem que o recente ingresso de dólares no Brasil não foi puxado pelos títulos públicos, mas pela Bolsa de Valores e pelos investimentos estrangeiros diretos, os técnicos da Fazenda avaliam que, se a taxa de juros já estivesse mais baixa, isso poderia ter provocado um contrapeso aos demais fatores que puxam o dólar para baixo.

 


Meirelles, ao contrário, rejeita por princípio qualquer utilização da política monetária para objetivos cambiais e prefere outro instrumento para conter a valorização do real: a compra de moeda estrangeira pelo Banco Central para ampliar as reservas internacionais.

 

Os técnicos da Fazenda, entretanto, começam a questionar o prosseguimento dessa estratégia agora que as reservas superam os US$ 205,4 bilhões. O argumento é que, se o Brasil atravessou o pior da crise sem perder reservas, não necessitaria de mais dólares. A principal razão do questionamento é o custo fiscal da medida. Cada vez que compra um dólar, o BC precisa emitir títulos públicos para ter os reais necessários à troca. E o problema é que os dólares depositados nas reservas internacionais e aplicados em títulos americanos e europeus rendem ao Brasil muito menos do que custam os títulos da dívida interna atrelados à taxa Selic.

 

Nesse ponto, a queda da taxa Selic contribuiria para reduzir o custo do endividamento e da aquisição das reservas. O problema para uma queda mais forte dos juros, admitem os próprios economistas da Fazenda, é o piso criado pela remuneração da caderneta de poupança.

 

Se o Copom reduzir a Selic de 10,25% para 9,25%, por exemplo, a avaliação é de que o governo seria pressionado a antecipar uma solução para o diferencial dos rendimentos financeiros no Brasil, provavelmente reduzindo o imposto sobre aplicações em fundos. Por uma série de motivos, os técnicos da Fazenda não simpatizam com a proposta de reduzir o IR dos fundos de investimento e prefeririam adotar uma solução estrutural definitiva para o problema da caderneta de poupança.

 

Por isso, uma redução de apenas 0,5 ou 0,75 ponto porcentual permitiria à equipe econômica continuar adiando por mais tempo o anúncio de medidas para evitar a migração dos fundos para a poupança. E essa deve ser a decisão do Copom, se a queda no PIB não for pior do que o previsto oficialmente. A aposta da maioria dos integrantes do próprio governo é que a queda será de 0,75 ponto, embora haja uma torcida por algo mais acentuado.

 

Mercado teme que taxa de juro de 1 dígito dure pouco

 

Risco de mudança na atual política econômica, após as eleições de 2011, pode influir no rumo da Selic

 

Fábio Graner

 

Com mais uma redução da taxa Selic, na semana que vem, o Copom deve colocar os juros brasileiros numa nova taxa mínima histórica e na casa de um dígito. O novo nível da Selic, permitido e exigido pela crise financeira internacional, faz os economistas do governo e do setor privado perguntarem se esses juros vieram para ficar ou retornarão aos níveis de antes da crise.

 

No governo, apesar de algumas ressalvas, a resposta é sim. No mercado, há mais dúvidas, embora a maioria também concorde que a tendência é que o Brasil vai mesmo conviver com juros mais baixos.

 

"O Brasil tem plenas condições de permanecer com juros reais entre 5% e 6% ao ano. Hoje estão um pouco abaixo disso", disse uma fonte da equipe econômica, lembrando que antes da crise os juros estavam, em média, no nível de 7%. No entanto, o fato de a crise ter propiciado à economia brasileira um novo nível de taxa de juros não implica dizer que a Selic não voltará a subir. "Há uma chance grande de os juros terem que subir um pouco no fim de 2010, com a retomada da atividade econômica. Até por isso, o BC precisa aproveitar ao máximo o espaço que tem agora para cortar a Selic", avalia essa fonte, embora alguns assessores façam a ressalva de que, para os juros subirem, a economia terá de estar em um ritmo de crescimento extremamente forte.

 

Apesar de ser factível que a economia tenha alcançado um novo nível de juros, há um importante fator que deve ser considerado pelo seu potencial de influir no cenário macroeconômico: o risco político. Na avaliação de uma importante fonte do governo, uma mudança nos pilares da atual política econômica, a partir de 2011, poderia elevar as expectativas de inflação e também dos juros.

 

Essa fonte se refere explicitamente à estratégia de política econômica defendida pelo governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à Presidência, José Serra. É atribuído ao governador a proposta de trabalhar com juros muito baixos e taxa de câmbio desvalorizada, política classificada de modo argentino.

 


"Se o Serra fizer o que está falando, o Brasil vai voltar a ter inflação elevada, o que vai provocar juros mais altos", disse. "Eliminado esse tipo de risco e considerando-se condições normais de temperatura e pressão, com a continuidade da política atual, dá para o País continuar com juros de um dígito", acrescentou o integrante da equipe quando lembrou que prevalece a tendência estrutural de redução na taxa de juros nos últimos anos.

 

Para o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas, o novo nível de juros real tende a permanecer. "A não ser que se tenha um processo inflacionário forte nos Estados Unidos que leve o Fed (o BC americano) a subir juros, provocando uma forte fuga de capitais. Fora isso, não há justificativa técnica para os juros voltarem ao nível anterior. A mudança no nível de juros se deve à cada vez maior solvência do País."

 

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que há um componente conjuntural muito forte no atual nível de juros. Por isso, é de se esperar que, quando a economia brasileira retomar seu fôlego e crescer, os juros subam. Mas ele explica que essa subida tende a ser em intensidade menor do que nos apertos anteriores, o que revela que, de qualquer forma, o Brasil deve sair da crise com um nível menor de juros do que quando entrou. "O que temos visto nos últimos anos é que o pico de subida dos juros é cada vez menor. Gradualmente, a estrutura de juros vai para patamar mais razoável."

 


A economista-chefe do banco ING, Zeina Latif, avalia que qualquer palpite sobre se o Brasil alcançou um novo nível de juros é "achômetro".

 


"Estimar o que seria um juro de equilíbrio no Brasil é difícil, pois a economia teve muitas mudanças estruturais e, algumas vezes, a Selic subiu por conta de choques", afirmou Zeina. Ela tem a "percepção" de que o juro real está um pouco abaixo do equilíbrio. "Aparentemente, uma parte dessa queda é transitória, mas se a Selic voltar a subir, o movimento não deve ser muito forte."

 

Veículo: O Estado de S. Paulo


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