Cade vai desconsiderar estratégia "verde-amarela" da Brasil Foods

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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça deve desconsiderar a estratégia da Sadia e da Perdigão de apresentar a criação da BR-Foods como uma campeã nacional. O órgão antitruste vai se focar com maior rigor na possibilidade de competição no mercado doméstico e dará importância para as exportações da nova empresa apenas se elas comprovarem a capacidade de gerar ganhos de eficiência na produção realizada no Brasil.

 

O fato de a empresa alegar que compete com empresas estrangeiras num mercado global, como a Tyson Foods, a Bunge e a Cargill, deverá ser levado em conta apenas com relação aos efeitos dessa produção para os consumidores no Brasil. O mesmo vale para a capacidade de exportação e para a abertura de divisas pela nova empresa: será apurado o impacto dessa capacidade perante o mercado interno, em ganhos de inovação nas formas de produção e na geração de empregos, por exemplo.

 

Ao seguir essa linha, o Cade pretende verificar tecnicamente as condições internas de competição nos diversos mercados de alimentos atingidos pela operação, como carnes e frangos industrializados, e não os argumentos nacionalistas de criação de uma nova companhia com a sigla "BR" em seu prefixo. Porém, caso o Palácio do Planalto endosse a ideia de grande empresa brasileira no setor, serão maiores as pressões para a aprovação do negócio.

 

A visão de que o mercado doméstico deve ser protegido tem se consagrado como jurisprudência (entendimento consolidado) do Cade. Mesmo em megafusões que criaram campeãs nacionais, como a AmBev, o órgão antitruste focou-se no mercado interno, e não nas alegações de que se criava uma gigante brasileira para competir lá fora.

 

No caso da Ambev falou-se muito na possibilidade de exportação do guaraná Antarctica, que seria um "sabor brasileiro" a ser vendido no exterior, afirmou o economista Luís Fernando Rigato Vasconcellos, que ocupou por quatro anos o cargo de conselheiro do Cade até o fim de seu mandato no ano passado. Ele lembrou que, no julgamento da compra de oito mineradoras pela Vale do Rio Doce, falou-se da necessidade de a companhia ser grande internamente para competir lá fora com outras gigantes do aço. E na compra da Garoto pela Nestlé, a última afirmou que pretendia utilizar as marcas da primeira para exportar o "chocolate brasileiro" para outros mercados.

 

Mas, em todos esses casos, continuou Vasconcellos, o que pesou foram as condições no mercado interno. "Sempre que há uma operação grande entre empresas brasileiras aparecem argumentos nacionalistas", disse o ex-conselheiro. "Só que o Cade nunca entrou nessa história de campeãs nacionais."

 

Para o Cade, a expansão internacional de companhias brasileiras não é indício de competição no mercado local. Essa visão ficou clara durante debate entre conselheiros e o professor Thomas Morgan, da George Washington University, realizado em 12 de maio na sede do Cade. No debate, o professor advertiu que criar campeãs nacionais pode ser um erro. "Podemos pagar mais pelos produtos do que receber." Morgan afirmou que os órgãos antitruste não deveriam servir como fonte de proteção para grandes grupos nacionais. Por outro lado, o professor advertiu que as condições impostas a esses grupos nem sempre são capazes de resolver os problemas gerados por altas concentrações. "Estamos num período de desafios para a aplicação da Lei de Defesa da Concorrência", concluiu. Em seguida, o conselheiro César Mattos defendeu a proteção à competição doméstica. Segundo ele, criar grandes empresas nacionais para ter maior poder de concorrência com outros grupos no exterior seria uma ideia errada do ponto de vista da defesa antitruste. "Você aprende a competir em casa", enfatizou o conselheiro. Mattos e Morgan elogiaram Michael Porter, um professor de Harvard que discorda da tese de que é importante ter empresas fortes no mercado interno para competir no exterior.

 

O advogado Carlos Francisco de Magalhães, que participou de um debate com Morgan em Belo Horizonte, defendeu outro ponto de vista. Para Magalhães, a Lei Antitruste (nº 8.884) possui um artigo que permite ao Cade aprovar fusões considerando o interesse nacional. Trata-se do parágrafo 2º do artigo 54, justamente o que fixa as condições para o sinal verde a negócios no Brasil. Esse parágrafo diz que as fusões podem ser consideradas legítimas "quando necessárias por motivo preponderantes da economia nacional e do bem comum".

 

Magalhães foi o autor desse artigo no anteprojeto da Lei Antitruste, aprovada em 1994. "Eu coloquei esse parágrafo por causa do governo japonês que abriu uma exceção para um cartel de siderúrgicas, nos anos 80."

 

Segundo ele, houve movimentos semelhantes nos Estados Unidos, quando grandes companhias locais procuraram o governo para fazer frente às gigantes japonesas e na Alemanha, onde também existem gigantes setoriais. "Todos os países consideram o interesse nacional", disse. Por outro lado, o advogado reconheceu que essa tese não emplacou no órgão antitruste brasileiro. "No Cade, isso nunca pegou. Eles não quiseram entrar neste assunto nem no caso AmBev."

 

Veículo: Valor Econômico


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