Receita caiu, mas situação fiscal sofre com maus gastos

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O governo encontrou uma desculpa oficial para sustentar as isenções fiscais oferecidas: aumento de 20% e 25% nos preços dos cigarros com nova expansão de impostos. O motivo é o pacote tributário que concederá incentivos às montadoras de automóveis, caminhões e motos, além da construção civil sem esquecer algumas empresas da Zona Franca de Manaus. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já apresentou a conta de todas essas desonerações: o Tesouro Nacional deverá perder neste ano R$ 1,5 bilhão, a ser reposto com o aumento dos tributos que incidem sobre os cigarros. Os novos preços devem ser pagos pelos fumantes a partir de maio.

 

A Receita Federal tem opinião divergente em relação aos números divulgados pelo ministro Mantega. Para os técnicos essas desonerações implicarão perda de R$ 1,68 bilhão; porém, o aumento dos preços dos cigarros reforçará o Tesouro em apenas R$ 975 milhões, segundo os cálculos da Receita. Sem esquecer a redução da alíquota do IPI sobre carros novos terá um impacto negativo de R$ 1,4 bilhão aos cofres públicos. Desse modo o governo perderá R$ 3,08 bilhões de receitas e não será o novo preço do cigarro que irá recompor o equilíbrio dessas contas.

 

Não há dúvida que haverá, por outro lado, forte efeito multiplicador na economia com os benefícios concedidos ao setor da construção civil. As maiores redes de comércio desses materiais já comunicaram o repasse da prometida isenção que ainda não entrou em vigor. A Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) estima que com a redução dos preços de cerca de trinta itens em até 8,5% terá um efeito psicológico importante para o consumidor. A Anamaco acredita que essa medida, ao lado do pacote habitacional e da simplificação dos financiamentos com recursos do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS) terão efeito forte sobre as vendas por infundirem confiança na população contornando o clima de incerteza.

 

A recuperação da atividade, via pacote tributário, é uma das faces do grave problema que atormenta as contas públicas brasileiras neste ano. O Tesouro tem outra versão para os danos da crise econômica internacional que começa na violenta queda da arrecadação de impostos e contribuições. O governo não tomou ainda todas as decisões referentes aos ajustes necessários frente à nova situação tributária. A receita ficou, nos números oficiais, 12,2% abaixo do valor previsto no primeiro bimestre. Os técnicos do governo já sabem que a perda acumulada de receita pela crise terá impacto negativo de cerca de R$ 48 bilhões, isto se a economia recuperar fôlego no segundo semestre. Há uma estimativa mais pessimista que prevê uma queda na arrecadação de R$ 64 bilhões. O parâmetro, obviamente, é a previsão de expansão do PIB de 2% segundo a equipe econômica. O mercado tem opinião bem diferente e estima zero de crescimento, embora não negativo. Já o Banco Central (BC) mais prudente, ontem no Relatório de Inflação cortou a projeção de crescimento do produto interno dos anteriores 3,2% para 1,2%. A explicação do BC é que o corte se deve à queda da atividade do último trimestre de 2008 "mais intensa do que se antecipava". A arrecadação será coerente com essa expansão.

 

O Ministério do Planejamento anunciou na semana passada um corte efetivo de R$ 21,6 bilhões tanto no investimento como no custeio da máquina administrativa. O governo adiou o quanto pôde a informação sobre quais despesas seriam cortadas, mas anteontem o Diário oficial publicou que o Ministério do Turismo teve 86,3% da verba bloqueada, seguido pelo do Esporte com retenção de 85,6%. Curiosamente o Ministério da Agricultura está no terceiro lugar nesses cortes com perda de 47,6%; em quarto está o Ministério das Cidades com 35,7%. O maior corte nominal ocorreu no Ministério da Defesa (perda de R$ 2,7 bilhões), mas até a Educação e a Saúde perderam, R$ 1,2 bilhão e R$ 679 milhões, respectivamente.

 

O governo não pode omitir sua responsabilidade frente à necessidade de cortes pela queda de arrecadação. A situação seria diferente se o governo pelo menos adiasse as despesas com as parcelas de reajuste de salários do funcionalismo concedidas no ano passado e reafirmadas. O gasto com pessoal só foi reduzido em cerca de R$ 1 bilhão com o adiamento dos concursos. Sem esquecer que as despesas previdenciárias devem sofrer significativo impacto com o novo mínimo de R$ 465, aumento de 12%, que deverá impor gastos adicionais de R$ 8,5 bilhões ao Tesouro. O quadro das finanças públicas é grave, mas não só pela queda na arrecadação. O governo, de fato, gastou de modo imprudente.


 
Veículo: Gazeta Mercantil


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