Venezuela: Governo monta operações de busca em fábricas

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Percorrendo calmamente os corredores do supermercado de uma rede portuguesa em Caracas, a universitária Raimary Garcez surpreendeu-se ao avistar as gôndolas com produtos de asseio pessoal. Abriu a bolsa, localizou o celular e digitou alguns números. "Estou na Central Madeirense. Aqui tem papel higiênico. Quer que leve pra você?", perguntou ao telefone.

 

Parece estranhíssimo, mas a falta do produto fez a estudante carregar três pacotes para si mesma e outros dois para a amiga. "Fui à casa dela outro dia e não havia papel higiênico. Anda meio difícil encontrar nos supermercados e por isso é que resolvi aproveitar", contou Raimary, explicando-se com certo constrangimento, ao lado do marido Salim.

 

O desabastecimento na Venezuela já foi pior, atingindo produtos como leite, frango e açúcar. Tem sido, inclusive, uma das justificativas do presidente Hugo Chávez para ameaçar de expropriação produtores de alimentos como a Cargill e a Polar. Agora a escassez diminui e limita-se a alguns tipos de arroz e de papel higiênico, mas mesmo assim é capaz de causar desconforto nas horas mais imprevistas.

 

Quando a reportagem do Valor esteve no supermercado caraquenho, a gôndola dos papéis estava pela metade. Em cerca de meia hora, ficou completamente vazia. "Não é todos os dias que recebemos reposição. Mas, quando ela chega, os 800 pacotes que vêm acabam em poucas horas", esclareceu o gerente José Godoy. "Os fornecedores dizem que têm problemas com o sindicato (de trabalhadores) e dificuldades na obtenção de dólares para importar matéria-prima."

 

O governo não acredita nos fornecedores e montou operações especiais para buscar papel higiênico supostamente estocado dentro das fábricas. Na semana passada, fiscais do Instituto para a Defesa das Pessoas no Acesso aos Bens e Serviços (Indepabis), uma espécie de Sunab local, vistoriaram duas indústrias no interior do país. Na Kimberly-Clark, encontraram mais de 700 mil rolos armazenados. Dois dias mais tarde, o presidente pediu publicamente que o instituto olhe com atenção esse setor.

 

Uma teoria singular foi construída, no mesmo supermercado, por Carmenza Villalba, 49 anos, colombiana de nascimento, "venezuelana de coração, chavista até a alma", representante de vendas que negocia áreas para o descanso eterno em um cemitério na zona leste de Caracas. "O que existe é uma publicidade muito mal-intencionada. Pode ser que não haja papel no primeiro supermercado, mas basta procurar um pouquinho que se acha. Como a mídia explora demais o assunto, as pessoas se desesperam e formam estoques desnecessariamente. Tem gente que guarda papel em casa para um ano inteiro. Aí não há produção que atenda a demanda."

 

Há também a tentativa de driblar o controle de preços.

 

Segundo o governo, as empresas resistem a fabricar o papel mais simples, cujo preço é tabelado em 2,5 bolívares fortes (o equivalente a US$ 1,16) por pacote de quatro rolos, e preferem produzir os tipos mais sofisticados, com cheirinho e de folha dupla, mais macios, sem regulação. Em uma das fábricas vistoriadas, o papel regulado ocupava apenas 4 das 12 linhas de produção.

 

No supermercado visitado pelo Valor, o pacote com uma dúzia da marca Floral, com preço livre, custava 17,10 bolívares (o equivalente a US$ 7,95).

 

A polêmica chegou à televisão do país. Na Venezolana de Televisión, maior canal estatal, o apresentador Alberto Nolia denunciou a existência de uma "máfia", citando um empresário do país e acusando-o de ser responsável pelo desabastecimento. Nolia disse que o industrial tinha o "traseiro fragrante" por ter inventado "algo tão absurdo, cafona e ridículo como perfumar o papel higiênico".

 

O apresentador de TV conclamou as autoridades sanitárias a proibir "esse tipo de fragrância, porque só o cheiro já é tóxico".

 

Naturalmente, foi dada a senha para toda a sorte de piadas e trocadilhos - a maioria de gosto, no mínimo, duvidoso. Um oposicionista, no entanto, aproveitou a controvérsia para refletir sobre a conturbada situação política na Venezuela pós-referendo. "Os presidentes e as fraldas devem ser trocados frequentemente, e pela mesma razão", disse ele. (DR)

 

Veículo: Valor Econômico


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