Inflação reduz o ritmo, e mercado é surpreendido

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Desaceleração veio de alimentos e commodities, e não da alta dos juros básicos comandada pelo BC

Fernando Dantas

 

Dessa vez, quase ninguém reclamou do Banco Central (BC) por causa da alta da taxa Selic. Com a inflação em 12 meses subindo de 3% para mais de 6% entre o início de 2007 e hoje, mesmo os críticos do conservadorismo do BC consideraram razoável a elevação da taxa básica de juros, de 11,25% em abril para o nível atual de 13% - com perspectiva de superar 14,5% até o fim do ano. A inflação, porém, resolveu pregar uma peça simpática nos membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Antes mesmo que se detectasse qualquer efeito mais significativo de desaceleração da demanda - afinal, é para isso que se sobe o juro -, a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice da meta oficial, arrefeceu, surpreendendo o mercado.



Na sexta-feira, foi divulgado que o IPCA-15 (idêntico ao índice da meta, mas com periodicidade defasada em 15 dias) de agosto ficou em 0,35%, no piso das previsões coletadas pela Agência Estado, que variavam entre 0,35% e 0,48%. Nilson Teixeira, economista-chefe do Crédit Suisse, prevê que o IPCA de agosto fique entre 0,25% e 0,30%. “É a primeira vez,em cinco meses, que o mercado vai ser surpreendido com um índice abaixo das suas projeções, e não acima, como vinha acontecendo”, comenta. Nos IGPs, índices que incluem os preços no atacado, a mudança para melhor foi mais radical - o IGP-M, que registrou inflações acima de 1,6% ao mês entre maio e julho, teve deflação de 0,12% no segundo decêndio de agosto.



Em outras palavras, a demanda continua superaquecida, mas a inflação resolveu, no curto prazo, ficar mais comportada. O efeito é quase todo explicado pela reviravolta nos preços de alimentos e commodities minerais e agrícolas em geral, que depois de subirem espetacularmente nos últimos anos, vêm caindo desde meados de julho. Um relatório do Crédit Suisse divulgado na sexta-feira mostra que a alimentação e as bebidas no IPCA-15 tiveram uma inflação de 2,3% em junho, de 1,75% em julho e de apenas 0,25% em agosto. Com isso, a alimentação e as bebidas foram responsáveis por 0,53 ponto porcentual, ou 59%, da alta de 0,9% do IPCA-15 de junho; por 0,4 ponto porcentual, ou 63%, do IPCA-15 de 0,63% de julho; e por somente 0,06 ponto porcentual, ou 17% do IPCA-15 de 0,35% de agosto.



A perda de fôlego da inflação deve estar sendo celebrada pelos membros do Copom, mas curiosamente ela cria um ligeiro embaraço para o BC - afinal, o alívio não parece ter vindo da medicação aplicada, a alta da Selic, mas sim de um movimento de queda de alimentos e commodities que é em grande parte global.



A elevação dos juros visa a esfriar a demanda, o que desestimula a alta dos preços. Mas, segundo Alexandre Pavan Póvoa, diretor do Modal Asset Management, “os sinais de esfriamento até existem, mas ainda são muito tênues”. As vendas no varejo, por exemplo, cresceram 10,6% no primeiro semestre, uma taxa chinesa - mesmo que, por causa da própria inflação, o faturamento de hiper e supermercados tenha crescido bem abaixo da média do comércio em junho. Da mesma forma, o índice de desemprego de 8,1% em junho foi acima da expectativa de 7,7% do mercado, mas não há dúvida de que prossegue o ritmo espetacular de criação de postos de trabalho, especialmente formais. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) indica a criação de 1,56 milhão de empregos formais de janeiro a julho de 2008, quase atingindo a marca de 1,6 milhão do ano passado inteiro.



Se é claro que o alívio no front inflacionário não está vindo dos efeitos dos juros na demanda, isso não significa que os analistas aconselham o Banco Central a tirar o pé do freio. Na verdade, como avalia um ex-diretor do BC, uma das surpresas deste ano é a reação relativamente moderada, até agora, da sociedade e dos críticos tradicionais do Copom ao ciclo de aperto monetário.

 

 
A visão predominante é de que ainda há muita incerteza em relação ao movimento dos alimentos e das commodities, e portanto é arriscado considerar favas contadas que eles cairão de agora em diante. “Há muitas dúvidas sobre o que vai acontecer com o crescimento mundial, e o BC está certo em preservar a sua atuação preventiva”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. O aquecimento da economia global é considerado o principal fator de alta das commodities nos últimos anos. Por essa linha de raciocínio, a economia interna aquecida, no Brasil, facilita a transmissão das pressões inflacionárias derivadas das commodities para os preços em geral. E a forma de o BC reduzir esse risco é esfriar a demanda.



Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, vê uma dinâmica inflacionária própria nos preços em geral, derivada da demanda, mesmo quando são excluídos os alimentos. Ele nota que o núcleo de inflação que exclui alimentos e tarifas subiu de uma variação em 12 meses de 3,4% para 5,7% entre meados de 2007 e hoje.



Outra medida de núcleo subiu de 2,76% para 4,71% no mesmo período. E a chamada “inflação cheia”, o IPCA propriamente dito, foi de 3,95% para 6,26%. Schwartsman observa que o aumento em pontos porcentuais do núcleo por exclusão é do mesmo tamanho da alta do índice cheio, e o do outro núcleo corresponde a 85% - em outras palavras, ele vê uma correspondência entre a alta dos núcleos, que teoricamente medem a inflação mais ligada à demanda, e a elevação do IPCA como um todo.



Mas, mesmo sem mudar bruscamente a visão de continuidade da alta da Selic até o fim do ano, o mercado começa a dar sinais de que não considera impossível que a queda das commodities mude de forma mais intensa o cenário com o qual quase todo mundo vem trabalhando. A projeção do Crédit Suisse, por exemplo, ainda é de uma Selic de 15,25% no fim do ano, com mais uma alta de 0,75 ponto porcentual e três de 0,5. “Mas agora aumenta a chance de que o aperto seja menor e menos longo”, diz Teixeira.

 

Veículo: O Estado de S.Paulo


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