O inesperado tombo das Americanas

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Tropeços na financeira e aumento no calote explicam o primeiro prejuízo em 28 trimestres. Qual a saída?


ADRIANA MATTOS


A trajetória das Lojas Americanas já foi uma seqüência de altos e baixos. A varejista quase foi parar na mão dos americanos, pensou em buscar sócios nos anos 90 e, em tempos de crise, suas ações chegaram a valer menos de R$ 4. Suas lojas, com layout envelhecido, longas filas e confuso portfólio de produtos, afugentavam consumidores mais abonados. O divisor de águas na história da rede veio em 1998. Após uma mal-sucedida tentativa de venda para o Wal-Mart naquele ano, o caminho da varejista foi inteiramente refeito. “Nossos planos eram diferentes para a Americanas. Como o planejado não ocorreu, perdemos muito tempo”, chegou a admitir um dos controladores da rede, o empresário Jorge Paulo Lemann, em artigo publicado pela escola de administração Bobson College.

 

A solução encontrada foi dar uma boa (e rápida) chacoalhada no negócio. A rede entrou numa dieta brava. Um quarto dos funcionários foi demitido em 2000, 23 lojas com perfil de supermercado fecharam as portas e as despesas diminuíram drasticamente. Nos últimos oito anos, o lucro mais que dobrou e a receita, quintuplicou. O susto veio na semana passada. Após 28 trimestres consecutivos de resultados positivos, a rede fechou no vermelho. Foram R$ 14,5 milhões de prejuízo no segundo trimestre. Após tanto sufoco no passado, tem algo de errado com a varejista novamente? Sim e não.

 

A mancha no balanço nada tem a ver com a operação da rede. O sinal positivo se inverteu porque a companhia teve de amortizar um ágio pago por ações da B2W, empresa criada com a fusão do Submarino e Americanas.com. A rede tem adquirido esses papéis para ampliar seu controle no negócio. Além disso, a adoção do regime de substituição tributária do ICMS penalizou as contas. Isso porque o registro do tributo passou a ser feito na linha de custos. “Se você olhar bem nossos números, estamos até melhores operacionalmente”, defende-se o diretor financeiro Roberto Martins, quando questionado por analistas na semana passada. O Ebitda subiu 27,1%. Neste ano, as lojas venderam 26,9% mais do que em 2007 (excluindo o desempenho dos sites). Não falta razão a Martins, mas não era essa a grande dúvida do mercado. O que todo mundo queria saber é por que a financeira da Americanas, a FAI (Financeira Americanas Itaú), amargou rombo tão grande em 2008.

 

Foram R$ 18,9 milhões de prejuízo no semestre, rateados entre o Itaú e a cadeia varejista. Em 2007, o valor foi bem menor: R$ 7,5 milhões. “Não esperava mais de R$ 1 milhão de prejuízo no último trimestre”, disse Renata Coutinho, analista do Santander. Parte das perdas foi parar na conta da Americanas, um dos primeiros investimentos, realizado em 1982, pelo trio Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Quem leu o balancete não gostou nada dos números e as ações abriram em queda de 5% no dia seguinte à divulgação dos números. Martins foi questionado diversas vezes pelos analistas sobre a perda com a financeira. Repetiu outras tantas que o prejuízo é natural. “O cartão de crédito (principal instrumento de financiamento da FAI) foi lançado há dois anos. Ainda estamos num processo de maturação do investimento”, disse. E foi além: “Esperamos atingir o equilíbrio no começo de 2009 ou, quem sabe, no final de 2008.” Faltou combinar o discurso com seus pares. Na mesma semana, a direção da FAI teria declarado à imprensa que até o primeiro trimestre de 2009 a virada não aconteceria.

 

Há pedras no caminho da FAI rumo ao azul. A inadimplência dos brasileiros tem crescido, relatam Serasa e Fecomércio. O período não é dos melhores para ampliar as vendas por meio de cartões de crédito, já que, com carnês em atraso, o cliente está mais arredio. Além disso, a Americanas deu início ao que chama de “limpeza de base”. Ou seja, está tentando atrair clientes bons pagadores e deixar fora de sua cesta aqueles que deram, literalmente, o calote – a taxa de inadimplência na rede já bateu em 12% em 2007 e hoje está em 6% no cartão, apurou a DINHEIRO. No entanto, não é a única varejista que está envolvida nessa faxina, e para “roubar” o cliente alheio, precisa oferecer benefícios. A saída foi dar descontos em produtos comprados com o seu cartão. Também não vai cobrar o valor da primeira anuidade. Resultado: alta nos custos. “E quem arca com esses gastos?”, perguntaram os analistas a Martins, durante a conversa da semana passada. “Nós contribuímos com uma parte e a financeira, com outra”, tentou esclarecer. Conhecida pela capacidade de reverter resultados, a rede tem chances de voltar ao azul no próximo trimestre e colocar a FAI nos eixos em 2009. Mas que o tropeço pegou muita gente de surpresa, não há a menor dúvida.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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