Classe C ganha corpo e muda o conceito de classe média

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Faixa da população já corresponde a mais da metade dos brasileiros nas 6 grandes capitais


Fernando Dantas


A emergência da classe C já coloca em xeque o conceito de classe média no Brasil. Tradicionalmente associada à faixa da população com padrões de consumo semelhante aos da classe média dos países ricos, que no Brasil não atinge nem 15% do total, o conceito agora está se expandindo para a classe C, que abrange 42,5% dos brasileiros, segundo o chamado “critério Brasil” - sistema padronizado de estratificação econômica utilizado por empresas e agências de publicidade.


E, de acordo com pesquisa divulgada nesta semana pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a classe C, definida como a “nova classe média”, com renda familiar total entre R$ 1.064 e R$ 4.591, já representa 51,9% da população nas seis principais regiões metropolitanas do País.


“Ainda não se chama muito a classe C de classe média, mas não há dúvida de que ela está na crista da onda, é a menina-dos-olhos das empresas e já está incluída socialmente, o que não é uma característica de classe baixa”, diz Isabelle Perelmuter, vice-presidente de planejamento da agência de publicidade Fischer America.


A inserção da classe C na classe média ainda é polêmica. “Eu acho um pouco demais, já que estamos falando de um nível muito básico de consumo”, diz Daniel Chalfon, sócio-diretor de mídia da agência de publicidade MPM. Ele observa que, pelo “critério Brasil”, uma pessoa com ensino médio incompleto, que possua TV, rádio, aspirador, máquina de lavar e geladeira, e more num domicílio com um banheiro já é considerada classe C. “Não precisa ter nem casa própria nem carro”, acrescenta Chalfon, citando dois itens emblemáticos do conceito tradicional de classe média.


Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, determinar a classe média apenas pela renda e pelo consumo é uma visão reducionista. Ele explica que, na perspectiva clássica, a classe média é composta por pessoas que têm acesso a serviços de saúde, educação e previdência com alta qualidade. “A classe C pode comprar um plano de saúde ou de previdência e mandar os filhos para escola particular?”, pergunta Ismael. Ele mesmo responde: “Claro que não”. De acordo com o cientista político Alberto Carlos de Almeida, diretor do instituto Análise, pesquisas indicam que, na cidade de São Paulo, 80% das pessoas se consideram pobres, proporção que inclui grande parte da classe C. “A maioria esmagadora no Brasil se diz pobre, o que é visto como uma posição boa, que dá direitos simbólicos”, ele diz.


Mas, independentemente da auto-imagem das pessoas, o dinamismo consumidor que a classe C vem mostrando no Brasil faz com que vários especialistas já vejam nesse segmento um embrião de atitudes e de visão do mundo típicos de classe média. Segundo Paulo Stephan, diretor-geral de mídia da agência de publicidade Talent, o apetite de consumo da classe C “é brutal, imediato - se acertar as condições da oferta que possibilitem o acesso, é maluca a vontade que ela tem de consumir o que a classe média tradicional já consome”.


ESTADO DE ESPÍRITO


Um quase consenso entre profissionais de marketing e publicidade é que a classe C não vai mais às compras apenas olhando para o preço, mas é exigente, discrimina as marcas e é muito sensível aos apelos da qualidade, da tecnologia e até do status. Stephan menciona um cliente da agência, fabricante de papel higiênico, que “acertou o preço” do produto de folha dupla de tal forma a torná-lo acessível à classe C. “Agora, a demanda cresceu tanto que eles não conseguem suprir.”


Isabelle, da Fischer America, observa que a penetração da internet tem aumentado velozmente na classe C, que já abriga 35% dos internautas do País. “Hoje, eles navegam muito em comunidades virtuais que formam opinião sobre marcas e produtos - esse consumidor bem informado começa a ter o mesmo critério de qualidade atualizado dos mais ricos, que permite distinguir o que é bacana e moderno.” Ainda há, é claro, uma restrição de acesso, mas ela nota que a rápida expansão do crédito está contornando as limitações de renda.


Em termos estatísticos, não há dúvida de que a classe C está na “média” da estratificação de renda brasileira, com 25% da população acima e 35% abaixo, como observa a socióloga Fátima Pacheco Jordão. Para ela, pelo fato de ser majoritária, a classe C será cada vez mais decisiva em termos de consumo.


Ela cita o crescimento espantoso de alguns jornais populares, como o SuperNotícia, de Minas Gerais, cuja circulação subiu de 179.981 para 301.362 exemplares entre o primeiro semestre de 2007 e o de 2008. Segundo José Roberto Tambasco, vice-presidente comercial e de operações do Grupo Pão de Açúcar, “nenhum negócio hoje pára de pé se não estiver olhando a classe C, a não ser que seja voltado a um nicho”.


Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais (CPS) da FGV, responsável pela pesquisa “A Nova Classe Média”, nota que “há uma visão de que a classe média é um estado de espírito”. Ele cita o jornalista e escritor americano Thomas Friedman, para quem os participantes da classe média são definidos pelo fato de que têm um plano de ascensão social para o futuro e são empreendedores.


Neste sentido, a classe média é um dos dínamos do desenvolvimento da sociedade. A classe C no Brasil, de acordo com alguns especialistas, já tem este germe da ascensão e do empreendedorismo.


Para o sociólogo e cientista político Amaury de Souza, sócio-diretor da MCM Consultores Associados, “esta nova classe média baixa é extremamente ambiciosa, dinâmica, confiante em si mesma e tem valores mais sólidos”.


Por outro lado, ainda faltam à classe C diversos elementos da visão clássica de classe média, como frisa Souza, citando a casa própria, a educação universitária dos filhos e a teia de contatos sociais. “As classes mais pobres não têm essa multiplicidade de contatos, que ajuda os filhos a subirem”, ele diz.


Segundo Fátima , a classe C ainda não consolidou diversos padrões, como uma exigência maior em relação a direitos sociais, serviços públicos e educação. “Ela até agora aproveitou-se mais do processo de consumo do que do processo democrático e de acesso à cultura”, conclui.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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