Queda na exportação reduz produção da indústria em 9 setores

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O ritmo de produção industrial tem sofrido o impacto da evolução dos volumes exportados, mas o efeito não foi o mesmo em todos os segmentos. Em alguns setores, como têxtil, confecções e calçados, a redução da exportação contribuiu para a queda da produção física. Em outros, porém, como o de máquinas e equipamentos e equipamentos médico-hospitalares, a elevação do volume exportado ajudou a aumentar o nível de produção industrial. No conjunto de 19 setores, a exportação ajudou a "segurar" a produção doméstica em 10, mas colaborou para derrubar o volume fabricado nos demais.

Beneficiada pelo aumento do volume exportado, a indústria de produtos de metal teve, de janeiro a agosto deste ano, produção física ampliada em 3,6%, devido à alta de 8,27% no quantum vendido ao exterior no período. Na mesma comparação, os equipamentos de transporte tiveram elevação de 24,69% no volume exportado, o que beneficiou a indústria, com aumento de 11,7% na produção.

Welber Barral, consultor da Barral M Jorge Associados, lembra que esses setores, que recuperaram volume de exportação, foram muito atingidos pela queda de demanda mundial em 2008 e 2009. "Em 2010, esses segmentos iniciaram a recuperação na exportação, evolução que tem continuado e beneficiado a produção industrial."

Entre os segmentos que sofreram efeito negativo da exportação, prevalecem os de mão de obra intensiva. De janeiro a agosto deste ano, houve queda de 9,96% no volume exportado pelo setor de confecção, com redução de 3,6% na produção. No setor de preparação de couros e calçados, o quantum exportado caiu 8,41% e a produção industrial, 10%. Os dados de produção são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os de volume exportado são da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

"A trajetória mais fraca da produção de alguns setores foi afetada pela demanda externa reprimida", afirma Sílvio de Campos Neto, economista da Tendências Consultoria. Ele lembra que isso é mais evidente em setores como calçados e vestuário, de mão de obra intensiva, que perderam competitividade no mercado mundial não somente em função do câmbio, mas também em razão do custo dos salários, que tiveram aumento real nos últimos anos.

"A queda no volume exportado com certeza afetou o nível de produção", diz Heitor Klein, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). Ele conta que o setor deve exportar este ano entre 120 milhões e 130 milhões de pares de calçados, bem menos que os 180 milhões de pares exportados até 2009. A expectativa para 2012, afirma Klein, é retomar ao menos parte das vendas perdidas no exterior nos últimos dois anos, principalmente se a desvalorização do real frente ao dólar se consolidar.

Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), diz que o setor acumula déficit comercial de US$ 3,5 bilhões de janeiro a setembro deste ano. Em 2010, o saldo negativo foi de US$ 2,5 bilhões. Diniz Filho lembra que o déficit deve-se tanto ao aumento do ritmo da importação quanto à perda no volume de exportação. Enquanto o setor de confecções produziu 3,5% menos de janeiro a agosto, o volume de vendas no varejo subiu 6,7%.

O câmbio, apontado como um dos fatores que tiram competitividade nas exportações, acabou trazendo um ganho de rentabilidade, ao menos na ponta, para praticamente todos os segmentos.

A desvalorização do real em relação ao dólar contribuiu para aumentar em 2,7% o índice de rentabilidade das exportações totais de agosto em relação ao mês anterior. Na comparação com agosto do ano passado, a elevação de rentabilidade foi de 4,9%. No acumulado do ano, o ganho também foi de 4,9%, segundo a Funcex.

Como resultado da desvalorização do real, o ganho de rentabilidade refletido no índice geral de exportações de agosto em relação a julho aconteceu em quase todos os setores. As exceções foram celulose e papel, equipamentos médico-hospitalares e de automação industrial, além do setor de móveis. O câmbio, explica Fernando Ribeiro, economista-chefe da Funcex, tem efeito mais generalizado para o aumento de rentabilidade. Antes, lembra o economista, o aumento de rentabilidade vinha puxado pela elevação de preços, com efeito mais concentrado em poucos segmentos.

Em agosto, na comparação com julho, a rentabilidade na exportação dos produtos de confecção e vestuário subiu 1,1%. No segmento de couros e calçados, a alta foi de 1,3%, e em produtos de madeira, de 4,8%. As taxas de crescimento foram pequenas, mas representaram uma reversão em relação à tendência anterior. No acumulado do ano até agosto, os três segmentos acumulavam perda de rentabilidade em relação ao mesmo período do ano anterior.

Para Klein, da Abicalçados, é preciso ainda verificar em que patamar o câmbio deve se consolidar para saber se haverá melhora na rentabilidade e recuperação no volume de exportação em 2012. Ele considera, porém, que um dólar entre R$ 1,95 e R$ 2 já pode permitir a recuperação de volume de exportação. Esse seria, para ele, um "câmbio de equilíbrio", que permitiria ao setor voltar a ter maiores ganhos na exportação e também não significaria desvalorização muito grande do real frente ao dólar, o que poderia prejudicar a demanda doméstica.

Julio Gomes de Almeida, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), lembra que para cada setor e cada empresa há uma taxa de câmbio de equilíbrio. "É possível dizer que num dólar entre R$ 1,60 e R$ 1,70, porém, nada é possível, mesmo com todo ganho de competitividade que possa ser gerado por aumento de produtividade, inovação ou política de benefícios fiscais."

Com um dólar entre R$ 1,80 e R$ 2, porém, o cenário pode começar a mudar. Para Almeida, o setor produtivo brasileiro, mesmo o exportador, já começa a discutir o patamar ideal de dólar para exportação com a preocupação de que o câmbio seja sustentável e financiável.

Existe, diz o economista, uma preocupação, por exemplo, em relação a uma eventual desvalorização brutal do real frente ao dólar, que contribua para elevar a inflação e, com isso, minar a capacidade de compra. Almeida lembra que o poder de consumo ficou mais dependente de uma inflação mais baixa e do produto importado. Uma desvalorização muito grande do real, afirma, afetaria o preço dos importados, que entraram nos custos de produção das empresas, sob forma de bens intermediários e bens de capital.

Ribeiro, da Funcex, também acredita que há uma boa oportunidade no momento. O efeito disso para o futuro, porém, depende de outras variáveis, como o ritmo de crescimento doméstico e a demanda do mercado internacional, diz ele. Se o mercado interno continuar muito atraente, haverá um interesse maior das empresas em direcionar produção para os consumidores brasileiros e não para a exportação.


Veículo: Valor Econômico


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