Classe A ganha mais 303 mil famílias

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Crescimento, porém, não muda participação no total da população: mais ricos ainda são menos de 2% das famílias

 

O seleto grupo dos ricos brasileiros ganhou 303 mil novas famílias nos últimos sete anos. O crescimento da classe C tornou-se a vedete do comércio e da propaganda - até mesmo a governamental -, mas a classe A mantém-se acima da marca de 1 milhão de famílias desde 2006 e continua crescendo. Integram o topo da pirâmide pessoas com rendimento domiciliar mensal acima de 20 salários mínimos (R$ 10,2 mil). É um grupo de perfil diversificado: reúne desde profissionais liberais até consumidores de artigos de luxo, como Porsches e helicópteros.

 

Dados compilados pela MB Associados, com base nas estatísticas do IBGE, a pedido do Estado, mostram que o rendimento médio da classe A é hoje 48% maior que em 2002. Mas, apesar desse crescimento, a participação da classe A em relação ao total da população não mudou - ainda representa apenas 1,9% das famílias brasileiras.

 

Como base de comparação, do fim de 2002 até 2009, 1,146 milhão de famílias passaram à classe B (renda de 10 a 20 salários mínimos) e 7,772 milhões à classe C (renda de 3 a 10 salários mínimos). O crescimento da renda não foi muito diferente entre as categorias: dobrou na classe A, cresceu 116% na classe B e 142% para a C.

 

CRISE

 

O ano de crise de 2009 foi ruim para a Classe A. A estimativa da MB Associados é que cerca de 10 mil famílias tenham descido um degrau. Mas essa oscilação não foi suficiente para tirar do grupo a marca de 1 milhão de famílias (alcançada antes, pontualmente, em 1996 e 1998). A expectativa é de que, passado o pior da crise, o consumo nessa faixa de renda volte a crescer muito em 2010.

 

"O dinamismo da economia brasileira nos últimos anos foi importante para a recuperação da renda da classe média, mas também da classe mais alta, obviamente que em menor proporção", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Na visão dele, a tendência é de que esse fluxo ascendente persista, com a classe média rumando ao topo da pirâmide.

 

"Mas aqui há um limite importante. Para esse pulo adicional precisamos ter um pulo educacional, também. As faculdades criadas nos últimos anos permitiram que a população passasse da classe baixa para a média, mas ainda não temos nível educacional suficiente para um contingente muito maior de aumento na classe mais alta", diz.

 

PRIMEIRA LINHA

 

Já os problemas pontuais costumam ser facilmente superados, na opinião de Marcos Pazzini, diretor da Target, empresa de pesquisa de mercado. "A Classe A foi bastante atingida pela crise. De qualquer modo, ela tem uma posição mais consolidada, então não deixa tanto de consumir. Essas famílias gastam com produtos de primeira linha, e não de primeira necessidade", diz.

 

Enquanto as classes B e C têm aspirações de consumo muito claras, como a casa própria, um carro ou uma TV de plasma, os integrantes da Classe A já dispõem de todos os bens considerados essenciais.

 

De acordo com os dados da Target, o padrão de gastos é bem diferente quando se compara a classe A com a média da população. Enquanto os mais ricos destinam 20% da renda à manutenção do lar (contas de luz, telefone e aluguel), na média da população esse montante vai para 27,5%. Para "outras despesas", na qual são incluídos os investimentos, os mais ricos destinam 42% da renda, ante 21% da média da população. De 2003 para cá, esses gastos aumentaram para a classe A, enquanto diminuíam as despesas com itens como alimentos e bebidas e higiene.

 

GARGAREJO

 

A renda domiciliar média desse grupo de 2% que está no topo da pirâmide é de R$ 15,8 mil, de acordo com a conta da MB Associados. Porém, como brinca Marcos Pazzini, existe a "classe A gargarejo", difícil de ser contabilizada, mas cujo padrão de consumo - e renda - está em nível muito superior.

 

A empresa HeliSolutions vende cotas em helicópteros. Para quem não pode - ou não quer - ter um helicóptero, basta comprar 10% de um aparelho, por US$ 66,9 mil (R$ 120,4 mil). Por mês, há uma cota fixa de manutenção de R$ 4,8 mil; além do gasto com combustível, em torno de R$ 680 por hora. O cotista tem direito a dez horas de voo mensais.

 

O serviço, de altíssimo luxo, foi diretamente impactado pela crise. No primeiro semestre do ano passado, a empresa apenas revendeu as cotas de clientes que queriam desfazer o negócio. No segundo semestre, com o enfraquecimento da "marola", as vendas voltaram a crescer 30%.

 

"Agora estamos retomando o ritmo de antes da crise e está tudo muito bom. Nossa expectativa é de seguir o crescimento de 50% em 2010", comenta Rogério Andrade, presidente da HeliSolutions.

 

Outro item incluído nos objetos de consumo da "classe A gargarejo" é o carro esportivo. O modelo mais barato da Porsche vendido hoje no Brasil está em torno de R$ 250 mil; o mais caro chega a R$ 750 mil. O parcelamento - quando ocorre - não é feito na revenda, mas diretamente pelo cliente com o banco.

 

Em 2003, 76 Porsches foram vendidos no País. Em 2008, esse número foi dez vezes maior (753 unidades). Mas no ano passado, com os efeitos da crise, as vendas caíram 26,5%. E o tombo foi relativamente pequeno perto da queda de quase 50% que se esperava.

 

Para 2010, a projeção é de que se chegue a 620 automóveis da marca, ainda abaixo de 2008. Hoje, a Porsche tem revendas em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Ribeirão Preto e Curitiba, e analisa abrir um novo negócio na Região Centro-Oeste.

 

Mercado classe A cresce e se sofistica

 


Uma geladeira que custa R$ 39,9 mil, um jogo de lençol a R$ 5 mil ou uma garrafa de vinho a R$ 2 mil são luxos para pouquíssimos. Mas tem muita gente que compra. E esses clientes estão aumentando. Dispostos a pagar o preço alto, eles exigem mais qualidade e procuram tentar parcelar o pagamento.

 

Adriana Degreas vende biquínis para mulheres "com nome e sobrenome", como ela mesma explica. O duas-peças pode chegar a R$ 400. A estilista começou a produzir há quatro anos e, no ano passado, notou uma mudança discreta em seu público, que se ampliou. "O meu segmento não sentiu a crise batendo, mas a forma de pagamento se modificou, por exemplo. De qualquer forma, a minha clientela antiga continuou pagando à vista."

 

Diante da crise, baixar o preço não foi uma opção, justamente para que o produto não acabasse popularizado. Em vez de participar de grandes desfiles de moda ou lançamentos, Adriana opta por desfiles nas casas das próprias clientes. "Uma das grandes vantagens do mercado elitizado é que não tem inadimplência", diz ela.

 

No início de 2008, a KitchenAid - marca de eletrodomésticos sofisticados - chegou ao Brasil. Assim, acabou enfrentando um mercado "assustado" no primeiro semestre de 2009. Suas geladeiras podem custar R$ 39,9 mil, a mais cara, ou R$ 15,9 mil, a mais em conta. Se somar o fogão especial, ou melhor, o cooktop, são mais R$ 3,9 mil. Antonio Henriques, gerente de marketing da marca, não revela quantas unidades foram vendidas no Brasil, mas diz que, desde o fim de 2009, está tudo muito bem. Este ano, levando em conta que ainda tem uma base baixa, eles esperam crescer em 70% as vendas.

 

Vendedora de outro grande sonho de consumo, a joalheria H.Stern também não revela muitos dos seus dados de venda, mas informa que cresceu 15% em 2009, principalmente por causa do desempenho do último trimestre. Para este ano, a expectativa é também boa.

 

"O cliente está mais conhecedor do produto. No ato da venda, não se trata mais de um leigo, ele está disposto a gastar, mas quer saber a qualidade", comenta Angélica Marchi, gerente-geral da Enoteca Fasano no Rio de Janeiro.

 

O proprietário da loja de cama, mesa e banho Trousseau, Romeu Trussardi Neto, concorda com essa visão. Segundo ele, houve uma mudança "incrível" no perfil dos seus clientes, que hoje chegam a 85 mil. "Tenho certeza que alguns deles só agora estão conhecendo produtos diferenciados. A classe A ainda não recebeu todos os novos integrantes. Essa vinda vai gerar novos consumidores, sempre com responsabilidade, conscientes dos preços, pois eles sabem o quanto custou para chegar lá", comenta Romeu.

 

Para atender a esse público, a Trousseau fornece produtos importados de todo o mundo. Em 2009, como os demais segmentos, enfrentaram problemas no início do ano, mas acabaram crescendo 10% no balanço geral. Este ano, esperam manter este ritmo.

 

Integrante da classe A de longa data, Gisela Mac Laren, dona do estaleiro Mac Laren, esnoba boa parte desses sonhos de consumo. "Meu maior luxo neste momento é ter tempo. É poder ficar deitada na minha casa, vendo os pássaros pela janela", comenta a empresária. Gisela diz trabalhar "24 horas por dia". Com 15 anos, começou a frequentar o estaleiro com o pai e fez faculdade de economia nos Estados Unidos. Tem carro blindado e, nos fins de semana, vai para Angra de helicóptero - alugado. A família já teve avião, mas vendeu também.

 

"Se você tem dinheiro, alugue. Comprar só dá trabalho", sugere ela. Apesar das roupas sofisticadas e de gostar de joias, não dispensa programas mais populares, como uma cerveja no bar. Gisela diz que detesta shopping e, quando encontra uma roupa de que goste, compra várias iguais. A empresária não revela quanto gasta com nenhum desses itens de consumo, mas deixa claro que o fato de estar acostumada com eles fizeram dela menos consumista. Por ano, vai algumas vezes ao exterior, a passeio e a trabalho.

 

Sobre os últimos tempos, diz que "não tem nem comparação com os anos anteriores". Para melhor.

 

Atenta à expansão das classes A e B, a Multiplan anunciou, no início do ano, o lançamento do Village Mall, um shopping na Barra da Tijuca dedicado exclusivamente a esse segmento. Segundo o vice-presidente do grupo, Armando d"Almeida Neto, a percepção foi de que, assim como existe demanda para centros comerciais para a classe C, também há nichos no mercado mais sofisticado. O investimento será de R$ 350 milhões.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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