Consumo dá sinal de desaceleração

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Sondagem mostra recuo nas vendas de bens duráveis por causa do endividamento das famílias das classes C e B

 

A antecipação do consumo de carros, máquinas de lavar, fogões e geladeiras, patrocinada pela política anticíclica do governo federal, reduziu a capacidade de compra desses itens pela nova classe média brasileira. Para manter as vendas aquecidas após o fim do corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que terminou em janeiro para a linha branca e expira no fim de março para os carros, o comércio de bens duráveis começa a mirar as famílias de menor renda, da classe D, como potenciais consumidores.

 

Com renda de até quatro salário mínimos mensais (R$ 2.040), essas famílias tiveram até agora pouco acesso a financiamentos. Por isso, estão menos endividadas em relação às famílias das classes B e C. Revendas de veículos, por exemplo, já estudam a possibilidade de alongar prazos de pagamento até 120 meses para fazer com que a prestação se "encaixe" na renda. Com isso, o varejo abre o leque de consumidores.

 

Apesar de não admitirem publicamente, lojas de eletrodomésticos querem chegar ao Dia das Mães com prazo de financiamento superior a 18 meses para reduzir ainda mais o valor das prestações.

 

Os sinais de que o ritmo de compras de bens duráveis deve diminuir e de que as indústrias começam a tirar o pé do acelerador da produção para se ajustar às mudanças do mercado já apareceram em duas pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e outra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Pelo segundo mês consecutivo, o Indicador de Expectativas de Compra de Bens Duráveis da FGV, que sinaliza a intenção de consumo para os próximos seis meses, caiu em janeiro. Fechou o mês em 81,4 pontos, a menor marca em oito meses e abaixo da média de cinco anos (82,8 pontos). A queda acumulada do índice entre novembro de 2009 e janeiro deste ano foi de 3,2%.

 

A sondagem industrial da FGV mostra que, em outubro do ano passado, 43,1% das indústrias de bens duráveis consideravam o mercado interno forte. Em janeiro, esse indicador caiu para 31,1%. No caso da produção de bens duráveis prevista para três meses, incluindo o mês em curso, 57,9% das indústrias esperavam em outubro de 2009 aumento da produção; em janeiro, esse indicador recuou para 33,5%.

 

O uso da capacidade instalada das fábricas de bens duráveis, outro termômetro do ritmo de produção, também diminuiu no período: estava em 91,4% em outubro de 2009 e recuou para 89,1% em janeiro.

 

"Está havendo um freio de arrumação na produção de bens duráveis, provocado pelo aumento do endividamento das famílias e pela volta do IPI", disse o coordenador de Sondagens Conjunturais da FGV, Aloisio Campelo. Ele ressalta que os dados da produção industrial do IBGE confirmam a tendência.

 

Em dezembro, a produção total da indústria caiu 0,3% na comparação com novembro, descontadas as influências sazonais. A retração foi provocada pelo recuo de 4,9% nos bens de consumo duráveis, que inclui a queda de 1,2% na produção de veículos no período.

 

Isoladamente, empresas e setores da indústria não admitem que estejam reduzindo o ritmo de produção para atenuar os efeitos da ressaca do consumo dos últimos meses. Com o corte no IPI, as vendas de eletrodomésticos da linha branca, por exemplo, cresceram cerca de 20% no ano passado em relação a 2008. Nos veículos, houve acréscimo de vendas de 300 mil unidades entre dezembro de 2008 e junho de 2009, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

 

"O benefício foi bom enquanto durou", afirma o diretor de Relações Institucionais da Whirlpool, Armando Ennes Valle. Ele diz que não vê queda brusca em razão do fim do corte do IPI. O executivo conta que a sua empresa mantém hoje o ritmo de produção de dezembro. Os lançamentos em curso, o aumento da renda do consumidor e a perspectiva de alongar os prazos do crediário devem sustentar as vendas, argumenta.

 

Grandes redes varejistas de eletrodomésticos estão inclinadas a esticar os prazos por meio de parcerias com bancos públicos, segundo fontes do mercado. Mas ocorre que essas redes já têm parcerias fechadas com bancos privados, o que atrapalha o acerto de novos acordos.

 

A Anfavea também não prevê desaceleração e projeta crescimento de 8,2% nas vendas domésticas para este ano na comparação com 2008. Mas os números de janeiro da entidade mostram outra realidade. As vendas do mês caíram 27,2% na comparação com dezembro e cresceram 8% ante o mesmo mês de 2009, quando a crise estava no ápice.

 

As fábricas e as concessionárias encerraram janeiro deste ano com 259,2 mil carros em estoque, o equivalente ao giro de 36 dias de vendas. Em dezembro, os estoques eram de 245,2 mil veículos, ou 26 dias de vendas.

 

"As vendas continuam em queda neste mês", diz Carlos Palazzini, presidente do Grupo Palazzo, que tem 12 revendas de veículos das marcas GM, Kia e Peugeot. Para reverter o quadro, ele já fez neste mês dois feirões com condições de financiamento facilitadas. O cliente podia parcelar em 72 vezes ou em 60 meses, com entrada de 30% paga só em 2015. "Vendemos, com chuva e tudo, 400 veículos zero dos 650 que tínhamos no estoque."

 

Palazzini conta que pretende fazer um plano de financiamento para vender carros com prazos mais longos, de até 120 meses ou dez anos. "Quero atingir a classe D para reverter a queda nas vendas."

 

Pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo mostra que, entre dezembro de 2008 e dezembro de 2009, o número de famílias endividadas com renda mensal de até três salários mínimos caiu de 53% para 51% no total da população desse estrato de renda.

 

No mesmo período, aumentou de 53% para 54% a fatia de famílias endividadas com renda entre quatro e dez salários mínimos. "O potencial de consumo das famílias de menor renda será muito grande com o aumento no número de parcelas de financiamento", acredita a economista da entidade, Adelaide Reis.

 


Classe C chega perto da A/B no consumo, mas deve mais e metade das classes C e D teve problemas com crediário, diz estudo

 

A nova classe média, ou classe C, está ocupando seu espaço no crescimento do País com uma capacidade de consumo que a aproxima dos grupos de maior renda, mas com um grau de endividamento que a faz muito mais semelhante à classe D.

 

Essa é uma das conclusões do estudo coordenado pelos cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier e patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com dados do IBGE e de uma pesquisa exclusiva do Ibope com 2 mil pessoas em 5 cidades.

 

O livro que resultou do trabalho, A Classe Média Brasileira, está sendo lançado esta semana em São Paulo.

 

O objetivo principal da CNI foi mapear essa nova classe, tema onipresente em todas as recentes abordagens sobre o aumento do consumo. A ideia era conhecer os gostos e valores do segmento e, assim, dar subsídios para os empresários tomarem decisões de produtos e serviços para esse público.

 

Segundo o estudo, a nova classe média brasileira representa hoje entre 30% e 50% da população, dependendo do tipo de medição ? essa última projeção inclui famílias com renda entre R$ 1.115 e R$ 4.807 mensais, a principal faixa avaliada pelo estudo.

 

O processo de enriquecimento desse segmento não é exclusivo do Brasil, ocorre em muitos outros países emergentes, como México e China, por exemplo. A estimativa é que haja no mundo 400 milhões de pessoas na chamada "classe média global". Calcula-se que em 20 anos o número poderá saltar para 2 bilhões.

 

Entre os entrevistados, 93% afirmaram que "ter um padrão de vida estável" era o que definia pertencer à classe média; a segunda condição era "ter casa própria". O porcentual de famílias que têm casa própria na classe C já é bem próximo ao das classes A/B. Enquanto na primeira é de 79%; entre os mais ricos é de 83%.

 

No caso de automóvel, a diferença já é maior: 92% dos entrevistados de classe A/B tem carro, mas a proporção cai para 55% na classe C. Dos que não tem imóveis, mais da metade, 56%, tem a intenção de adquirir a casa própria nos próximos 12 meses. Também mais da metade pretende comprar eletrodomésticos (53%) e móveis (51%).

 

"O que a classe C está copiando das classes de maior renda é o aumento de consumo. Mas ela faz isso recorrendo sobretudo ao crédito", afirma Amaury de Souza.

 

A pesquisa mostra claramente que, no caso de vários bens duráveis, a classe C já está colada na A/B. Na realidade, no caso dos televisores, a penetração é próxima de 100% em todas as classes. Já bens como geladeira, rádio, aparelho de DVD e lavadora estão presentes de forma semelhante nos dois estratos sociais, enquanto a classe D ainda permanece em um outro patamar.

 

No entanto, ao avaliar o endividamento por classe de renda, o retrato é diferente: a classe C se afasta da A/B e acaba se aproximando da D.

 

Perguntados sobre esse tema, 34% dos entrevistados da nova classe média disseram que precisaram se endividar para cobrir gastos nos últimos 12 meses; entre a classe média baixa vai para 35%. Entre os de maior renda, o número cai para 21%. Tiveram dificuldade de pagar compras a crédito 46% do grupo pertencente à classe C. Na classe D, o valor foi de 50%; e na A/B, de 19%.

 

Amaury de Souza lembra que ainda falta bastante para que essa nova classe média se estabeleça de forma mais sólida. Isso porque, apesar do aumento da renda, a instabilidade ainda é muito grande; muitos empregos não são fixos, gerando oscilação nos ganhos.

 

"Estamos preocupados com a sustentabilidade desse processo. Queremos saber até onde essa classe média tem condições de garantir o consumo", afirma o diretor executivo da CNI, José Augusto Fernandes, que coordenou o projeto.

 

Atualmente, apenas 40% da classe C têm plano de saúde, 30% tem filhos em escola privada; 32% fazem poupança e 12% têm previdência privada. Eles preferem ter o próprio negócio do que um trabalho com registro, diferentemente do que ocorre nos grupos de maior renda.

 

Não obstante esse modelo empreendedor, são fortemente estatistas: 88% defendem que esteja na mão do governo a aposentadoria; também 88% acham que é tarefa do Estado cuidar da saúde; 87%, da educação fundamental; e 77%, do abastecimento de água.

 

 

Veículo: O Estado de S.Paulo


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