Emergentes fecham acordo de corte de tarifas

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Relações externas: Grupo de 19 países se compromete com redução de 20% nas tarifas de 70% dos seus produtos


 
Foi difícil e houve suspense até o último momento. Mas acabou saindo ontem a base do acordo comercial Sul-Sul entre emergentes, liderado pelo Brasil e Argentina e considerado "muito satisfatório" por ambos, num cenário em que a grande negociação global conhecida como Rodada Doha continua em coma.

 

Como o Valor antecipou, ficou acertado um corte de pelo menos 20% nas tarifas aplicadas sobre produtos agrícolas e industriais entre os participantes, num acordo cobrindo 70% do comércio. O tamanho da redução tarifária é inferior ao que se discutia até recentemente, mas pode ser maior do que na Rodada Doha para as exportações nesses mercados em expansão.

 

É que em Doha o corte se aplica sobre a tarifa consolidada (que não é realmente a aplicada, mas o nível máximo que o país pode impor). A negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC), porém, é muito mais importante, por envolver quase todo o comércio mundial, redução de subsídios etc.

 

Dos 22 participantes da Sul-Sul, ficaram de fora o México, Chile e Tailândia pelo momento, ilustrando a dificuldade de se tratar entre os países emergentes. A Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) estima que o fluxo adicional de comércio pode variar de US$ 8 bilhões a US$ 20 bilhões por ano.

 

Para se ter uma ideia da importância para o Brasil, em 2008 nada menos de 27,6% das exportações brasileiras e 25,2% das importações ocorreram com os países que estão no acordo, chamado oficialmente de Rodada São Paulo, por ter sido lançado na capital paulista em 2004.

 

O embaixador brasileiro, Roberto Azevedo, vê chances adicionais para o país diversificar as vendas para esses mercados. Mas diz que a dimensão dos ganhos só ficará clara depois de apresentação das listas dos produtos que serão liberalizados, a serem apresentadas no ano que vem.

 

Se exportadores americanos ou europeus entrarem no mercado da Índia ou Indonésia pagando tarifa de 10%, por exemplo, os produtos brasileiros entrarão pagando apenas 8%. "É menos do que queríamos, mas é o dobro do que outros defendiam", afirmou o negociador brasileiro. Segundo ele, a vantagem é importante para as commodities em geral. Por outro lado, o Mercosul fará redução no equivalente a 70% dos produtos submetidos à Tarifa Externa Comum (veja abaixo).

 

Para Roberto Azevedo, o resultado da negociação é sem precedentes. "E este não é o fim do processo, porque haverá negociações no ano que vem podendo ampliar a liberalização." Ele lembrou que todas as negociações anteriores pelo Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC) foram na base de oferta e demanda. As ambições eram muito reduzidas, cada país fazia sua proposta procurando se proteger e a abertura de mercado era modesta. "Esta é a primeira vez que temos uma negociação com todo o universo tarifário e que apenas estabelece o número de exceções permitidas", afirmou.

 

Para o presidente da negociação, o embaixador argentino Alberto Dumont, o acordo pode ter um papel importante na nova geografia comercial, na qual o comércio Sul-Sul é reconhecido como uma força dinâmica.

 

A dificuldade para se chegar a um entendimento foi ilustrada ontem na sala 24 de reunião das Nações Unidas, que parecia grande demais para tão poucos negociadores. Dos 22 participantes, o México sequer apareceu e o Chile confessou que ainda precisava avaliar. Os dois latinos já têm muitos acordos bilaterais e acham o entendimento bastante modesto. Temem é ter suas preferências corroídas, na medida em que o Brasil, Argentina e outros vão se beneficiar também de redução tarifária onde eles já têm. Já o governo da Tailândia não tem força política para passar o acordo no Congresso, diante do forte afrontamento com a oposição, que já paralisou o país mais de uma vez.

 

De seu lado, o Irã e a Argélia, que tentam entrar como membros da OMC, onde terão de cortar mais as tarifas, receberão "tratamento diferenciado" na negociação Sul-Sul, ou seja, o direito de reduzir menos as alíquotas.

 

Persistem problemas, como apontam certos negociadores que acompanharam a discussão à distância. Primeiro, o acordo não tem mecanismo para resolver conflitos entre os participantes. Segundo, não tem regra para tratar problemas não tarifários, como questões sanitárias e atraso nas aduanas. E terceiro, a regra de origem continua em negociação. Em princípio, a pré-condição é de que pelo menos 50% do produto precisa ter conteúdo local para obter a redução tarifária, mas isso continuará em negociação no ano que vem.

 

A aprovação final da base dos acordo ocorrerá na quarta-feira em reunião ministerial em Genebra, à margem da conferência da OMC. A partir daí, os países deverão propor até o fim de maio de 2010 suas oferta na forma das listas preliminares de concessões tarifárias. Terão quatro meses para barganhas na base de oferta e demanda para eventualmente aumentar o número de produtos liberalizados e o tamanho do corte tarifário.

 

O plano é fechar o acordo Sul-Sul até setembro do ano que vem. Cada país também se engaja a fazer uma revisão do acordo dois anos depois, possivelmente para aumentar a margem de preferência entre eles.
 


Veículo: Valor Econômico


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