O Carrefour que dá certo

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Rede Atacadão, que já responde por mais da metade das vendas do grupo francês no Brasil, vai exportar o modelo de negócios do atacarejo.


Existem duas versões do grupo Carrefour no Brasil. Uma delas, formada pelos hipermercados da multinacional francesa, tem sido acompanhada nos últimos anos por notícias negativas como fraudes contábeis, trocas de diretores e seguidos problemas de gestão. Os problemas levaram a controladora francesa até a cogitar a fusão da operação brasileira com o rival Pão de Açúcar, descartada após meses de negociação. Já a outra versão recebe todo ano pelo menos duas linhas elogiosas no balanço mundial do grupo e é responsável pela maior parte do faturamento de € 12,3 bilhões (cerca de R$ 28 milhões) do grupo no mercado brasileiro. Trata-se do Atacadão, rede comprada pelo Carrefour em 2007.
 
A empresa tem apresentado resultados tão expressivos que teve seu modelo de negócios escolhido pela matriz para ser exportado para mercados emergentes de todo o mundo. A escolha é estratégica. O Atacadão atua na modalidade conhecida como atacarejo, que, como o nome sugere, reúne os conceitos de atacado e varejo em uma única operação. É o segmento que mais cresce no comércio brasileiro. “O atacarejo, originalmente voltado apenas para os pequenos comerciantes, também atingiu em cheio o consumidor final, especialmente aqueles com famílias grandes”, diz Rubens Batista Júnior, sócio da consultoria KF e ex-presidente do Makro. Especialistas estimam o faturamento do Atacadão em R$ 15 bilhões, ou seja, mais da metade da renda do Carrefour no País.
 
No último semestre do ano passado suas vendas aumentaram mais de 11%, enquanto o Carrefour registrou queda de 3%. O Carrefour tem hoje cerca de 160 lojas – número que deve permanecer estável nos próximos anos –, enquanto o Atacadão já está em 80 e pretende abrir 40 novas unidades nos próximos dois anos. Trata-se de um salto e tanto para uma empresa que teve um início modesto no início da década de 1960 em Maringá, no Paraná, e seguiu sob controle familiar até ser vendida. Nenhum executivo do grupo Carrefour concedeu entrevista à DINHEIRO. No entanto, a revista ouviu, sob compromisso de sigilo, funcionários do grupo, ex-colaboradores, empresários concorrentes e especialistas em varejo para conhecer os planos e os segredos da empresa.
 
Dessa forma, a reportagem apurou que o comandante da internacionalização do Atacadão será o executivo gaúcho José Roberto Müssnich, que deixou a presidência da empresa por um escritório na filial do grupo, em Paris, de onde irá supervisionar as operações, que serão feitas sob a bandeira Carrefour Maxi. Após uma experiência-piloto na Argentina e na Colômbia, o modelo do Atacadão será implantado em países como Marrocos, Índia e Indonésia. A primeira loja do projeto será marroquina e sua inauguração está prevista para este mês. Entre os diretores do Atacadão, o receio é de que a substituição de Müssnich pelo holandês Gerard Scheij – ex-presidente da rede de supermercados GBarbosa – signifique uma mudança na cultura de negócios do grupo, considerada como sua principal vantagem competitiva.
 
“O Müssnich era pouco alinhado com o Luiz Fazzio (presidente do Carrefour Brasil)”, diz um executivo que acompanhou as negociações. “Se o Carrefour mudar a rota do Atacadão, vai perder um diferencial gigantesco.” Essa rota bem-sucedida do Atacadão tem seu início no baixo custo de operação. As lojas são espartanas, com pouco conforto. O ar-condicionado é quase imperceptível, a iluminação é precária, há menos funcionários e os serviços são mais simples. Os caixas só aceitam cartão de débito ou dinheiro, evitando o pagamento de taxa pelos cartões de crédito ou o risco de inadimplência dos cheques. Os produtos são acomodados em estrados e os mais altos da pilha são recolhidos por empilhadeiras que circulam entre a clientela.
 
No total, a operação de uma unidade chega a ser 70% mais barata do que a de um hipermercado. A disciplina com gastos também se estende à gestão. “O Carrefour precisa de 70 diretores para fazer o que realizávamos com três pessoas”, brinca Farid Curi, um dos antigos proprietários do Atacadão. A postura rígida se manifesta a todo momento. É comum, por exemplo, que durante viagens de negócios pelo interior os principais executivos do grupo fiquem hospedados em motéis baratos, ao lado da equipe de vendas. Quando procura terrenos para novas unidades, o time do grupo entrega cartões de visita em branco, para evitar que a imobiliária  ou próprio vendedor descubra quem é o comprador e jogue o preço para cima.
 
O relacionamento com os fornecedores, criado ao longo das décadas, traz mais vantagens. “O Carrefour sempre espreme os fornecedores, eles ficam brigando por causa da margem”, relata um especialita do segmento. “O Atacadão trabalha de modo mais amigável.” Com um mix menor de produtos nas prateleiras (no máximo dez mil itens, contra a média de 60 mil dos hipermercados), é possível comprar quantidades maiores de cada um deles. “Muitas vezes os representantes do Atacadão aceitam uma margem menor, deixam os fornecedores felizes e ganham na quantidade”, afirma o especialista. O resultado disso tudo é um preço bem mais em conta do que nos super e hipermercados.
 
Para um público majoritariamente da classe C, um custo 15% a 30% menor é o fator decisivo na escolha do local das compras. Como os alimentos representam 80% das vendas, a estratégia do Atacadão é forçar uma queda ainda maior no preço da cesta básica; com a propaganda boca a boca, o público é atraído para dentro da loja, onde também acaba consumindo outros itens menos em conta. Assim, especialmente em cidades do interior do País, se tornaram comuns visões como a relatada por um funcionário da empresa, que testemunhou excursões às lojas de até 20 ônibus lotados de clientes. “Eles rodaram por 500 quilômetros para fazer suas compras”, diz. O preço baixo é justamente um dos motivos pelos quais o modelo do Atacadão foi escolhido para ser exportado.
 
Afinal, os destinos são mercados formados por consumidores de baixo poder aquisitivo e que não dispõem de benefícios como 13º salário ou cesta básica no fim do ano. “A diferença no preço final será determinante para o sucesso”, diz Márcio Roldão, sócio-diretor da consultoria Avention. O grande desafio mesmo será fazer as adaptações corretas. Os costumes, a religião, o padrão de consumo, tudo é diferente nesses mercados. Por exemplo, quando começou a atuar na Colômbia, a equipe encarregada de implantar o Atacadão percebeu que precisava fracionar os produtos em unidades muito menores do que no Brasil, seguindo a cultura local. Assim, foram lançados pacotes com 100 gramas de arroz e latas com 100 mililitros de óleo.
 
O problema será ainda maior agora. Na Indonésia, por exemplo, quase 90% da população é islâmica, com seus consequentes reflexos na venda de produtos como álcool e carne. Um funcionário da empresa de atacarejo se mostra confiante: “Quando o Atacadão entra em algum lugar, fica igual a uma minhoca: com a cara da terra”, brinca. “A empresa sabe como criar relacionamento com fornecedores e com os produtos locais, se integrando à comunidade.” No Rio Grande do Sul, por exemplo, nos mastros colocados à frente de cada loja, está hasteado o pavilhão do Estado, em vez  da bandeira do Brasil. Detalhes como esse ajudaram a companhia a conquistar o mercado gaúcho, considerado um dos mais seletivos do País – Casas Bahia e Magazine Luiza,  por exemplo, nunca conseguiram emplacar operações bem-sucedidas nos Pampas.
 
 Mesmo sem levar em conta o sucesso da empreitada no Exterior, os resultados do Atacadão se destacam ainda mais quando comparados ao momento difícil do g rupo Carrefour. No ano passado, as vendas ao redor do mundo foram de € 91,5 bilhões, alta de apenas 0,5% sobre 2010. Na França, seu principal mercado, houve queda de 1,2%. O anúncio dos resultados finais será feito no próximo dia 8, e os seguidos alertas emitidos pela empresa deixaram pessimista o mercado, que espera um recuo de até 20% em seu lucro. O anúncio da troca do atual presidente, o sueco Lars Olofsson, pelo francês Georges Plessat – terceiro CEO em três anos – não ajudou a melhorar as previsões. O pano de fundo para os problemas do Carrefour é a crise que atinge os hipermercados no mundo.
 
Com as mudanças no perfil do consumo na última década – menos tempo gasto dentro das lojas, menor fidelização e compras mais frequentes e com tíquetes menores – os hiper passaram a sofrer com a concorrência de outro tipo de loja – os chamados comércios de bairro – pelo cliente de classe média. São empórios,  padarias e açougues bem localizados, perto do local de trabalho ou da casa do consumidor. “Eles conhecem o cliente pelo nome, proporcionam um atendimento personalizado e até um acabamento melhor dos produtos”, diz o consultor Roldão, da Avention. Também surgiram outros competidores, como os canais online, de venda direta, e, mais recentemente, de redes sociais. “O modelo de negócio dos hiper precisa ser reinventado”, afirma Batista Júnior, ex-presidente do Makro. “O mundo da década de ouro do Carrefour, dos anos 1990, já não existe mais.”
 

Veículo: Isto É Dinheiro


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