Nova forma de cobrança de ICMS eleva preços, reclamam empresários

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Embora teoricamente seja uma mera antecipação de tributo sem qualquer repercussão na carga de impostos, a substituição tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Estado de São Paulo está sendo apontada por empresas e alguns segmentos como responsável por preços mais altos e queda nas vendas. 

 

Ampliada nos últimos seis meses para novos setores, como material de construção, alimentação, higiene pessoal, cosméticos e limpeza, a substituição é uma forma de arrecadação do ICMS que busca evitar a sonegação no varejo. O imposto que seria pago em cada uma das etapas de comercialização é antecipado pela indústria. Para isso, o fabricante recolhe o imposto do atacadista e do varejista aplicando uma estimativa de margem de lucro (estabelecida pela Secretaria da Fazenda) que seria agregada ao produto até a venda ao consumidor final. 

 

Estimativas de margens muito altas, portanto, podem distorcer o valor da mercadoria. O setor de material de construção diz que é exatamente isso que tem acontecido com o material elétrico, atualmente com margem média de 35%. Isso, segundo Claudio Conz, presidente da Associação dos Revendedores de Material de Construção no Brasil (Anamaco), está gerando elevação de 4,5% nos preços dos produtos elétricos. 

 

Os fabricantes de produtos de higiene pessoal e cosméticos alegam que a mudança afetará o crescimento do setor. "Desde 1996 crescemos acima de 10% ao ano. Em 2008, vamos ficar em 9% ou até menos", afirma João Carlos Basílio da Silva, presidente da Abihpec, que reúne as indústrias do setor. Maior fabricante mundial de cosméticos, a L´Oréal credita à substituição tributária a desaceleração das vendas no país. A indústria diz que o novo regime resultou no encarecimento dos cosméticos da marca, que chegaram a subir até 50% sobre os preços de 2007. No balanço do primeiro semestre, a companhia francesa afirma que, no Brasil, "as vendas estão melhorando, mas continuam freadas pela aplicação de uma nova lei tributária para produtos cosméticos no Estado de São Paulo". 

 

O setor de alimentação fora de casa também se considera atingido. Na rede Giraffas, que vende refeições rápidas, o maior impacto foi nos molhos e na mistura para sorvetes de máquina. Esses dois itens chegaram para os franqueados com elevação de 10% e 60%, respectivamente. A alta na mistura para sorvetes deverá resultar em aumento de preço para o varejo, informa o diretor-executivo da rede, Cláudio Miccieli. 

 

A Secretaria da Fazenda de São Paulo defende o regime de substituição tributária e diz que as margens aplicadas para o cálculo do imposto antecipado têm sido calculadas com base nos estudos encomendados pelas próprias entidades que representam cada um dos setores envolvidos. A Fazenda, diz, porém, que já estuda soluções para algumas distorções pontuais apresentados por alguns segmentos .

 

A grande divergência entre a Fazenda e as empresas está no estabelecimentos da margens. No setor de cosméticos existem dois índices para o cálculo do ICMS antecipado. Desodorantes, creme dental, xampus e outros cosméticos de uso cotidiano ficaram com 38,90%. Os demais (perfumes, maquiagem, esmaltes, hidratantes e condicionadores de cabelo) ficaram com 71,60%. 

 

"Esse percentuais são altos demais", diz Carlos Marques, diretor-comercial da rede de drogarias Onofre. As farmácias são hoje responsáveis por 10% das vendas de cosméticos. "Até parece que, se compro um produto por R$ 100, vendo por R$ 180 ou R$ 171,60, com uma margem tão alta. Na verdade vendo por R$ 130 e acabo pagando imposto como se fosse por R$ 171", afirma. Segundo o executivo, as margens altas forçaram a rede a diminuir sua margem de lucro nas unidades de São Paulo. "Tivemos de absorver esse custo a mais porque não há como fazer repasse. O consumidor não aceita e pára de comprar." A rede, que também tem lojas em Belo Horizonte, no Rio de janeiro e em Porto Alegre, deixou de fazer promoções nas lojas paulistas. Isso não acontece em outros Estados. "A alíquota que em São Paulo é 71%, em Minas Gerais é no máximo de 60%." 

 

O setor de material de construção pretende resolver este mês o que também considera uma margem muito alta para os materiais elétricos. Esses produtos, diz Cláudio Conz, presidente da Anamaco, ainda estão com margem média cinco pontos percentuais acima do realmente praticado pelo varejo. A situação nos primeiros 60 dias em que a substituição entrou nos materiais de construção, lembra, foi pior. "A margem média era de 45% e a elevação nos preços chegou a 8%." Agora o setor encomendou nova pesquisa para solicitar à Fazenda a reavaliação de margens. 

 

Um dos grandes problemas detectados no setor está nas lojas de materiais de construção que pagavam ICMS pelo Supersimples. Esse sistema permite aos micro e pequenos recolher não só tributos federais como também o ICMS com base num percentual aplicado ao faturamento. Aderindo ao programa, parte dessas empresas pagavam, na prática, uma alíquota menor do imposto estadual. Com a substituição, as micro e pequenas compram as mercadorias com o ICMS já recolhido pela indústria e acabam pagando o imposto pela alíquota geral, perdendo o benefício do Supersimples. As micro e pequenas representam hoje 78% do faturamento do varejo de materiais de construção na região metropolitana da capital paulista. 

 

Conz diz, porém, que muitos dos pequenos têm contornado essa situação alterando a grade de produtos. "Muitos estão aumentando a participação de mercadorias que não estão na substituição, como o material de decoração, por exemplo." 

 

Nem todas as micro e pequenas, porém, têm flexibilidade para alterar os produtos comercializados. É o caso das franquias, que seguem modelos pré-estabelecidos de negócios. Na rede de alimentação Giraffas, por exemplo, 80% dos franqueados distribuídos em 17 Estados são pequenas empresas. "Não somos contra a substituição, mas é preciso muita cautela. Hoje ela é uma pressão adicional sobre o preço dos alimentos", declara o diretor executivo da rede. 

 

A substituição também têm afetado o fluxo de caixa de indústrias paulistas com vendas significativas a outros Estados. É o caso da Perfumes Dana do Brasil, subsidiária da New Dana Perfumes Corporation, com sede nos Estados Unidos. "Desde fevereiro, quando a lei entrou em vigor, já acumulamos R$ 3 milhões em créditos que não sabemos quando vamos recuperar", afirma Rodolfo Sinardi, presidente da empresa. A companhia, como produtora, adianta para o Estado o ICMS de toda a cadeia de circulação do produto. No entanto, como a maior parte dos clientes da produtora de cosméticos está fora do Estado de São Paulo, o pagamento adiantado do ICMS nessas operações gera um crédito que demora para ser ressarcido. 

 

A antecipação do ICMS também afetou empresas no Rio, Estado que mantém acordos de substituição com São Paulo. Edison Arnaud, sócio da indústria de cosméticos e produtos de limpeza Suissa, conta que a antecipação de ICMS gerou aumento de custos financeiros entre 2% e 3%, pois foi preciso recorrer a bancos para pagar o imposto antes de receber dos clientes. 

 


Fazenda nega que regime provocou reajuste

A Secretaria da Fazenda de São Paulo defende o regime de substituição tributária e nega qualquer associação entre a antecipação de ICMS e a alta de preços. O coordenador de administração tributária da Fazenda paulista, Otávio Fineis, diz que as margens para o cálculo do ICMS por substituição são estabelecidas, para todos os setores, com base nas pesquisas de preços encomendadas pelas próprias entidades que reúnem as empresas Se há qualquer distorção, diz ele, isso se deve à "incompetência das entidades de classe que encomendam as pesquisas". 

 

Fineis lembra que a virtude da substituição é combater a sonegação no varejo. "Quem não pagava imposto está tendo que pagar agora." Ele não acredita que a ampliação do regime esteja elevando preços. "As maiores altas de preços indicadas pelos institutos de pesquisa não estão nos produtos que entraram na substituição tributária. E não houve nenhum instituto que associou qualquer aumento de preços à substituição", diz. 

 

Fineis diz que vários dos pleitos das empresas já chegaram à Fazenda e, para alguns deles, estuda-se uma solução. Um deles trata da substituição tributária na mistura para sorvete para o setor de alimentação. Fineis lembra, porém, que essa substituição foi adotada por São Paulo em razão de protocolo do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Ou seja, a margem estabelecida para o produto só pode ser modificada via Confaz. Fineis diz, porém, que recebeu vários pedidos para revisão no caso do sorvete e que solicitou a apresentação de dados técnicos. "São Paulo deve levar o assunto para a próxima reunião do Confaz." 

 

Ainda no setor de alimentação, Fineis diz que a Fazenda estuda uma solução para a substituição estabelecida por São Paulo nos molhos. Ele explica que isso afetou a carga de ICMS dos restaurantes, já que esse segmento recolhe o imposto com base em um percentual do faturamento. O imposto pago a mais sobre os molhos, portanto, não gera crédito para os restaurantes. O coordenador diz que a Fazenda já planeja para o início de 2009 algumas mudanças no ICMS do setor e que a questão dos molhos também poderá ser solucionada. "Mas isso também poderá ser resolvido antes." 

 

Outra boa notícia é para as empresas que estão com acúmulo de créditos em função da venda para outros Estados. Fineis disse que o governo enviará até o início de setembro um projeto de lei que permitirá deslocar, em alguns casos, o recolhimento do ICMS antecipado da indústria para os atacadistas, o que deverá evitar o acúmulo de créditos. Ele lembra que a Fazenda tem concedido regimes especiais para empresas com problemas semelhantes e o instrumento tem sido concedido a empresas de todo o porte. Ele admite que algumas empresas do Supersimples tiveram aumento de carga tributária. "Essa situação, porém, é um extremo. No outro, com certeza outras empresas se beneficiaram." (MW)

 

Veículo: Valor Econômico


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