Copom cunha expressão nova para indicar longa estabilidade da Selic

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Em rápida reunião com decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) resolveu interromper o ciclo de cortes na taxa básica de juros e mantê-la em 8,75% ao ano, conforme indicou na ata da reunião anterior e já era esperado pelo mercado. Com isso, o Banco Central encerra uma série de cinco cortes consecutivos, iniciada em janeiro, período em que o governo reduziu a Selic em cinco pontos percentuais para fazer frente à retração da economia brasileira.

 

A decisão de manter os juros inalterados agora, segundo a nota do BC, tem dois motivos principais. Primeiro, exatamente pela flexibilização monetária já executada ao longo do ano. A perspectiva é de que, mesmo com a interrupção dos cortes, a redução já feita na Selic ainda tenha efeito positivo para o crescimento econômico nos próximos meses.

 

Outro motivo importante, segundo a nota, é "a margem de ociosidade dos fatores produtivos", ou seja, a folga que as indústrias têm em capacidade instalada para atender as demandas atuais. Segundo a ata da reunião anterior, o governo já vinha monitorando o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), que mostrava em maio ligeira recuperação em relação aos números anteriores, chegando a 79,4%. Em agosto, segundo a FGV, que calcula o dado, o Nuci saltou para 81,3%, ante 79,8% em julho.

 

O Copom prevê que "esse patamar da taxa básica de juros é consistente com um cenário inflacionário benigno, contribuindo para assegurar a manutenção da inflação na trajetória de metas ao longo do horizonte relevante". Com essa explicação bastante enfática, o BC também pode ter dado um recado ao mercado de que novas elevações da taxa básica não estão no horizonte curto.

 

O Copom cunhou uma nova expressão - "horizonte relevante" - para sinalizar a sua intenção de preservar a Selic em 8,75% por um longo período de tempo. E, com isso, reduzir a inclinação positiva da curva futura de juros. Qual é o tamanho desse "horizonte relevante". Por ser bem longo. Há uma grande possibilidade de as reuniões do Comitê se transformarem em rituais burocráticos enfadonhos. Apesar de a estrutura a termo da taxa de juros enxergar monstros a cada esquina - tanto que o DI ainda embute o risco de a Selic subir três pontos percentuais no ano que vem -, cresce entre os analistas mais respeitados do mercado a visão de que o juro básico poderá ficar estável em 8,75% até o fim de 2010. "Subir juros, se necessário, deverá ser tarefa para o próximo presidente", diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Para ele, a curva futura, que sugere o início de subida da Selic no segundo semestre de 2010, parece muito mais influenciada por risco fiscal e político do que por algum fato concreto relacionado à demanda.

 

Para a MB, apenas no fim do ano que vem o hiato do produto poderá vir a ser um problema. Em 2008, o hiato cresceu durante muito tempo antes de se tornar um problema efetivo para a inflação, a ponto de o BC só começar a subir a Selic em abril. E o hiato já estava em desequilíbrio desde 2007. "Com esse hiato projetamos um núcleo de inflação de 4,4% no final do ano que vem, com tendência de estabilidade e não de subir", prevê Vale. Por isso, o BC tem amplo espaço para a Selic imóvel até o final do ano que vem. Isso porque a consultoria ainda nem considera a ajuda da taxa de câmbio apreciada e a tranquilidade esperada em preços de alimentos.

 

No entender do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, não teria sentido o BC surpreender o mercado e fazer outro movimento que não o de manutenção, uma vez que não deu nenhuma indicação de que a interpretação da ata referente à reunião passada feita pelo mercado estava errada e os dados não justificariam uma surpresa nessa direção. A grande pergunta do mercado agora é: já que se está diante de interrupção na trajetória de queda dos juros, qual será a o caminho a ser percorrido pela política monetária daqui para frente? Na visão de Leal, como, pelo cenário traçado anteriormente, parece claro que o próximo movimento será de alta, a grande questão é: quando ela irá acontecer. "Olhando simplesmente para a política monetária como sendo as taxas de juros e sendo o fechamento uma condição necessária para se proceder um aperto monetário, um bom alvo poderia ser o terceiro trimestre de 2010", responde Leal. Apesar desse alvo, o economista acredita que o Copom não fará uma elevação antes do fim de 2010. Por dois motivos.

 

O primeiro é mais subjetivo e tem relação com o calendário eleitoral, uma vez que existe uma "regra de ouro" implícita para os banqueiros centrais de que não se deve mexer nas taxas de juros em períodos próximos das eleições, para não aumentar a volatilidade de um período normalmente mais volátil. Em segundo, porque o próprio BC já garantiu recentemente que a utilização dos compulsórios bancários foi a principal arma contra a falta de liquidez no pior momento da crise, quando foi liberado quase R$ 100 bilhões. "Antes de aumentar os juros, talvez o BC pense em reverter parte dessa injeção", diz Leal. Assim como no caso dos EUA onde se espera que antes da elevação das taxas ocorram reversões nas políticas de "quantitative easing", o BC deve tomar outras medidas de aperto monetário antes de seguir a trajetória de aumento da Selic.

 

A economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, não vê pressões inflacionárias em 2010. Por isso, acredita na manutenção do atual patamar de juro básico também ao longo do próximo ano. "Mas já começamos a discutir uma possível alta da Selic em 2011, especialmente por conta de uma política fiscal exageradamente expansionista", diz a economista..

 

De acordo com ranking dos maiores pagadores de juros reais do mundo, elaborado pelo Valor Data, com a decisão de ontem o Brasil ocupa a sexta colocação, com taxa acima da inflação de 4,37%, e atrás da Islândia (7,32%), Croácia (6,11%), Letônia (5,97%), Hungria (4,82%) e China (4,72%).

 

Veículo: Valor Econômico


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