Modernidade com apoio até da crítica conservadora

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O fato de ser uma marca conhecida e ter um ícone em seu portfólio não pode, nos dias de hoje, fazer com que uma vinícola se acomode. Mais do que nunca o lema "vamos em frente que devagar vem gente" faz sentido num setor como o do vinho, em que novas técnicas constantemente aparecem e, em particular, os hábitos dos consumidores mudam. A ciência é fazê-lo sem perder as raízes. Foi o que fez a Fundação Eugênio de Almeida, instituição que em seu braço vitivinícola produz os rótulos Cartuxa e Pêra-Manca, duas legendas do Alentejo e de Portugal como um todo.


 
O vinho é uma das principais fontes de recursos para que a Fundação, criada em 1963 pelo Engenheiro Vasco Maria Eugênio de Almeida, consiga levar em frente as funções educativas e sociais que sempre o moveram. Para tanto, a vinícola tem que acompanhar a evolução do mercado. A decisão de se modernizar partiu da própria administração da instituição, que, só pela sua composição, não pode ser considerada de demasiada avançada. 

 

Seu conselho é composto por cinco membros, todos com profundas ligações com a cidade de Évora, onde o fundador concentrou boa parte de suas preocupações humanitárias: o arcebispo, que o preside, um representante da universidade local, um delegado do Instituto de Teologia da cidade, e duas pessoas ligadas a sociedade, no caso um major reformado e o empresário Henrique Granadeiro, até recentemente presidente da Portugal Telecom. 

 

A bem da verdade as mudanças se faziam necessárias, a começar pela Adega da Cartuxa, parte de um antigo convento do século XVI que, apesar de reformado, tinha área reduzida e não suportava mais as adaptações necessárias à nova realidade da vinícola. Além do mais estava afastada dos principais vinhedos da propriedade, o que obrigava o transporte das uvas passar pelo perímetro urbano de Évora - dos 300 hectares pertencentes à Fundação (tem mais 100 hectares alugados), apenas 17 hectares rodeiam a adega. 

 

Partiu-se, então, para a construção de um novo centro de vinificação, localizado na Herdade de Pinheiros, fonte principal dos cachos que originam a gama superior dos vinhos da Fundação Eugênio de Almeida, que se concretizou em 2007. Com a nova proposta assumiu uma nova equipe, comandada por José Mateus Ginó, tendo como enólogo-chefe Pedro Baptista, que já trabalhava na vinícola. 

 

Por mais que os bons resultados atestem a competência desse grupo, fica aqui uma menção ao condutor do projeto Cartuxa desde seu início nos anos 80, o professor Francisco Colaço do Rosário, um dos grandes responsáveis pela afirmação do Alentejo vitivinícola na década de 70. Mesmo divergindo em alguns pontos, Colaço do Rosário permaneceu na função, lutando bravamente contra a doença que o levaria a falecer no inicio deste ano. 

 

A idéia de mudar o perfil dos vinhos da Fundação pedia também alguém que tivesse uma visão mais internacional, o que levou a direção à procura de algum consultor não português. Dois foram contatados, um espanhol, que não mostrou grande entusiasmo, e Michel Rolland, o mais badalado e reconhecido profissional da área. Apesar de estar numa fase de reduzir clientes - estava dispensando os que não lhe davam satisfação - Rolland mostrou-se abertamente receptivo (ele me disse, em 2006, que gostou da gente, do projeto, do potencial dos vinhos e das uvas que não conhecia). 

 

Firmada a parceria, ainda deu tempo de Michel Rolland acertar a mescla final do Pêra Manca 2003, considerado por boa parte da (conservadora) crítica portuguesa como o melhor até então produzido. Talvez fosse. Foi, em todo caso, ultrapassado pelo recém comercializado 2005, ainda mais elegante, vivo, profundo e bem definido. Aqui, as velhas cubas de madeira foram substituídas por tonéis de carvalho de 3000 litros, o estágio foi encurtado e houve ligeiras mudanças no processo de vinificação, com maceração pós-fermentativa mais prolongada. No 2007, já com a nova adega em funcionamento, pode-se esperar algum ganho a mais, com a fermentação em modernas cubas tronco-cônicas. 

 

A propósito, o nome Pêra-Manca deriva de "pedra manca" ou "pedra oscilante", dada a uma formação granítica existente na região, perto de Évora. A história do vinho Pêra Manca remonta ao século XV, mas foi em meados de 1800 que ele se tornou mais sofisticado, conquistando vários prêmios internacionais. Logo em seguida o vinho deixou de ser produzido em razão da filoxera, praga que destruiu os vinhedos da Europa. 

 

Os históricos nome e rótulo foram oferecidos à Fundação Eugênio de Almeida por um descendente da Casa Soares, proprietária e produtora do vinho no passado. A Fundação, que já produzia com sucesso o Cartuxa, honra o nome destinando a ele as melhores uvas e o melhor vinho elaborado com elas. Mesmo com esta seleção, o vinho só é engarrafado em safras que possibilitam obter um tinto - tem também a versão em branco, menos rigorosa - merecedor do nome Pêra Manca. O primeiro Pêra-Manca dos tempos modernos foi da safra de 1990, seguindo-se 1991, 1994, 1995, 97, 98, 2001, 2003 e agora o 2005. 

 

Não foi só o Pêra-Manca que evoluiu. O Cartuxa Reserva 2005 cresceu nitidamente, e mesmo o Colheita 2006, a despeito de uma safra inferior, apresenta progressos. A novidade, fora os rótulos que foram redesenhados e ficaram mais "limpos" - o Pêra Manca mantém o desenho no rótulo, mas perde o colorido "naïf" -, fica por conta do Scala Coeli, tinto elaborado a partir de 2006 com castas não alentejanas. A rigor, aquela que melhor se comportar no ano, o que, na estréia, implicou num corte de cabernet e merlot, já no mercado, e num 100% syrah em 2007. 

 


veículo: Valor Econômico


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