Coca-Cola usa seu ícone contra a crise

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A Coca-Cola é a marca mais valiosa do mundo - US$ 66,6 bilhões -, conforme ranking elaborado pela consultoria internacional Interbrand. Alcançar esse feito certamente exige uma estratégia de marketing muito bem alinhada nos diferentes mercados em que atua.

 

O responsável direto por esse trabalho no Brasil é Ricardo Fort, diretor de marketing da Coca-Cola. Para esse engenheiro pós-graduado em marketing, crise é, efetivamente, um momento de investimento. "Passamos por todas as crises econômicas deste e do século passado, pois sempre tivemos uma fábrica nos países mais afetados", resume. É nessas horas em que a empresa expande sua distribuição, compra novas marcas ou destina mais recursos para comunicação, logística e opções de novas embalagens.

 

Outra arma importante para atravessar períodos de turbulência é adotar uma estratégia de embalagens que contemple diferentes perfis de públicos, explica o executivo.

 

Gazeta Mercantil - Quais as medidas tomadas pela Coca-Cola no Brasil para driblar a crise financeira internacional?
No geral, a situação é, obviamente, complicada. Mas estamos numa situação diferente da maioria do mercado. A Coca-Cola passou por muitas crises ao redor do mundo. Isso nos ensinou muita coisa sobre o comportamento do consumidor na crise. Temos meios de fazê-lo continuar gostando, tendo acesso e consumindo Coca-Cola independentemente do momento econômico.

 

Gazeta Mercantil - Como isso se traduz no Brasil?
Com uma estratégia de embalagens diferentes. Isso significa acertar a embalagem adequada para cada tipo de consumidor, em cada momento, onde ele estiver. Temos embalagens de 3 litros para o Natal e temos latinhas de 200 ml. São 28 opções. Essa inteligência de colocar um conjunto de embalagens em cada ponto de venda, a um preço adequado, é o que nos faz passar por momentos econômicos difíceis sofrendo menos que os concorrentes. Se um consumidor comprava antes R$ 3,50 e hoje só tem R$ 3,00 no bolso, preciso ter na sua próxima compra uma opção de Coca-Cola que custe os R$ 3,00 que ele possa pagar. Na crise, é fundamental flexibilidade, inteligência de mercado e a embalagem.

 

Gazeta Mercantil - Como a empresa se posiciona num contexto desse tipo ?
Temos a crença de que os momentos de crise são os mais importantes para investir. É quando nos diferenciamos mais. Quando todo mundo tira dinheiro do mercado, a Coca-Cola está comprando linha de produção, aumentando a frota de distribuição, investindo mais em marketing. E é exatamente nessas horas que as pessoas precisam mais das marcas que dêem segurança, que relembrem a elas que existem coisas boas, independentemente do resto.

 

Gazeta Mercantil - A companhia tem a intenção de ir às compras no Brasil?
Os investimentos do sistema Coca-Cola Brasil foram de R$ 1,5 bilhão este ano e em 2007 foram de R$ 1,3 bilhão. Mas não temos a intenção, pelo menos que eu saiba. Compramos a Leão Junior, a Del Valle recentemente e já estamos bastante ocupados com essas marcas. O nosso objetivo é que sejam líderes em seus segmentos.

 

Gazeta Mercantil - Que posição o Brasil ocupa nos negócios da corporação?
Somos o terceiro mercado em volume. A operação no país cresce há 18 trimestres consecutivos. Crescemos 7% no último resultado, frente à América Latina, que cresceu 8% e o total do mundo, que foi de 5%. O país foi considerado a melhor operação da Coca-Cola no mundo há dois anos. Mas o fato de estarmos em terceiro lugar nos dá uma série de benefícios - a matriz nos apoiou muito nas últimas aquisições - e também muita pressão e responsabilidade. Se o Brasil fosse mal - e ele não vai mal -, afetaria o resultado global como um todo.

 

Gazeta Mercantil - A Coca-Cola certamente é uma grande marca. Há quem diga, no entanto, que o produto, se não tivesse essa formulação, também seria um grande sucesso, devido ao poder do marketing da Coca-Cola. Quais são os preceitos para tornar e manter essa marca forte no Brasil?
Eu discordo da colocação. Acho que dificilmente você verá uma marca bem-sucedida que não tenha um produto bom, especial, diferente. Temos vários concorrentes que gastam tanto ou mais que a Coca-Cola e ninguém conseguiu conquistar o mesmo lugar no coração das pessoas. Não por sua longevidade. Mas porque o que tem dentro da garrafa é tão importante quanto o que tem fora. Ninguém consegue copiar o sabor de Coca-Cola. E isso faz com que ela seja única.

 

Gazeta Mercantil - Sim, mas boa parte desse esforço reside na comunicação.
Também na comunicação a Coca-Cola é única. Quando todo mundo estava falando de guerra, estávamos falando de paz. A história da Coca-Cola é marcada por momentos. Outras marcas falam "eu conheço você, e você é assim". E a comunicação mostra alguém parecido com o consumidor. No caso de um adolescente, mostra um adolescente; no caso de uma mãe, apresenta uma mãe. O que fizemos, em toda a nossa história, foi falar o que achamos da vida. E as pessoas se identificam com o que mostramos.

 

Gazeta Mercantil - Como está estruturada a estratégia da marca Coca-Cola no Brasil?
Isso dá margem para umas oito horas de conversa. Um dos maiores desafios é falar com adolescentes. A Coca-Cola tem que ser relevante para um adolescente de hoje e para o adolescente de amanhã. E essa comunicação deve estar sempre fresca, sempre relevante para uma faixa etária que muda muito rápido.

 

Gazeta Mercantil - Por quê?
Tem a questão do padrão do desenvolvimento de consumo. Por exemplo, as coisas que você gosta numa certa fase da vida, quando está definindo o que é importante para si mesmo. Não só em termos de consumo, mas em valores também. Portanto, nessa fase é importante que sejamos muito claros sobre o que representamos e que o façamos de uma maneira relevante para as pessoas. A idéia é que essa seja uma relação para levar para uma vida toda. Por isso, há um esforço muito grande para fazer coisas diferentes e falar com o jovem de uma maneira diferente. Temos, ainda, que ter em mente que o nosso concorrente não é outra bebida. Concorrente é qualquer marca de qualquer categoria de produto que ocupe espaço no coração das pessoas, seja ela de bebida ou não bebida. Os nossos principais concorrentes são marcas de material esportivo e de produtos eletrônico. São nossos concorrentes enquanto marcas. Temos que ser mais relevantes para esse adolescente e mostrar para ele que a Coca-Cola pode trazer mais coisas de valor para a vida dele do que qualquer outra marca.

 

Gazeta Mercantil - Como se dá isso?
Temos um cuidado com o formato para produção, por exemplo. Usamos muito a linguagem de jogos eletrônicos, muita animação, os filmes nunca são pequenos. Dizem respeito a coisas que mostram um lado da vida diferente, mais legal, mais otimista ou mais bonito. Trabalhamos muito a grandiosidade.

 

Gazeta Mercantil - O que é grandioso para a Coca-Cola?
Um exemplo foi o filme Fábrica da Felicidade. Foi feito pelos mesmos estúdios que fazem as animações de Hollywood. É uma produção de 3,5 minutos que conta uma história mágica em animação dentro de uma máquina de Coca-Cola. Temos feito isso muito também por meio da comunicação digital, que é uma das áreas que mais cresceram nos últimos tempos. Outro aspecto fundamental para trabalhar com esse público é travar um diálogo ao invés de apenas enviar mensagens. O cerne está na interatividade. É uma questão de como eles se relacionam com a marca, como interferem na marca. Essa é uma das áreas em que mais crescemos nos últimos anos. Temos hoje uma estrutura dedicada de oito pessoas que trabalha só para isso.

 

Gazeta Mercantil - Seria importante dar um exemplo do que o senhor considera que seja algo "novo".
Tem um programa chamado Estúdio Coca-Cola Zero, que é uma parceria com a MTV. É uma produção de uma série de shows para os quais convidamos dois artistas de gêneros diferentes para tocarem juntos. Por exemplo, a Vanessa da Matta e o Chorão do Charlie Brown Jr. tocando juntos. Um é skatista roqueiro e a outra é MPB. O que a maioria das outras marcas faria é produzir esse show e colocar no ar. A Coca-Cola, além disso, criou em paralelo uma série de atividades on-line no site da Coca-Cola Zero. Obviamente reproduzindo trechos do que tinha passado na TV, no site e nos seus nos blogs. Por exemplo, criamos um reality show no site. Pegamos um fã de uma banda e um fã da outra banda. Fazíamos cada um participar do show do outro artista. Veiculamos esses vídeos no site. A idéia toda por trás é passar a mensagem de que as pessoas devem deixar de ter preconceito. Como o que levava você a achar que não era possível existir uma Coca-Cola com sabor e zero de açúcar.

 

Gazeta Mercantil - A companhia também tem um trabalho na área digital, com ações com Google, Microsoft e Nokia. Como essas parcerias se encaixam na estratégia?
Temos uma parceria com a Microsoft. Seu comunicador, o Messenger, está no site da Coca-Cola. No nosso site, por exemplo, além do conteúdo de música dos shows do Estúdio Coca-Cola Zero, criamos um aplicativo com o GoogleMaps. Por meio dele, é possível marcar os seus lugares favoritos, colocar as suas fotos. Há uma comunidade enorme de pessoas no nosso site e com isso você pode se encontrar, deixar o seu perfil ali. As pessoas recebem informação, mandam informação. Tudo conectado com Orkut, com FaceBook, com os lugares onde eles vão. E aproveitamos os eventos proprietários de Coca-Cola e outros conteúdos e colocamos todo esse material à disposição, seja no site, seja em celulares. Nosso trabalho aqui é fazer com que a tecnologia funcione para isso, que distribua esse conteúdo para tudo quanto é aparelhinho que os adolescentes quiserem. Fizemos uma parceria com a Nokia que já carrega no celular o conteúdo do Estúdio Coca-Cola Zero.

 

Gazeta Mercantil - Isso certamente traz uma série de complicações. Como a empresa administra questões polêmicas dentro do site?
Aprendemos que não se deve fazer controle prévio. As pessoas, se quiserem, vão escrever qualquer barbaridade. Mas o próprio grupo que está ali - e escolheu estar ali porque gosta de Coca-Cola -- censura quem entra lá para fazer isso. Mas se é uma mensagem muito agressiva, pegamos depois. Acompanhamos o site e a tiramos do ar. A quantidade de problemas é muito baixa.

 

Gazeta Mercantil - Qual a avaliação do senhor sobre a internet como ferramenta de marketing?
Se você for ao Orkut, há comunidades de Coca-Cola que reúnem mais um milhão de pessoas. São comunidades muito grandes, baseadas em Coca-Cola. Ali é um ambiente livre. Acompanhamos, olhamos, lemos para entender o que eles estão falando. Mas nunca interferimos. É um território livre. Acho que as marcas não devem interferir nesse ambiente. Mesmo que fosse permitido ou aceito. Na prática, o Orkut é uma fonte de informações ótima. Usamos como fonte pesquisa para entender o que estão falando, pensando e como reagem. Ao colocarmos uma campanha no ar, procuramos saber como nos enxergam. Essas comunidades servem como um termômetro, um ambiente de laboratório.

 

Gazeta Mercantil - Mas os desafios do marketing da Coca-Cola não se resumem aos adolescentes. Como tem sido o desempenho no Brasil com os demais públicos?
Temos jovens, adultos e mães, por exemplo, que são outros públicos muito importantes. Temos alguns bons sinais de eficiência. Investimos muito menos em comunicação que outras marcas - algumas investem dez vezes mais -, mas, quando pesquisamos a lembrança e a preferência, a Coca-Cola está sempre no topo da lista. Isso se dá mês após mês. Estamos em primeiro lugar, segundo lugar, atrás de marcas que investem muito mais do que nós. É sensacional. Temos um resultado melhor, gastando menos.

 

Gazeta Mercantil - E como se dá a abordagem com esses públicos?
As mães são obviamente referência, ditam as regras, controlam o acesso ao produto. É um público muito importante. Aqui temos feito promoções. Uma grande parceria nesse sentido é com a Avon e está em seu quarto ano. É preciso colecionar tampinhas e enviar R$ 10,90. Assim, ela recebe um brinde da Avon e outro da Coca-Cola. Este ano são tuperwares decorados em três cores e tem três produtos de beleza - um creme hidratante, um protetor solar e um brilho labial. A mãe escolhe qual é o potinho de plástico que prefere e qual o produto da Avon que deseja. Já distribuímos mais de 20 milhões de prêmios e brindes nesses quatro anos.

 

Gazeta Mercantil - Dá para dizer que a comunicação com esse segmento é baseada principalmente em promoções?
Tem também televisão, que é a forma prioritária para esse público. Sempre associamos as mensagens às refeições. E todos os anos também apostamos na campanha de Natal. Isso ocorre desde a década de 1930, quando a Coca-Cola contratou o artista Sundblom para desenvolver um Papai Noel que resultou nesse velhinho do jeito como o conhecemos hoje: baixinho, gordo e simpático. O Natal no hemisfério Norte sempre foi muito importante porque é - depois do verão - outro pico de vendas. E a marca mais associada ao Natal é a Coca-Cola. Ela sempre está à mesa, na refeição, com tudo mundo a redor. Temos, no Brasil, os caminhões iluminados que circulam as cidades tocando música de Natal. E as árvores de Natal que os fabricantes doam às cidades. É uma época de consumo muito grande, quando há o maior estresse da estrutura de logística no ano inteiro. A estrutura de logística para garantir isso é um espetáculo à parte.

 

Gazeta Mercantil - Como é a estratégia para se relacionar com os jovens adultos?
Eles são jovens universitários ou no começo de sua vida profissional. São irreverentes, gostam de futebol. Portanto, temos campanhas centradas em futebol. Uma, muito engraçada, foi o concurso em que se perguntava quem jogava melhor, se Maradona ou Biro-Biro. E o Biro-Biro ganhou... por um voto! Claro, foi uma brincadeira. Mas esse é o tipo de abordagem que esse público gosta: bom humor, futebol, irreverência. A chance de ter assunto para falar com outros. A linguagem é debochada, pois nessa fase as pessoas gostam de brincadeiras.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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