Vinhos: Muitas emoções com uma magnum e suas irmãs maiores

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Há umas duas semanas, o grupo de degustação do qual faço parte - eu preferiria chamar de grupo de amigos que se reúne periodicamente para beber vinhos mais ou menos seriamente - se juntou na casa de um dos membros com a solene finalidade de abrir uma "Imperial" (garrafa de 6 litros) de Château Mouton Rothschild 1985. O fato de provar o sempre sedutor Mouton 85 - para mim, junto com Cheval Blanc e Margaux, os melhores bordeaux da safra - já é, por si só, um momento de prazer e respeito; compartilhar uma garrafa desse porte é motivo de festa e excitação, com direito a toda sorte de prelibações.

 

Formatos grandes, caso do magnum (o correspondente a duas garrafas normais, ou 1,5 litros), double magnum (três litros), jeroboam (equivalente a três ou 4,5 litros, dependendo da região), imperial e outros ainda maiores, dão outra dimensão à ocasião. É de se imaginar que a reação de convivas reunidos em volta da mesa não é a mesma quando se colocar uma magnum ou duas garrafas de 750 ml do mesmo vinho. 

 

Com efeito, além de menos comuns, vinhos acondicionados em garrafas de maior volume tendem a ser de melhor qualidade, que se destinam, a princípio, a consumidores mais exigentes. Tal suposição faz sentido, uma vez que, em fugindo do padrão, exigem uma partida especial, prática pouco recomendável a vinícolas direcionadas a vinhos mais comerciais. Estas por outro lado, apostam em meias-garrafas (375 ml), formato bem aceito em restaurantes, política que produtores de primeira linha, caso dos grandes châteaux de Bordeaux, como o Mouton Rothschild, se recusam a adotar. 

 

A questão não está em elitizar e focar níveis de consumidores diferenciados. Há uma razão maior para tal decisão. É que, ao contrário dos vinhos de volume, rótulos nobres têm bom potencial para envelhecer, e a evolução da bebida ao longo do tempo varia em função do volume do vasilhame. Numa primeira análise, quanto menor esse volume, mais o vinho é sensível a desaforos, caso de movimentações, transportes e variações de temperatura. Só por aí, meias-garrafas devem, preferencialmente, ser consumidas num curto prazo. 

 

Ainda que todas as precauções sejam tomadas comprova-se na prática que vinhos em formatos maiores dão resultados melhores, e a "imperial" de Mouton 85 mais uma vez deixou isso bem evidente - o vinho estava mais inteiro, vivo, com todos seus componentes integrados, um conjunto bem superior àqueles provados nos últimos tempos em garrafas normais. 

 

O fato não tem explicação científica conclusiva. A mais plausível talvez seja aquela que associa o fenômeno ao volume de oxigênio contido na garrafa, basicamente o espaço entre o vinho e a rolha. Esta quantidade de ar, que interage com os componentes do vinho, é, proporcionalmente ao líquido, muito maior na meia-garrafa, decrescendo à medida que cresce o recipiente. Quanto mais ácidos, componentes fenólicos e aspectos frutados compuserem o vinho desde seu início - são função da casta, do terroir, da safra e do processo de elaboração - mais interações haverá entre todos estes compostos e mais gratificantes serão com o passar do tempo na garrafa. Significa, também, que as diferenças são perceptíveis no médio e longo prazo. 

 

A propósito, taninos e matérias corantes, conhecidas como antocianos, são as formas mais correntes de fenóis, e é um dos principais preservantes dos vinhos tintos. Estes e outros elementos continuam a interagir, formando compostos cada vez mais complexos, que após alguns anos perdem solubilidade, precipitando-se na forma de sedimentos. Não por acaso, vinhos tintos de boa qualidade, com a idade perdem cor e ficam mais macios ao paladar - a matéria corante e os taninos se depositam e formam a chamada borra no fundo da garrafa. Em contrapartida, ganham toda uma gama de nuances na boca e no nariz - passam a constituir o que se conhece verdadeiramente como buquê (ou seja, não se usa o termo buquê para vinhos jovens) ao invés de simples aromas. 

 

No que se refere a vinhos brancos, é principalmente a acidez que trabalha como defensor, papel que os taninos desempenham nos tintos em sua longa jornada. Nessa função, os ácidos são ajudados pelo (bom) extrato que o vinho tiver. Ainda assim, como não têm a mesma força que os componentes fenólicos presentes nos tintos, os vinhos brancos, na média, têm menos capacidade para envelhecer na garrafa. Dentro do tema, vinhos doces, caso do Sauternes, Tokaji, trockenbeernauslese alemães e austríacos, doces da Alsácia e do Loire a base de uva chenin blanc, e outros, que se diferenciam dos demais pela ação do fungo nobre botrytis cinérea - são denominados vinhos botrytizados, podem durar décadas. 

 

Se a prática comprova que uma limitada quantidade de oxigênio aprisionado na garrafa contribui beneficamente para o vinho, ela mostra também que existe uma proporção volume de ar/volume de vinho ideal. E isso se dá na magnum. Garrafas normais evoluem mais rápido que o desejável, e em recipientes de maior capacidade o desenvolvimento é lento em demasia, impedindo um andamento favorável das interações entre os diversos componentes. 

 

Vale o mesmo para champagnes, com mais um reforço. Até 2001, quando uma lei regulamentou o processo, as garrafas dos espumantes mais celebrados do planeta que fugiam do padrão de 750 ml, não tinham, necessariamente, sua segunda fermentação - o método clássico, ou antes chamado champenoise, obrigatório na região - no próprio recipiente. Via de regra, os borbulhantes locais comercializados em formatos magnum e acima dele, eram elaborados a partir da soma do conteúdo de garrafas normais, abertas com tal objetivo. A partir de então desde a meia-garrafa até a double magnum devem ser produzidas integralmente dentro do método tradicional. 

 

A despeito da ressalva que formatos grandes, como a inesquecível imperial de Mouton 85- perdem em termos de evolução para a magnum, é bom lembrar também da dificuldade de armazenar, servir, decantar (e tem que ser em várias vezes, porque não há decanter para tais volumes) e manter na temperatura -, não há dúvida que, é tentador ter algumas. Até pelo orgulho de vê-las na adega e a impressão que causam quando abertas. Mostra acima de tudo generosidade. Diante disso a recomendação é ter, de cada vinho (que mereça tanto), uma imperial, uma jeroboam (para um pouco menos gente), duas double magnuns (idem), várias magnuns, para serem saboreadas no seu apogeu, e outras tantas garrafas normais para acalmar um pouco nossa impaciência. Afinal, somos humanos.  (Jorge Lucki)

 

Veículo: Valor Econômico


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