Novas regras para cartões destravam competição no setor

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Marcada para 31 de outubro, a próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) vai ser acompanhada pelo mercado de cartões como quem espera decisão de campeonato de futebol. Depois de a medida provisória que deu ao Banco Central poder de supervisionar e regular todo o setor de meios de pagamento eletrônicos finalmente ter virado lei (Lei 12.865), em 9 de outubro, é no encontro do CMN que a autoridade monetária poderá emitir suas primeiras regras oficiais para o segmento, segundo esperam executivos ouvidos pelo Valor. Em seguida, no seminário de inclusão financeira, entre 4 a 6 de novembro em Fortaleza, o BC deve detalhar as medidas.


A partir disso, por exemplo, administradoras de cartões e credenciadoras (que fazem a captura do meio de pagamento no varejo) que estavam fora do escopo regulatório do BC, passam para o guarda-chuva institucional da autarquia e poderão ser liquidadas extra-judicialmente, como ocorre hoje com bancos e administradoras de consórcios.


Pelo menos um caso recente mostrava a necessidade de uma vigilância mais próxima sobre a área de meios de pagamento: o da administradora de cartões do banco PanAmericano (hoje Pan). A empresa, que não era uma subsidiária do banco, respondeu por cerca de R$ 400 milhões do rombo de R$ 2,5 bilhões registrado no então banco do grupo Silvio Santos. Na época, comentou-se que a área de cartões teria registrado como receita própria os recursos vindos do pagamento das faturas dos cartões pelos clientes.


Em conversas com interlocutores e em relatórios sobre a indústria de pagamentos, o Banco Central vem dando pistas sobre o que deve constar nas regras. Primeiro, a ideia de que a regulação do mercado será feita em etapas, começando por condições mais genéricas, separadas por assunto. A primeira delas "dará condições mínimas para a operacionalização das novas competências conferidas ao BCB e para a recepção, pelo mercado, desses novos conceitos, obrigações e direitos", escreveu o BC no Relatório de Estabilidade Financeira divulgado há cerca de um mês.


Embora soe como burocrática, essa é uma etapa importante do processo e deve destravar a entrada de novas empresas no segmento de meios de pagamento no Brasil. Principalmente de empresas não bancárias dispostas a atuar nesse universo, a exemplo do que fazem hoje a PayPal, PagSeguro ou a Acesso, uma emissora de cartões pré-pagos. Sem uma legislação específica, essas empresas, por capturar recursos de terceiros, corriam risco de ser enquadradas em leis de crime de colarinho branco, ao praticar atividade exclusiva de banco sem a devida licença. Até a publicação da lei, contavam apenas com pareceres jurídicos para operar.


"De dois anos para cá, o volume que tivemos de consultas, de pedidos para montar sistemas, de perguntas de estrangeiros querendo entrar no mercado de pagamentos brasileiro foi absurdo. Esperamos que agora, com a lei, essas operações deslanchem", afirma Ricardo Russo, sócio da área bancária do escritório de advocacia Pinheiro Neto. "Vai mudar todo o mercado, que vai precisar ser mais aberto aos participantes que não são bancos", afirma Bruno Balduccini, também do Pinheiro Neto.


A autoridade monetária também é signatária dessa visão. "Esse novo ambiente [regulatório], mais transparente e seguro, tem potencial para atrair novos participantes com capacidade para prestar serviços de boa qualidade para a população, inclusive aquela parcela que hoje não tem acesso aos serviços financeiros básicos", afirmou o BC no relatório sobre Pagamentos de Varejo e Canais de Atendimento, divulgado na semana passada.


A regulação também deve deixar claro quais os regimes de tributação e os procedimentos a serem adotados para criação dessas empresas - desde o capital mínimo a requisitos de governança. A própria autoridade afirma que a regulamentação sobre elas deve ser mais "leve" quando comparada à das instituições financeiras.


Pela lei, as instituições de pagamento (nome que o BC usa para classificar essas empresas) já estão sujeitas, assim como os bancos, a regimes de liquidação extra-judicial pela autoridade monetária caso apresentem problemas. Uma vez estabelecidas as regras de como funcionarão as instituições de pagamento, o BC deve convocar as que já atuam no setor no Brasil para que se apresentem e formalizem o seu funcionamento.


O Banco Central também tem afirmado, tanto em âmbito público como em conversas reservadas, que o seu desejo de maior competição no setor tende a não se estender à regulação de preços. Embora o texto aprovado na lei lhe confira poderes para tanto, essa possibilidade não está no radar imediato do BC. "Vamos ver se o mercado, por si só, não é capaz de chegar no ponto ótimo de preços", afirmou recentemente Mardilson Fernandes de Queiroz, chefe-adjunto do departamento de regulação do Sistema Financeiro do BC.


Para Marcelo Noronha, presidente da associação do setor de cartões (Abecs), o modelo brasileiro de regulação deve envolver "compromissos morais" firmados entre os participantes do mercado e o regulador, a exemplo do que foi feito em outros países. "Há mercados em que as instituições financeiras se movimentaram e firmaram compromissos morais com o regulador para afastar a necessidade de uma canetada", afirma.


Por Felipe Marques | De São Paulo



Fonte: Valor Econômico (21.10.2013)


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