A greve dos entregadores por aplicativos

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''O desafio das proteções surge quando um mesmo entregador atende a vários restaurantes por meio de uma plataforma digital''

 

Foi uma greve histórica. Organizada por whatsApp, como a dos caminhoneiros em 2018. Os pleitos são os mesmos: melhores condições de trabalho, melhor remuneração por entrega e por quilômetro rodado, mais proteção contra acidentes, doenças, etc. Esse embate terá de ser resolvido entre as partes. Mas como garantir proteções de maneira mais ampla para quem trabalha dessa forma?

 

Quando um restaurante tem a sua equipe de entregadores fixos, não há problema. Todos devem ser contratados como empregados, sendo cobertos pelas proteções trabalhista (CLT) e previdenciária (INSS). A situação que se ajusta perfeitamente ao vínculo empregatício, por se referir a uma relação de subordinação entre um empregador e seus empregados, com pessoalidade, continuidade, subordinação, assalariamento.

 

O desafio das proteções surge quando um mesmo entregador atende a vários restaurantes por meio de uma plataforma digital. Nesse caso, há vários tomadores de seus serviços (restaurantes). O entregador é livre para trabalhar de forma contínua ou descontínua, com total liberdade. Não há subordinação entre ele e os restaurantes. A plataforma digital também pode variar. Com ela, também, não há relação de subordinação e trabalho contínuo.

 

Por essa razão, são inaplicáveis as proteções da CLT. Mas os motoboys que entregam refeições (e outros bens) precisam de proteção. Como protegê-los? Temos de buscar novas formas. No caso dos que trabalham sem vínculo empregatício, as proteções devem estar atreladas às pessoas e não aos empregos, como ocorre com a CLT. Eles precisam de proteções customizadas e que tenham portabilidade.

 

Desse modo, mesmo mudando de tomadores dos serviços (restaurantes, no caso), eles carregam consigo as referidas proteções, bem diferente das garantias da CLT, que estão atreladas ao emprego. Exemplo: tem direito a seguro desemprego quem teve emprego.

 

A busca de proteções customizadas e portáteis tem sido a marca das leis que vêm sendo cunhadas nos países avançados. Mesmo assim, há controvérsias. Quando os casos são levados ao Poder Judiciário, as sentenças variam. Algumas reconhecem vínculo empregatício do trabalho subordinado, outras, não. Assim ocorre, também, nos tribunais brasileiros.

 

Mas, no Brasil, há uma semente interessante para proteger pessoas que trabalham por conta própria para vários tomadores de serviços. Refiro-me ao programa dos Microempreededores Individuais (MEIs). Em troca de contribuição modesta (menos de R$ 60 por mês), eles adquirem um CNPJ com acesso a linhas de crédito e desfrutam das proteções do INSS: licenças por doença, acidentes, gravidez; aposentadoria por idade e por invalidez; pensão por morte e auxílio-reclusão.

 

Muitos trabalhadores por aplicativos já são MEIs. É solução que garante as principais proteções. E, no que tange à saúde, o Brasil possui o SUS, que atende todos os brasileiros gratuitamente. O uso do MEI parece-me mais promissor do que forçar o enquadramento dos profissionais autônomos nas regras dos empregados subordinados convencionais, como pretendem projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.

 

Insistir no vínculo empregatício da CLT, além de inadequado, pode levar os tomadores de serviços (restaurantes) e plataformas de aplicativos à falência, porque os custos de contratação de empregados convencionais são insuportáveis para os seus negócios — ultrapassam a casa dos 100% do salário nominal. Em suma, a greve abriu um processo de pressão que deve redundar em melhorias para os entregadores por aplicativos. Mas temos de pensar mais longe e definir proteções mais gerais e de longo prazo.

 

JOSÉ PASTORE – Professor da Universidade de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras, é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP

 

Fonte: Correio Braziliense – 03/07/2020.


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