Repatriação: próximos passos

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Passada a euforia e angústia de todo imbróglio para regularização de ativos mantidos no exterior, finalizado em 31 de dezembro de 2016, vale agora entendermos os porquês e os passos seguintes que deverão ser atendidos.

Para melhor compreensão da origem e finalidade do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct), teremos que observar o trinômio “político­jurídico­econômico” não apenas em âmbito nacional, mas também internacional.

 

Muito se sabe que a tendência internacional converge em transparência e conformidade, por meio da globalização de comportamentos e padrões. Ainda não perfeito, mas em construção, o novo modelo precisa ser digerido, pois, por mais doloroso que aparente ser, em não­ tão ­longínqua escala temporal, trará resultados positivos.

 

Assistência mútua

 

O Rerct, no clamor internacional, foi resultado da convergência de normas globais visando à transparência e ao combate à evasão fiscal, trabalho dirigido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 

Sobre os trabalhos promovidos pela OCDE, a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, ratificada pelo Brasil no segundo semestre de 2016, traz como objetivos a cooperação e o combate à evasão tributária, à ocultação de ativos e à lavagem de dinheiro. Por meio do intercâmbio de informações, possibilitará a assistência administrativa tributária entre os países que aderirem a essa convenção, com a fiscalização mútua e, quando couber, o auxílio na cobrança de tributos.

 

Cooperação com os EUA

 

Além dessa iniciativa para enfrentar os riscos à conformidade tributária gerados pelos paraísos fiscais, paralelamente, há grande movimentação dos Estados Unidos da América por intermédio do Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca).

 

Em 2015, Brasil e Estados Unidos firmaram acordo intergovernamental para melhoria da observância tributária internacional e implementação do Fatca, acordo este realizado também entre EUA e dezenas de outros países. Pontualmente, o acordo tem como principal objetivo o compartilhamento de informações bancárias de pessoas físicas ou jurídicas brasileiras com conta aberta nos EUA e vice­versa.

 

Regularização de ativos

 

A despeito do contexto internacional, o Rerct, em âmbito nacional, foi necessário à economia como forma de incrementar as receitas dos cofres públicos frente à precariedade da arrecadação e ao déficit orçamentário. Sem delongas para não se tornar redundante, o volume de arrecadação previsto traria certo alívio às contas públicas.

 

Nesse contexto, a Lei nº 13.254, de 2016, que dispõe sobre o Rerct, em linhas gerais, possibilitou a declaração de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no país.

 

Houve forte adesão de pessoas físicas mantenedoras, diretamente, de ativos no exterior, com correspondência maçante de valores em instituições financeiras em países como Suíça e Estados Unidos, além de ilhas caribenhas.

Outro destaque foram as complexas estruturas societárias, em sua grande maioria localizadas no Panamá, quer fossem offshores, trusts ou fundações, com a necessidade de apontar o real e efetivo beneficiário dos ativos.

 

Os residentes ou domiciliados no Brasil em 31 de dezembro de 2014 poderiam participar da regularização de ativos, com a consequente anistia dos crimes contra a ordem tributária, crime de sonegação fiscal e crime de “lavagem de dinheiro”.

 

Nota­-se a duplicidade de natureza jurídica da lei, por, ao mesmo tempo, tratar de aspectos tributários e penais. Assim, grande foi a preocupação dos declarantes em estarem em conformidade não apenas com suas obrigações tributárias junto à Receita, mas, principalmente, se esquivarem de qualquer acusação de cunho penal.

 

Para efetivar a adesão ao Rerct, deveria o declarante arcar, a título de imposto sobre a renda, o montante de 15% dos recursos, bens ou direitos existentes em 31 de dezembro de 2014. Além disso, teria o valor da multa correspondente a 100% do imposto de renda apurado, ou seja, valor totalizado também em 15% do saldo na referida data.

 

A Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat), destinada à Receita, protegida pelo sigilo fiscal e marco fundamental para concretizar a adesão ao programa, apresentava de modo pormenorizado a descrição dos recursos, bens ou direitos. Apontando inclusive a existência ou não de interposta pessoa, normalmente cônjuge ou algum familiar.

 

Para concretizar as obrigações adjacentes, os recursos bens e direitos deveriam também ser informados ao Banco Central por meio da declaração retificadora da Declaração de Bens Estrangeiros no Exterior (DCBE), sem a aplicação de quaisquer sanções por atraso e, incluídos em retificadora da Declaração de Ajuste Anual (Declaração de IR). Tanto para o ano calendário de 2014 (exercício 2015) quanto o de 2015 (exercício 2016).

 

Desse modo, a partir a adesão ao programa, houve a remissão dos créditos tributários decorrentes do descumprimento de obrigações, a redução total das multas de mora e a redução dos encargos legais diretamente relacionados aos bens e direitos mantidos no exterior até 31 de dezembro de 2014. Ademais, foram excluídas também a multa pela entrega extemporânea da DCBE.

 

Nesse contexto, todos os ativos outrora remetidos e mantidos no exterior sem a devida observância dos procedimentos legais, com a Rerct, passaram a ser considerados lícitos para fins penais e tributários.

Isso quer dizer que, todo aquele participante do programa, a partir de então, poderá movimentar os recursos, bens ou direitos, sem qualquer hesitação. Desde que o faça por intermédio de instituições financeiras autorizadas a funcionar no Brasil e operar no mercado de câmbio.

 

Recursos no exterior

 

Alguns declarantes optaram por manter os recursos no exterior, muito inseguros com a situação política e econômica de nosso país. Outros dissolveram suas estruturas societárias, por arcarem com grossas fatias em taxas de administração e, ainda, alguns encerraram suas contas no exterior e trouxeram todos os ativos para o Brasil, pela facilidade de manuseio.

 

Após cumprida a etapa de regularização dos ativos, algumas observações a respeito do futuro são essenciais. A primeira delas diz respeito às informações apresentadas nas obrigações acessórias, tais como declaração do IR, especialmente de pessoas físicas, e DCBE.

Isso quer dizer que, em relação ao ano calendário 2015 e seguintes, faz­se necessário apurar o imposto devido sobre a movimentação dos recursos no exterior, quer como ganho de capital quer como rendimentos.

 

Também, no programa de Declaração de Ajuste Anual, de preenchimento anual, os ativos mantidos no exterior deverão ser informados, com sua manutenção, inclusão ou exclusão, ou seja, deve ser informada a movimentação de cada ativo.

 

Sendo assim, no caso dos ativos mantidos diretamente por pessoa física, deve­se, por um lado, observar os rendimentos e até mesmo a variação da carteira com a venda de ativos ­ particularmente os juros e o ganho entre os valores de compra e de venda do ativo ­, e declará­los no programa específico de Ganho de Capital em Moeda Estrangeira (GCME) no mês de sua ocorrência.

 

Por outro lado, no caso das estruturas societárias, por se tratar de distribuição de dividendos, as pessoas físicas beneficiárias deverão apurar o imposto correspondente, mensalmente, por meio do Carnê­Leão.

Em relação à DCBE, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, também a partir do ano­calendário 2015, deverão, anualmente, declarar os ativos mantidos no exterior.

 

Troca internacional

 

Outra observação sobre os impactos da regularização dos ativos no exterior diz respeito, principalmente, à troca de informações bancárias internacionais.

Como anteriormente comentado, a partir deste ano, haverá a troca automática de informações bancárias. As autoridades brasileiras, além das informações apresentadas pelas Declaração de IR e DCBE, terão como fonte todo o material apresentado pelas instituições financeiras. Isso gera um alerta para, não apenas os ativos mantidos no exterior em 31 de dezembro de 2014 sejam declarados e regularizados, mas também os decorrentes nos anos posteriores.

 

Foi dada a largada para a corrida pela informação. Aqueles que aderiram ao programa de regularização cambial e tributária, já conquistaram o troféu, bastando apenas seguir as ordens do treinador e fornecer informações às entidades interessadas relativas aos anos consecutivos. Os que, por ventura, não fizeram sua inscrição, deverão ficar atentos à nova competição, com o provável novo programa de repatriação.

 

 

Fonte: Valor Econômico (27.01.2017)


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