Novo CPC altera rotina de Advogados, mas ainda causa incertezas

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Depois de um ano de vacatio legis, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) entrou em vigor nesta sexta-feira (18/3). Porém, nem o longo período para adaptação nem todas as discussões foram suficientes para esclarecer as inovações trazidas pela lei.

Para tentar se preparar para a chegada do código, os escritórios de advocacia investiram em cursos, treinamentos e debates. Entretanto, ainda há muitos pontos que só serão esclarecidos agora, com o código em vigor. Porém, há questões do novo CPC que já causam impacto na rotina dos escritórios de advocacia. 

Um desses pontos é a contagem do prazo processual. O artigo 219 do novo CPC estabelece que “na contagem de prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. 

 

No escritório Machado Meyer Advogados, a preparação para esta novidade começou antes mesmo do código entrar em vigor. Diante da dúvida sobre qual dia marcaria a validade do novo código, a banca adotou uma postura bastante conservadora, antecipando todos os atos possíveis para a semana passada.

Outro ponto em que o escritório tem se precavido trata da citação. No novo CPC, depois de o réu ser citado, terá uma audiência de conciliação para só depois ser aberto o prazo para a apresentação da defesa. No antigo CPC, o prazo já era aberto diretamente logo que o réu fosse citado. 

 

A advogada Glaucia Coelho explica, no entanto, que há casos em que a citação foi enviada pelos Correios antes de entrar em vigor o novo CPC, mas o réu receberá depois. Por isso, como não é possível saber se o juiz vai considerar válido o novo CPC (quando o réu recebeu a citação) ou o antigo (quando a citação foi postada), o escritório adotou como padrão utilizar o prazo do CPC de 1973. "Se o juiz entender que vale o novo CPC e terá uma audiência de conciliação antes de abrir o prazo, ótimo. Mas, na dúvida, preferimos adotar essa posição conservadora e não sermos pegos de surpresa", afirma.

Outro ponto que impacta diretamente o escritório diz respeito ao controle de questões que são discutidas ao longo do processo. O novo CPC acabou com os agravos retidos, que permitiam a interposição de agravo a cada decisão interlocutória. Agora, todas as questões tratadas nessas decisões devem ser abordadas de uma vez na sentença.

 

"Neste quesito, estamos sendo ainda mais conservadores. Agora, o advogado precisa estar muito mais atento às questões decididas ao longo do processo para que, no momento correto, possa abordar cada uma. É preciso um controle detalhado disso, pois é possível que exista um intervalo até superior a um ano entre uma decisão interlocutória e a decisão final", explica Glaucia Coelho.

Os advogados do escritório têm enfrentado ainda uma grande dificuldade em relação ao cadastro de empresas previsto no novo CPC. Nesse caso, a questão não está na lei, mas na falta de regulamentação.

 

De acordo com o artigo 246 do novo CPC, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. As únicas que não precisarão fazer esse cadastro são as microempresas e empresas de pequeno porte.

O código, porém, entrou em vigor e até o momento não houve uma regulamentação sobre isso. "Estamos alertando os clientes que, como não há regulamentação, isso ainda não será aplicado", diz Glaucia. 

 

Audiência de conciliação

Ricardo Maffeis Martins, do Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), conta que para conseguir atualizar os mais de 300 advogados que integram a banca sobre as mudanças do novo CPC foi necessário criar uma estratégia que contou com videoaulas e debates.

Com ajuda de professores do Centro de Estudo Avançado de Processo (Ceapro), foram gravadas 18 videoaulas sobre os temas principais, seguidas de debates. O material está disponível para os integrantes da banca, e mais discussões são feitas mensalmente com os novos advogados. Esse material também serviu para ajudar os advogados de departamentos jurídicos de empresas de clientes.

 

Nessas discussões, as questões sobre os procedimentos foram as mais debatidas. "Temos uma mudança já na petição inicial, na qual agora tenho que indicar se tenho interesse na audiência de conciliação. Além disso, não posso mais pedir ao juiz que arbitre o valor dos danos morais. Há uma série de mudanças que precisam ser incorporadas", conta Maffeis. Segundo ele, para auxiliar os integrantes do escritório, a banca criou modelos novos de peças, já com todas as exigências do novo CPC.

Outro ponto que teve um impacto direto no escritório foi a audiência de conciliação obrigatória (artigo 334). Para Maffeis, o procedimento irá atrasar a sentença, além de aumentar os custos dos escritórios e dos clientes. 

"O cliente que tem uma expectativa de 2 mil causas por mês, o que é comum em uma empresa de telefonia, por exemplo, terá dificuldade e mais custos devido a essas audiências", explica.

 

Falta de estrutura

Apesar da previsão no novo CPC, a audiência de conciliação exige dos escritórios uma estrutura que eles ainda não possuem. O professor Luiz Dellore, um dos que colaboraram com as aulas no Lee, Brock, Camargo Advogados, aponta que essa falta de estrutura faz com que alguns juízes cogitem não aplicar a lei.

Dellore tem feito palestras e cursos sobre o novo CPC tanto em empresas quanto em escritórios. Segundo ele, essa audiência inaugural tem sido um ponto de desconforto em todas elas, especialmente para os escritórios que atuam regionalmente ou nacionalmente. "Se há uma comarca a 800 km da minha sede, como vou mandar um advogado para lá?", questiona o professor levantando uma hipótese.

 

"A primeira perplexidade é que isso aumenta os custos em um momento de crise econômica. Além disso, fica a dúvida sobre se isso será efetivamente aplicado. Surge a dúvida se o escritório deve aumentar ou não sua esquipe para atender a todas as audiências. Preocupação semelhante tem as empresas. Reforço minha equipe se há dúvidas se isso será aplicado?"

O professor destaca que essa dúvida deve levar em consideração ainda as diferenças entre os estados. Pode acontecer de alguns não aplicarem esse dispositivo e outros sim, e o escritório que atua em mais de uma localidade ter dificuldades para se adequar a isso. Ele observa ainda que há a possibilidade da audiência ser feita por meio eletrônico, por videoconferência. No entanto, não são todos os tribunais que têm essa tecnologia e estrutura.

 

É preciso enfrentar

No Peixoto & Cury Advogados, a preparação dos advogados para enfrentar o novo CPC começou antes mesmo da Lei 13.105 ter sido aprovada e publicada. Quando ainda era um projeto, o escritório, divido em grupos, já se debruçava sobre ele para estudar as mudanças. Além disso, depois que a lei foi aprovada, os advogados fizeram cursos, e o escritório convidou professores para falar sobre pontos específicos.

"Não adianta polemizar se é bom ou ruim. O código está aí e temos que trabalhar nele", afirma Ana Luísa Porto Borges, sócia da área cível da banca. Ela lembra que o incentivo do novo código à conciliação exige tanto do advogado quanto do cliente uma mudança de cultura, em que é preciso buscar mais essa alternativa e menos o conflito.

 

Para a advogada, um dos pontos que mais impactam a vida do advogado é a questão dos precedentes, uma vez que o novo CPC impõe que as cortes devem valorizar isso. Para Ana Luísa, será mais difícil para o advogado saber exatamente o que o tribunal irá considerar como precedente e como o advogado fará para demonstrar ao juiz que o seu caso não é igual aos já decididos. Segundo ela, agora os advogados precisam estar sempre atentos às novas súmulas e decisões das cortes superiores.

Ana Paula afirma ainda que há um ponto positivo na lei: o fim do "copia e cola", tanto para juiz quanto para advogado. "Era comum o advogado que pegava a sua peça e reproduzia na apelação, repetindo os mesmos argumentos sem se preocupar em atacar a sentença. Agora, o novo CPC veda isso ao exigir a fundamentação. O advogado agora terá que realmente enfrentar os argumentos da sentença. Isso exige uma maior preocupação com as peças."

 

Demandas repetitivas

Tiago Asfor Rocha Lima, sócio do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados Associados, conta que sua banca tem feito reuniões semanais para discutir o novo CPC. Tudo é coordenado por ele, que foi um dos integrantes da equipe de criou o projeto do novo CPC. Além das discussões, professores também têm sido chamados para falar sobre pontos específicos. O resultado, segundo ele, é positivo: "Tem sido muito produtivo, e os advogados têm se sentido mais seguros para trabalhar com o novo CPC".

De acordo com Rocha Lima, em seu escritório o novo CPC impacta em dois prontos principais. O primeiro, a audiência de conciliação que exige uma capacitação dos advogados para conscientizar os gestores de seus clientes de que terão que trabalhar com essa cultura da conciliação. 

 

O segundo ponto trata do incidente de resolução de demandas repetitivas, ou IRDR, previsto no artigo 976 do novo CPC. O objetivo é unificar as decisões sobre uma determinada questão em um mesmo tribunal. "Por se tratar de um instituto novo, na prática ainda não é possível saber como afetará o Judiciário. Não sabemos efetivamente se o IRDR vai contribuir ou não para uniformizar o julgamento das questões repetitivas", diz Rocha Lima.

A técnica de julgamento criada pelo artigo 942 do novo CPC também deve gerar problemas para as cortes, na opinião do advogado. De acordo com esse dispositivo, no julgamento da apelação, do agravo de instrumento ou da ação rescisória, se não se obtiver unanimidade, será ele suspenso e prosseguirá apenas com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, até então obtido antes da suspensão.

 

"É um instituto novo e que vai gerar alguns problemas para as cortes. Toda vez que isso acontecer, será necessário parar um julgamento para chamar mais dois colegas para compor aquelas sessões, obstruindo os trabalhos regulares do tribunal. Ao criação dessa sistemática foi um dos pontos que o código pecou", conclui.

 

Sustentação oral e outras questões

Já Renato de Mello Almada, do Chiarottino e Nicoletti Advogados, ressalta a importância que o novo CPC deu para a sustentação oral feita por advogados. “É importante destacar a maior abrangência das hipóteses que permitem a sustentação oral nos julgamentos colegiados, em segundo grau. A ferramenta é de extrema importância, quando bem utilizada. A otimização dos julgamentos demanda que a sustentação oral, para ter a eficácia que se pretende e em razão da qual se justifica sua utilização, seja objetiva para chamar a atenção dos magistrados aos pontos relevantes da discussão”, afirma.

Para a advogada Lara Lobo Costa, do Nelson Wilians e Advogados Associados, uma importante novidade do CPC é o instituto do amicus curiae (artigo 138), possibilitando a participação ativa da sociedade, por meio dos representantes de seus órgãos representativos, como terceiros, que não integram os polos ativo e passivo das demandas.

 

"Sua atuação não deve ser em favor de qualquer das partes litigantes, mas sim em prol do melhor esclarecimento das teses defendidas, com precedentes na jurisprudência, e principalmente sua repercussão no meio social em que a decisão judicial repercutirá, afinal, é o amigo da corte", explica.

O advogado Eduardo Vital Chaves, do Rayes & Fagundes Advogados Associados, já prevê que a aplicação dos 1.072 artigos, além de milhares de incisos e parágrafos, criará várias dúvidas e polêmicas, que apenas serão sanadas conforme a vivência e a jurisprudência. “A nova lei impactará a forma de litigar e até mesmo o bolso das partes envolvidas no processo”, finaliza ele. 

 


Quadro–Fontes: Chiarottino e Nicoletti Advogados, Rocha, Marinho e Sales Advogados Associados e Rayes & Fagundes Advogados Associados

*Texto atualizado às 19h09 do dia 18 de março de 2016.

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico (18.03.2016)


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