Norma da Receita pode afetar blindagem de sócios ocultos

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A Receita Federal passou a exigir que as sociedades em conta de participação (SCP), comuns no setor imobiliário, passem a ter CNPJ, embora sejam consideradas sem personalidade jurídica. Porém, com a medida, advogados temem que essas sociedades, hoje blindadas, possam ser responsabilizadas por dívidas tributárias, trabalhistas, entre outras de negócios que participam.

 

As SCPs são formadas pelo sócio ostensivo, que assume a responsabilidade do negócio, e os investidores, que entram nessas sociedades como sócio participante - anteriormente denominado sócio oculto. Esse sócio não tem responsabilidade perante terceiros, exclusiva do sócio ostensivo, segundo previsão do artigo 991 Código Civil. Contudo, com a nova obrigação de instituir o CNPJ, prevista na Instrução Normativa da Receita Federal nº 1470, de maio, especialistas acreditam que a exigência poderá abrir a possibilidade de responsabilização dos sócios participante, antes protegidos.


A nova medida também poderá gerar dificuldades para os empreendimentos, que adotam esse tipo de sociedade, em relação às novas regras de contabilidade e também nas declarações de obrigações acessórias.


Segundo o advogado Edison Fernandes, do Fernandes, Figueiredo Advogados, ao ser efetuado o registro no CNPJ, a SCP se tornaria pública e, com isso, poderia haver o risco de alargar a responsabilidade jurídica dos sócios participantes. Essa responsabilidade seria não só em matéria tributária, mas em qualquer relação contratual. "Contudo essa interpretação seria ilegal, pois contraria o que dispõe o Código Civil", diz.


Para Fernandes, o Fisco já tinha conhecimento da existência desse sócio participante na declaração de Imposto de Renda, ao tratar do recebimento de lucros, por isso não haveria razão para a exigência do CNPJ. "Com essa nova obrigação, haverá a publicidade do sócio participante e essa informação até então ficava protegida pelo sigilo fiscal e restrita à Receita Federal".


A instituição do CNPJ, na opinião do advogado especialista em contratos e direito societário Manoel Ignacio Torres Monteiro, do Viseu Advogados, realmente deve abrir as portas para uma discussão sobre a responsabilidade do sócio oculto pelas obrigações da sociedade. "Antes era evidente que o sócio oculto não era responsável, exceto quando houvesse alguma interferência direta. Agora pode haver um questionamento", diz.


A medida da Receita ainda dificulta e encarece os negócios que utilizam essa forma de sociedade, na avaliação de Monteiro "Junto com o CNPJ estão as obrigações acessórias que precisam ser cumpridas". Entre as obrigações citadas estão a DCTF e o Sped. O advogado ressalta que a contabilidade da SCP, até então realizada de maneira informal (por meio de controles gerenciais), passará a ter um controle contábil regular, "o que causará aumento de custo administrativo". Além do mais, segundo o advogado, a abertura da contabilidade da SCP já em funcionamento poderá ser um problema nos casos em que não houve o prévio controle contábil adequado.


Já o advogado Fernando Maximiano, integrante da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), acredita que nada deve mudar com a exigência do CNPJ. "Não discutimos ainda esse assunto no Secovi. Mas a impressão que tenho é que isso é uma mera formalidade, que não modifica em nada a relação com os investidores", diz. Segundo ele, a SCP continua sendo uma sociedade sem personificação, regulada por legislação e o fato de haver o CNPJ não deve fazer com que os dados dos sócios participantes se tornem públicos. "Eles continuam protegidos pelo sigilo fiscal", diz.


A alteração foi considerada positiva para o setor de contabilidade, segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon-SP), Sérgio Approbato Machado Júnior. "O fato de SCP não ter CNPJ próprio gerava dificuldade ao verificar o que realmente era de cada sociedade. Essa nova medida facilita os controles porque cada uma terá seu CNPJ", diz. Contudo, Júnior não descarta que possa ocorrer um controle maior da Receita Federal.


Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou por nota que a exigência decorre da necessidade de verificação da correta apuração dos tributos. "De conhecermos a apuração dos resultados de cada SCP, dissociada do sócio-ostensivo". A nota ainda ressalta que a partir de 2015, a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) deverá ser transmitida separadamente, para cada SCP, além da transmissão da ECF do sócio ostensivo.


Por Adriana Aguiar | De São Paulo

 

 

Fonte: Valor Econômico (12.08.2014)

 


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