TRF derruba multa baseada em quebra de sigilo bancário

Leia em 4min 10s

Apesar de existir um precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, a Receita Federal mantém a prática, prevista na Lei Complementar nº 105, de 2001, para efetuar autuações. Contribuintes, porém, com base no entendimento dos Ministros, têm conseguido derrubá-las no Judiciário.

 

Para a Receita, a questão só estará definida no Supremo com o julgamento de três ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra a lei complementar. No Tribunal Regional Federal (TRF), da 3ª Região, no entanto, o precedente foi suficiente para o desembargador Nery da Costa Junior derrubar, por meio de antecipação de tutela (espécie de liminar), uma autuação de R$ 16,3 milhões contra a Master Comércio Importação e Exportação de Cosméticos e Saneantes por omissão de receitas.


No recurso, a empresa alega que a autuação fiscal foi baseada em informações obtidas de maneira irregular, por meio da quebra de sigilo bancário, que só poderia ser autorizada por decisão judicial. Para embasar seu pedido de nulidade do auto, o Contribuinte cita julgados recentes do STF e de tribunais regionais federais.


De acordo com o advogado da Master, Augusto Fauvel de Moraes, a fiscalização a intimou a apresentar extratos bancários após uma comunicação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre grande movimentação financeira supostamente incompatível com o recolhimento de tributos. A Empresa respondeu que só apresentaria os extratos após uma Ordem Judicial.


"O Fiscal, então, por conta própria, oficiou instituições financeiras, colheu extratos e lavrou um Auto de Infração", diz. Em primeira instância, o pedido de tutela antecipada não foi concedido, o que levou a Master a apelar para o TRF da 3ª Região.


Em decisão monocrática, o Desembargador Nery da Costa Junior concedeu a liminar, confirmada recentemente pela 3ª Turma. Em seu voto, ele afirma que segue o entendimento do Pleno do Supremo de que a quebra do sigilo bancário para fins de fiscalização de obrigações tributárias é inconstitucional.


O Desembargador destaca em seu voto que a decisão do STF, de 15 de dezembro de 2010, "ainda que revestida de controvérsia", deve prevalecer. A decisão se deu por maioria, demonstrando que nem todos os Ministros têm o mesmo entendimento que formou o precedente, segundo Nery Junior.


Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Lei Complementar nº 105 é constitucional e a decisão do STF é apenas um posicionamento isolado. A expectativa do Procurador-geral substituto Fabrício Da Soller é a de que o Supremo vai alterar seu entendimento na análise das Adins.


A Receita Federal se baseia no artigo 6º da lei complementar para quebrar o sigilo bancário. O dispositivo diz que "As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente."


Segundo Da Soller, se essa possibilidade for retirada da Receita, o Brasil seria um "pária" no sistema tributário internacional, por causa dos acordos que tem com outros países. "É um modelo da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Ele prevê que os países devem disponibilizar os dados de contribuintes, inclusive movimentações financeiras. Parte-se do pressuposto que as administrações tributárias têm acesso a esses dados. Se for considerada inconstitucional [a lei], o Brasil seria colocado ao lado de paraísos fiscais", afirma.


Para o advogado André Felix Ricotta de Oliveira, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) e sócio do Innocenti Advogados, não há essa possibilidade. "Havendo indícios fortes de sonegação fiscal, é possível pedir para o judiciário a quebra de sigilo", diz.


Como a lei complementar consta no sistema jurídico como norma válida, a fiscalização segue o que está previsto nela, segundo Oliveira. "A maioria das decisões, porém, é pela inconstitucionalidade da quebra de sigilo bancário sem ordem judicial."


Em junho, por exemplo, a 2ª Turma do TRF da 3ª Região considerou ilícitas provas obtidas por meio de quebra de sigilo bancário e determinou o trancamento de uma ação penal. Na decisão, a desembargadora Cecilia Mello afirmou que o sigilo bancário dos réus foi quebrado sem autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário, "o que enseja flagrante constrangimento ilegal".


A questão, porém, continua indefinida no Supremo, segundo Sandro Machado dos Reis, sócio do Bichara Advogados. De acordo com o advogado, desde o julgamento de 2010, o Supremo tem proferido algumas decisões de turma afastando a inconstitucionalidade. "De 2010 pra cá, a composição do STF mudou muito e a matéria segue em aberto."


Por Beatriz Olivon | De São Paulo

 


Fonte: Valor Econômico (06.08.2014)

 


Veja também

Quem reduzir consumo de energia terá bônus na conta, diz secretário

Bônus será para quem economizar 10% de energia com relação a 2020   O Brasil passa pel...

Veja mais
Confaz prorroga até 31 de dezembro a isenção de ICMS sobre transporte no enfrentamento à pandemia

Convênios prorrogados também amparam empresas, autorizando que os estados não exijam o imposto por d...

Veja mais
Mapa estabelece critérios de destinação do leite fora dos padrões

PORTARIA Nº 392, DE 9 DE SETEMBRO DE 2021   Estabelece os critérios de destinação do le...

Veja mais
Empresa não deve indenizar por oferecer descontos apenas a novos clientes

Não há vedação legal para que fornecedores de serviços ofereçam descontos apen...

Veja mais
Justiça do Trabalho é incompetente para execução das contribuições sociais destinadas a terceiros

A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), ao julgar um agravo de petiç&...

Veja mais
Corte Especial reafirma possibilidade de uso do agravo de instrumento contra decisão sobre competência

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu embargos de divergência e reafirmou o entend...

Veja mais
Partidos questionam MP sobre remoção de conteúdo das redes sociais

Seis legendas buscam no STF a suspensão dos efeitos da norma assinada pelo chefe do Executivo federal.   O...

Veja mais
Consumo das famílias cresce 4,84% em julho, diz ABRAS

Cebola, batata e arroz foram os produtos com maiores quedas no período   O consumo das famílias bra...

Veja mais
Lei que prorroga tributos municipais na epidemia é constitucional, diz TJ-SP

Inexiste reserva de iniciativa de projetos de lei versando sobre matéria tributária, a teor do dispos...

Veja mais