Sede, matriz e domicílio tributário

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Por Lutfe Yunes

 

Entre os operadores de direito, muito pouco se falou sobre a Solução de Consulta nº 27 da Coordenação Geral de Tributação da Receita Federal, que abordou a distinção entre os conceitos jurídicos de sede (social), matriz - expressão abordada pela Instrução Normativa da Receita nº 1.183, de 2011, que dispõe sobre o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) - e domicílio tributário, conforme disposição do artigo 127 do Código Tributário Nacional.
A princípio, poderia parecer um assunto de menor importância, mas o posicionamento da RFB sobre a distinção dos conceitos se fazia extremamente necessário.


Isso para que o conceito de matriz tivesse a sua perfeita consonância jurídica definida por quem a criou, ou seja, a Receita, mas também para que os operadores do órgão pudessem diferenciar a expressão "matriz" da IN 1.183/11 do conceito de sede - lembremos que a expressão matriz não é mencionada uma única vez na Lei das S.A. e no Código Civil.


Com tal diferenciação, viabilizam-se operações jurídicas societárias perfeitas, no que tange ao destacamento entre matriz e sede de uma sociedade. Poucas empresas se valem de tal benefício; dentre as que se valem, temos o BNDES, que tem sua sede em Brasília e administração e matriz no Rio de Janeiro.


Interessante notar que os conceitos podem até se confundir, em um primeiro momento, quando da constituição de uma sociedade. Nesse estágio, os conceitos se permeiam perante um mesmo estabelecimento, ou seja, a sede seria também a matriz dessa sociedade e, consequentemente, seu domicílio tributário (daqui a pouco introduziremos esse conceito no texto).


Porém, quando da criação de um novo estabelecimento na condição de filial, tanto com fins societários, quanto com fins fiscais (já que, por incrível que pareça, pode haver uma distinção entre os conceitos com a mesma expressão - conceito contábil societário e conceito com fins fiscais da IN 1.183/11), as sociedades não poderiam descolar a matriz da sede. Em outras palavras, as obrigações societárias de uma sociedade deveriam estar sempre coladas com as consequências fiscais da condição de matriz instituídas pela IN 1.183/11.


O pior é que a parte sistêmica da RFB foi preparada para receber informações de matriz que estivessem totalmente atreladas ao Número de Identificação do Registro de Empresas (Nire) de sede, concedido pelas Juntas Comerciais de todo o Brasil.


Isso significa que mesmo que o agente da RFB entendesse os fundamentos da distinção jurídica, o sistema não aceitaria a mudança. Importante notar que o sistema da RFB continua a não aceitar tal distinção, já que o desmembramento deve se dar por ofício e processo administrativo da RFB.


Anteriormente à conclusão de nosso artigo, o nosso leitor deve estar se perguntando, mas para que serve a sede e o que é a matriz, e o que isso tem a ver com o domicílio tributário?
Vamos lá; de forma breve, podemos dispor o seguinte: sede é aquele estabelecimento no qual os sócios, por si ou com a sociedade, mantém suas obrigações recíprocas entre as quais, no caso de uma sociedade anônima, a realização de suas assembleias gerais.


No que tange à matriz, a criação do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, instituída pela IN 1.183/11, como o próprio nome diz, tem, a princípio, fins cadastrais, cabendo privativamente ao estabelecimento matriz os atos cadastrais do artigo 15 de referida instrução, como, por exemplo, atos relacionados às reorganizações societárias de incorporação, cisão ou fusão.


Porém, na prática da RFB, a matriz também serve para fins de fiscalização e arrecadação dos tributos federais pela Receita Federal. Assim, na Solução de Consulta nº 27, a Coordenação Geral de Tributação expressou que matriz é aquele estabelecimento no qual se exercem a direção e a administração da pessoa jurídica. Isso tem total fundamento prático, pelo fato de que a RFB adota como premissa que tais estabelecimentos são os principais. Partindo desse preceito, as secretarias da RFB, nos respectivos municípios onde os estabelecimentos se encontram, fazem o nobre trabalho de fiscalização e arrecadação dos tributos federais, lembrando que o domicílio tributário pode ser eleito pelo contribuinte pessoa jurídica.


Assim, tendo em vista a necessidade de conciliação com a prática da fiscalização e arrecadação das secretarias da RFB no estabelecimento matriz da IN 1.183/11, fiscalização e arrecadação estas que não podem ser dificultadas, em conformidade com o direito dos contribuintes de eleger o seu domicílio tributário, a Coordenação-Geral de Tributação, a principio - palavra extremamente importante, por abrir a possibilidade do processo administrativo da desvinculação entre matriz e domicílio tributários -, expressa que optar por estabelecer a matriz (centro de direção e administração) em determinado lugar implica eleger ali, em princípio, seu domicílio tributário, cuja sede social pode estar em outra jurisdição.


Difícil de entender? Imaginem quando a solução de consulta não existia.
Lutfe Yunes é sócio e especialista em direito societário e contratual do Vinhas e Redenschi Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações



Fonte: Valor Econômico (16.04.2014)

 


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