Bandeira branca

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Competição acirrada, fim de duopólios e necessidade de segmentação nas classes emergentes abrem uma nova era para o mercado de cartões no país.


 
Há pelo menos uma década o segmento dos cartões no Brasil, que inclui private label, débito e crédito, cresce a taxas de dois dígitos de forma consecutiva. É uma das indústrias financeiras mais rentáveis do país. Cada brasileiro carrega hoje, em média, três cartões na carteira. Circulam dentro e fora do país mais de 547 milhões de plásticos, emitidos por bancos privados e públicos e redes varejistas. Apenas como cartões de crédito, com bandeiras como Visa, Mastercard, Diners e Amex, são quase 133 milhões.

 

De janeiro a junho, em plena ressaca pós-crise financeira global, a indústria de cartões de crédito local colocou na praça quase sete milhões de novos plásticos. Para debater esse mercado, que desde a semana passada está sujeito a novas regras, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) promove, nos dias 14 e 15, em São Paulo, ao lado da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o 4º CMEP - Congresso Brasileiro de Meios Eletrônicos de Pagamento.

 

Entre as razões para entender tamanho fôlego estão a busca frenética por diferenciação nos serviços, segmentação de públicos e a corrida por inovações tecnológicas que vai abrir terreno para novas ondas de crescimento, na opinião dos especialistas. Além disso, há novo fator em jogo: o fim da exclusividade de credenciamento de lojistas, segmento dominado pela VisaNet (Visa) e Redecard (Mastercard), ainda neste ano. O Banco Central anunciou na quinta-feira mudanças que permitirão aos lojistas aceitarem as bandeiras Visa e Mastercard sem a necessidade de assinatura de contratos de exclusividade com as operadoras VisaNet e Redecard. É uma forma de ampliar a concorrência no segmento.

 

A expectativa é que o mercado de credenciamento tenha um vigoroso crescimento. Com o fim da exclusividade das duas operadoras, o governo acredita que todos os bancos terão interesse em credenciar diretamente os lojistas. A Abecs vai analisar os impactos das medidas durante o congresso.

 

De acordo com o coordenador de autorregulação da Abecs, Vinicius Zwarg, todas as medidas anunciadas pelo BC, que fizerem parte da legislação para o setor de cartões, depois de publicadas, naturalmente terão de ser incorporadas ao código de ética e autorregulação da Abecs. "O governo regula e o código de autorregulação segue as determinações, com o mesmo objetivo de evitar monopólio e estimular a concorrência."

 

Na visão dos analistas, essa tendência de expressivo crescimento abre espaço para a consolidação de um mercado mais maduro e rentável. Estima-se que, em apenas quatro anos, esse segmento deverá movimentar R$ 800 bilhões em transações, segundo a Abecs.

 

Só neste ano, a soma das operações com cartões deve encostar nos R$ 450 bilhões, alta de 20% sobre 2008. "Em volume movimentado, o segmento deve passar de R$ 375 bilhões em 2008 para R$ 800 bilhões em 2013, uma alta de mais de 110%", afirma o presidente da Abecs, Paulo Rogério Caffarelli. Apenas o segmento de cartão de crédito pode crescer de 14% a 18% no volume movimentado em 2009, prevê a Abecs.

 

Na origem dessa expansão está uma disputa feroz pelo terreno alheio. Há dois pontos principais que estão pautando as conversas dos principais executivos do mercado. Um deles é a possibilidade de bancos públicos criarem bandeiras próprias e passarem a trabalhar sozinhos. Existem informações de que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal estariam analisando a possibilidade - mas as instituições não confirmam. O segundo grande foco é a ampliação da atuação do setor junto à classe C ou classe média emergente. Parte-se do pressuposto de que há pouco o que fazer para ampliar ganhos no público de maior renda, já amplamente explorado pelo mercado nos últimos anos. Portanto, seria preciso se movimentar em outra direção.

 

"Todos já criaram produtos sofisticados para as classes A e B. Agora, o foco está nas outras classes, com o aumento da bancarização do setor", diz Caio Mário da Silva Pereira Neto, da Leoni Siqueira Advogados. "Será preciso fazer uma segmentação mais completa e cuidadosa. Não se trata de separar esse público segundo faixa de renda ou região do país. É preciso olhar essa classe e entender preferências, necessidades, desejos", afirma o executivo.

 

Segundo dados da Redecard, apenas 22% do consumo pessoal do brasileiro se dá por meio do uso dos cartões de débito e de crédito, percentual considerado tímido na avaliação do setor. Levantamento do Banco Central mostra que, em agosto, do volume total de operações de crédito no país, 5,6% corresponderam a recursos liberados pelos cartões de crédito. Em dezembro de 2008, a taxa estava em 5%. E no fim de 2008, em 4,7%, segundo relatório mensal. Pelos cálculos, portanto, há espaço para fazer mais. Principalmente por meio de ações focadas na classe C, que começou a negociar melhores condições com os bancos e a descobrir novas vantagens no produto.

 

Pesquisa apresentada em abril pela consultoria Avenida Brasil mostrou que 69% dos cartões de crédito estão nas mãos de consumidores com renda até R$ 1.700. As classes C, D e E movimentaram cerca de R$ 111 bilhões em compras por meio de cartões em 2008, 52% do volume total.

 

Na busca pela distinção, as instituições tentam desenhar um pacote de vantagens para cada cliente segundo o estilo de vida, perfil de gastos e expectativas de consumo futuro. Em maio, a Credicard lançou o D.Super, cartão de crédito que converte as compras em supermercados em descontos de 3% a 10%, creditados automaticamente na fatura. No ano passado a Visa anunciou, em parceria com o Bradesco, um projeto piloto com um cartão de crédito com leitura sem contato. Basta aproximá-lo do leitor para efetuar o pagamento.

 

A busca por diferenciais tem ocorrido também entre as operadoras VisaNet e Redecard. Há um grande esforço no sentido de ampliar o número de credenciados entre setores pouco explorados. Nessa conta, entram empresas da área de saúde (laboratórios médios, clínicas privadas), da área educacional (universidades e centros de cursos) e até cooperativas de taxis de médio e pequeno porte.

 

"Nós temos de criar algo novo em setores em que o mercado não tem uma penetração aceitável. Na área de saúde, por exemplo, credenciamos 20 mil estabelecimentos só neste ano, mas precisamos ampliar isso", afirma Roberto Medeiros, presidente da Redecard. Neste ano, a receita bruta da companhia cresceu 20% e atingiu pouco mais de R$ 1,2 bilhão - o lucro engordou 23,5% no mesmo período.

 

No caso da VisaNet, está em curso uma movimentação semelhante, com lançamento de produtos mais focados em segmentos econômicos específicos. Foi esse o caso do Agrocard, cartão de débito lançado no último ano e voltado para compra de insumos, sementes e outros produtos relacionados à atividade agrícola. Com ele, o produtor consegue comprar matéria-prima sem sair de casa por meio de terminais eletrônicos móveis e com linha de crédito pré-aprovada pelo Banco do Brasil. "Só exploramos 2% do negócio de compra e venda de insumos e produtos entre empresas. Ainda há muito o que fazer", afirma Rômulo de Mello Dias, presidente da VisaNet, que teve uma alta de 48% em seu lucro de abril a junho.
 


Veículo: Valor Econômico


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