Os bastidores do fim da disputa entre Abilio Diniz e Casino

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Eram quatro horas da tarde da última sexta-feira quando Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri entraram numa das salas do escritório Catelan Rodrigues Sociedade de Advogados, na zona oeste de São Paulo, para a assinatura do acordo, com meia dúzia de páginas e 12 itens, que encerrou uma das mais longas e desgastantes batalhas societárias dos últimos tempos. Em poucos minutos, num passo a passo do protocolo pensado em detalhes pelos representantes das partes, a transação foi concluída, numa cordialidade que se opunha às cenas de múltiplas acusações públicas entre as partes meses atrás.

Uma negociação relâmpago e sigilosa costurada em apenas quatro dias, entre Paris e São Paulo, acompanhada de perto por só uma dúzia de pessoas, concluiu o processo que levou a saída de Abilio da presidência do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar, com a perda de todos os seus direitos sob a companhia previstos no acordo de acionistas assinado em 2006, entre Abilio e o Casino. Foi a principal concessão de Abilio, mas os dois lados cederam - interlocutores, agora num clima amistoso, arriscam dizer até que no mesmo nível. Naouri abriu mão ao retirar a cláusula de não concorrência da mesa (que impedia Abilio de atuar no varejo) e não se opôs ao prêmio definido na operação de troca de ações. Os processos arbitrais serão arquivados.

Abilio, por sua vez, deixa a empresa que construiu, após 55 anos no grupo, abrindo mão, por exemplo, de ficar com a sede da empresa, que buscava no antigo acordo. E se mantém como minoritário no grupo. Foi uma antecipação de saída que poderia ocorrer a partir de junho de 2014, pelo contrato assinado em 2006. Foi acertada uma conversão, das ações ordinárias de Abilio na holding do grupo em preferenciais do GPA, na relação de um para um (ágio de 9,3% sobre o previsto em 2006 em contrato, de uma ON para cada 0,915 PN). Abilio, que tinha 2,5% das preferenciais e 8,8% do capital total, agora é sócio com 14,2% das PNs e os mesmos 8,8% do capital. O empresário brasileiro tem, portanto, R$ 2,3 bilhões em ações, com base na cotação na sexta-feira. Pela melhora na relação de uma ON para cada PN, ganhou cerca de R$ 160 milhões.

Esse acordo, porém, não é (só) sobre dinheiro. E apenas aconteceu agora, quase dois anos e meio após o primeiro entrevero (quando vazaram as informações de que Abilio negociava uma fusão de GPA e Carrefour, em 2011) por causa de uma conjunção de poucos fatores, mas determinantes, apurou o Valor.

O nível de desgastes que as partes chegaram teve grande peso para que voltassem à mesa com menos resistências. Se publicamente nos últimos meses, se confrontavam menos, nos bastidores eles se armavam para uma batalha jurídica que poderia trazer toda a rixa à tona de novo. A ideia de enfrentar as etapas do procedimento arbitral, aberto pelo Casino, assistindo Abilio e Naouri se atacando frente aos juízes, não agradava a ninguém. A expectativa é que começando agora, o processo só terminasse em maio de 2014.

A fase inicial do procedimento começaria hoje, na primeira audiência com a presença de Abilio e Naouri, na sede da câmara arbitral, em São Paulo. Para se ter uma ideia do desgaste, enquanto o Casino montava sua estratégia em Paris, se preparando para constantes viagens à São Paulo, advogados de Abilio se dividiam em reuniões com escritórios no exterior, como Nova Iorque, na preparação da defesa. E ninguém sabia onde isso iria parar. O processo foi aberto porque o Casino, na época, queria defender o seu direito de assumir o controle do GPA. O objeto do ação, inclusive, já se perdeu.

Com Abilio mais flexível e Naouri aberto a ouvir, ainda pesou favoravelmente ao desfecho o rápido acerto entre os dois negociadores principais - algo que começou a ser desenhando três meses atrás. No fim de junho, Candido Bracher, ex-membro do conselho de GPA, ligou para David de Rothschild, da família de banqueiros e membro do conselho do Casino, para marcar um encontro com William Ury, negociador de Abilio. Rothschild foi procurado pois sabiam que Naouri o ouvia. Ali marcaram um encontro para setembro, propositalmente às vésperas da audiência como espécie de última chance. Na segunda-feira passada, Ury, que já negociou conflitos na Indonésia, Venezuela e África, almoçou com Rothschild num restaurante em Paris. Uma das estratégias de Ury foi centrar o foco da negociação em interesses comuns e não em posições pessoais.

Alinhavaram os pontos do acordo nos três dias seguintes, acompanhados por Abilio de São Paulo, e voltaram para o Brasil na quinta-feira. Após a assinatura do documento, no fim da tarde de sexta-feira, se encontraram na sede do GPA, em reunião com a diretoria executiva. Abilio se despediu dos nove diretores, ao lado de Naouri, numa troca de gentilezas e espécie de passagem de bastão. É bem verdade que na prática, muito do que estava na transação final já estava sendo discutido no fim de 2012, antes da interrupção total das conversas, pelos assessores financeiros de Abilio e do Casino. Mas faltava um catalizador, e a pressão do processo arbitral e o cansaço dos dois lados funcionaram nesse sentido. Para os dois lados, em comum hoje, está a sensação de alivio, dizem interlocutores.

O fato de Abilio acreditar no novo projeto da BRF, e ter um "caminho", como o próprio diz, também favoreceu a mudança. O Casino está livre para comandar a companhia e colocar seu plano de negócios em prática sem interferências, obviamente como empresa pública com acionistas e com Abilio como maior minoritário individual. E Abilio está "livre", como ele diz, e continuará a avaliar potenciais investimentos ao lado da Tarpon, fundo com quem se uniu para entrar na BRF. Não estaria em seu planos voltar ao varejo agora, apurou o Valor, após ter engavetado o projeto de associação com o Carrefour. Mas ninguém arrisca dizer que isso está completamente fora dos projetos futuros, o que justificaria a negociação do fim da cláusula de não concorrência.



Veículo: Valor Econômico


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