Tributação do trabalho é de 102,4% para empresa

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Da mesma forma que a reforma tributária, a modernização da legislação trabalhista é outro fator apontado pela indústria como vital para garantir a competitividade. As empresas querem maior liberdade de negociação e revisão de pontos considerados ultrapassados da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Do outro lado, os sindicatos defendem fervorosamente sua manutenção, com medo de perder os direitos assegurados na lei. A questão foi alvo de debates no terceiro Encontro Nacional da Indústria, realizado pela Confederação Nacional da Indústria - CNI, na semana passada. 

 

Criada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas, a CLT impõe, na visão da indúsria, um engessamento nas relações trabalhistas, forte impacto no orçamento da empresa por conta do custo de contratação e tributos que embute, e traz insegurança jurídica. Investimentos que visem reforçar a competitividade, diz a CNI, poderiam ser maiores se o peso da lei do trabalho fosse mais leve. 

 

Neste momento em que o país exerce papel de importante no cenário internacional em diversos setores da economia e necessita manter o fôlego para se mostrar competitivo frente a outros mercados, a flexibilização ganha nova ênfase do lado empresarial. 

 

Tal avaliação encontra eco entre vários advogados especializados na área, acadêmicos e consultores. Sócio e coordenador da divisão de tributos da Terco Grant Thornton, empresa de auditoria e consultoria, Wanderlei Costa Ferreira define a não modernização como uma das amarras do crescimento. "A legislação não acompanhou as mudanças do mercado e ainda carrega aquele berço de proteção paternalista ao empregado", diz, amparado na pesquisa realizada pela Grant Thornton International no final do ano passado para checar a incompatibilidade entre o rápido crescimento da economia global e a sustentabilidade. 

 

Foram ouvidas 7.200 empresas de 32 países, incluindo o Brasil. Enquanto 63% das respostas gerais apontavam os custos com matéria-prima como um dos vilões do preço final do produto, o resultado no Brasil apontou que o peso dos encargos com os salários (49% das respostas) era o item que mais contribuía para o encarecimento do produto. 

 

O professor José Pastore, da Faculdade de Economia e Administração e da Fundação Instituto de Administração, é taxativo em reconhecer a importância de uma legislação que assegure direitos fundamentais do trabalhador e que não podem ser negociados, mas defende a negociação dos demais. Estudioso das relações do trabalho e emprego, diz desconhecer um país tão engessado como o nosso. 

 

Cálculos do professor indicam que as despesas geradas pela tributação do trabalho exigida pela Constituição Federal e CLT batem nos 102,43%. "Essas despesas são altas, extremamente rígidas e aplicadas a toda e qualquer empresa, sem distinção. Algumas não devem ser negociadas porque garantem os direitos sociais do trabalhador, mas há inúmeras que poderiam ser", defende o acadêmico. 

 

O impacto da legislação pode resultar em salários menores, mecanização precipitada para desonerar a produção do peso exercido pelo contrato de trabalho e na informalidade. "A lei acaba se tornando um componente importante dentro do Custo Brasil e isso acarreta prejuízos para a competitividade", reforça o advogado Rui Meier, sócio responsável pelo núcleo trabalhista da Tostes e Associados Advogados. 

 

Com uma carteira de clientes composta por empresas nacionais e multinacionais de setores como financeiro, varejista, energia, Meier cita a insegurança jurídica como outro entrave importante que precisa ser solucionado. 

 

O advogado defende o estabelecimento de regras claras, da contratação à demissão, sem a possibilidade de interpretações diferentes para atenuar o ônus que se cria também com os processos judiciais. Segundo o professor Pastore, no Brasil as ações trabalhistas totalizam cerca de 2,5 milhões de processos. No Japão, compara, são 2.500. "A lei incita ao dissenso." 

 

Para Emerson Casali, gerente executivo de relações do trabalho e desenvolvimento associativo da CNI, os sindicatos devem ter claro que a competição não é mais com a empresa do lado. É global. "Não se pretende eliminar direitos do trabalhador, mas destravar o ambiente econômico com vistas ao crescimento e a melhoria das relações trabalhistas no Brasil. A expressão correta seria simplificar a lei". 

 

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é ainda mais enfática com relação às diferenças de interesses sobre a revisão da CLT. Para ela, a definição de modernização não é a mesma dos empresários, reforça Quintino Severo, secretário geral da CUT Nacional. "As empresas têm ganhado fortunas com a produtividade dos trabalhadores. Para baixar custos é necessário fazer a reforma tributária e não tirar direitos do trabalhador". Entre os pontos que devem ser alterados na visão da CUT, Severo defende que a contribuição da Previdência Social deveria incidir sobre o faturamento das empresas e não mais sobre a folha de pagamento. 

 

De qualquer forma, a discussão do trabalho passa também pela qualificação da mão-de-obra e o Brasil precisa investir urgentemente no ensino médio para ter trabalhadores aptos a captar inovações. Para o professor da Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP - João Batista Brandão, existem muitas vagas e se o ensino médio fosse de qualidade, o profissional encurtaria o tempo de preparação para se tornar um técnico qualificado. "Em seis meses isso seria possível e atenderia à demanda, principalmente dos setores sucroalcooleiro e de TI, onde a escassez é maior", diz. Para ele, o Brasil precisa cuidar dessas questões para não "se cristalizar como país de mão-de-obra barata e ineficiente".

 

Veículo: Valor Econômico


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