O Plenário do Supremo Tribunal Federal começará a julgar, nesta sexta-feira (24/10), se condenações trabalhistas devem se limitar aos valores indicados na petição inicial. O Conselho Federal da OAB contesta regras da reforma trabalhista que exigem essa indicação do valor dos pedidos na inicial e determinam a extinção do processo caso a regra não seja cumprida.
A ação no STF contesta os parágrafos 1º e 3º do artigo 840 da CLT, com a redação dada pela reforma de 2017. Para a OAB Nacional, exigir que o autor indique um valor preciso antes da contestação e da apresentação da documentação por parte do empregador gera um obstáculo no acesso à Justiça.
Ainda segundo a entidade, a reforma “subverteu a base principiológica do Direito do Trabalho”, pois passou a exigir conhecimento técnico para se mover ações.
O trabalhador pode acabar apresentando, na inicial, um cálculo menor do que realmente tem a receber, por não ter à sua disposição todos os documentos necessários. Nessa situação, sai prejudicado, diz o CFOAB.
“A intervenção do STF sobre a questão trará segurança jurídica, consolidando o real significado da inovação legislativa pensada em 2017”, aponta o ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho.
Estimativa
Para Alexandre Agra Belmonte, também ministro do TST, o cálculo exato do valor pedido nas reclamações trabalhistas só faz sentido no procedimento sumaríssimo — um rito simplificado e mais rápido, que vale para causas de até 40 salários mínimos. A indicação do valor é necessária “para avaliação da pertinência do tipo de procedimento adotado”.
Quando os valores são mais altos e o procedimento é ordinário (com a duração comum), “não se justifica e nem a lei, a meu ver, exige prévia liquidação”, diz o magistrado.
Ele ressalta que a regra do artigo 840 da CLT é igual à do artigo 324 do Código de Processo Civil. E o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que pedidos de danos morais e materiais podem ter valor genérico ou simbólico.
“Por que na Justiça comum não se exigiria a liquidação e na Justiça do Trabalho, cujo processo é regido pela informalidade, seria exigível?”, indaga o ministro. “Seria injustificável a diferenciação, diria até discriminatória em relação ao trabalhador.”
Belmonte também lembra que, em certos pedidos, como dano moral e indenização por acidentes de trabalho, “não há como apresentar liquidação prévia”. Assim, a estimativa é o procedimento adequado, assim como ocorre na Justiça comum.
Fabíola Marques, advogada trabalhista e professora da PUC-SP, concorda que, embora a lei exija a indicação de um valor, “a interpretação deve ser no sentido de que os valores indicados na petição inicial são uma mera estimativa e não limitam a condenação, desde que o valor apurado em liquidação seja compatível com os pedidos formulados”.
O objetivo da identificação dos valores na inicial, segundo Marques, é apenas definir o rito processual a ser seguido, e não limitar o valor da condenação.
Na sua visão, é impossível exigir que o empregado apresente o valor exato de cada verba pleiteada logo quando entra com a ação. Isso porque o trabalhador não possui todos os documentos necessários para um cálculo preciso, como cartões de ponto, relatórios de comissões e outros registros que ficam em poder da empresa.
Além disso, os cálculos costumam ser complexos e normalmente dependem de um perito contábil. Muitas variáveis podem interferir no valor: correção monetária, juros, base de cálculo, prescrição etc.
“Um entendimento que limite a condenação ao valor do pedido viola o princípio da proteção, da primazia da realidade e da vedação do enriquecimento ilícito do empregador”, completa a advogada. “Decidir contrariamente à tese de que o valor deve ser indicado como estimativa é um absurdo.”
De acordo com o advogado trabalhista Ricardo Calcini, sócio-fundador do escritório Calcini Advogados e professor do Insper, a limitação dos valores na petição inicial trabalhista não pode servir como uma “camisa de força”, a ponto de excluir, por exemplo, a atualização monetária dos pedidos.
Ele também destaca a existência de pedidos indeterminados, nos quais a liquidação só se torna viável depois que o trabalhador tem acesso a documentos que ficam em poder da empresa. No mesmo sentido, casos de acidentes de trabalho exigem perícias médicas, para definir o grau de limitação da capacidade do empregado.
Para Calcini, a depender do que o STF decidir, o efeito pode ser ainda pior para as próprias empresas. Afinal, com o tempo, “as novas reclamações trabalhistas trarão valores muito maiores do que aqueles efetivamente devidos aos trabalhadores, o que fará com que o contingenciamento e provisionamento do passivo trabalhista aumente sobremaneira nas companhias”.
Exatidão
Por outro lado, a ministra Maria Cristina Peduzzi, do TST, entende que a Justiça do Trabalho deve se limitar aos valores atribuídos aos pedidos na petição inicial, exceto se houver “ressalva expressa e fundamentada” na própria petição. É assim que a magistrada vem se posicionando nos julgamentos da 4ª Turma da corte, cujas conclusões são exatamente nesse sentido.
O colegiado exige que essa ressalva seja precisa, e não genérica. Ou seja, o autor, logo no início, precisa justificar o motivo de ter feito um pedido genérico e explicar por que não pôde indicar um valor.
Uma das justificativas já usadas pela turma em precedentes é a existência de “pedidos facilmente liquidáveis com o auxílio de ferramentas eletrônicas para cálculos financeiros nos sistemas judiciais”.
Segundo o advogado Fabiano Zavanella, professor de Direito do Trabalho na Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, se o STF afastar a possibilidade de meras estimativas nos pedidos iniciais, “reforçará que o processo não pode ser tratado como espaço de aventuras jurídicas”.
“O trabalhador continua tendo acesso à Justiça, mas dentro de parâmetros objetivos que permitem ao empregador compreender a extensão da demanda e preparar sua defesa com maior previsibilidade”, diz ele.
Na sua avaliação, valores precisam ser apresentados de forma concreta, não genérica: “Isso fortalece a confiança das partes, evita distorções e contribui para a segurança jurídica — um dos pilares de qualquer sistema que pretenda equilibrar proteção social e desenvolvimento econômico.”
ADI 6.002
José Higídio – Repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 23/10/2025