Cashback tributário: ideia é boa, mas execução preocupa especialistas

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Há uma preocupação com a indefinição da política e possíveis fraudes

 

A devolução de parte do imposto pago a famílias de baixa renda é um dos temas que tem movimentado o debate sobre reforma tributária. Na visão do governo, o sistema seria mais justo e causaria menos distorções em relação à concessão de incentivos fiscais.

 

A sistemática, apelidada de cashback, é bem-vista por especialistas, por possibilitar uma redução do caráter regressivo da tributação sobre o consumo, ou seja, o fato de proporcionalmente os pobres pagarem mais tributos do que os ricos. Há, porém, uma preocupação com a forma como isso será sistematizado, pela indefinição de como serão selecionadas as famílias beneficiadas e de como será feita a devolução. Além disso, há o temor de que as novas regras gerarem fraudes.

 

O tema do cashback tem sido frequentemente defendido pelo assessor especial da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “[O sistema de cashback] traz progressividade para dentro da tributação do consumo, porque devolve o imposto para as famílias de baixa renda e não devolve para as famílias de alta renda”, afirmou durante sessão do Grupo de Trabalho da reforma tributária realizada em 8 de março.

 

Na ocasião, o secretário salientou que a regulamentação do cashback precisará ser feita por meio de Lei Complementar. Ficará nas mãos do Legislativo definir, entre outros pontos, como será selecionado o público que receberá a devolução.

 

Segundo Appy, a devolução do imposto pago poderia inclusive substituir a isenção tributária a produtos da cesta básica. “Em termos absolutos, ricos consomem mais produtos da cesta básica do que pobres, então a desoneração da cesta básica é uma política pública em que, em termos absolutos, eu estou dando mais recursos públicos, que é o imposto que eu deixo de arrecadar, para a família rica do que para a família pobre”, afirmou em entrevista à BandNews em 5 de março.

 

A tributarista Lina Santin, sócia da banca Salusse Marangoni Parente Jabur, concorda com a avaliação, e salienta que a ideia seria substituir uma isenção que hoje recai sobre produtos para uma isenção sobre as pessoas. “Quando eu isento um produto eu vou fazer com que essa isenção recaia sobre todos os consumidores, sejam eles de baixa renda ou de alta renda. Quando eu isento a pessoa, tenho uma efetividade e uma eficiência muito maior, porque consigo atingir os meus fins com menos recursos”, afirma.

 

Além disso, a especialista aponta que estudos demonstram que isenções tributárias não necessariamente reduzem o preço dos produtos na ponta. “Posso até ter uma redução de preço, mas parte desse incentivo fiscal na verdade maximiza lucro, entra em outro cálculo econômico que não redução de preço”, diz.

 

Já há precedentes no Brasil de devolução do imposto pago anteriormente. Exemplo é o programa Devolve ICMS, do Governo do Rio Grande do Sul, por meio do qual famílias que possuem renda mensal de até três salários mínimos ou renda per capita mensal inferior a meio salário mínimo recebem parte do imposto pago anteriormente.

 

O programa prevê o pagamento de uma parcela variável e de uma parcela fixa, com valores calculados conforme a renda do contribuinte. São beneficiadas famílias inscritas no Cadastro Único que recebam o Bolsa Família ou que tenham algum dependente matriculado na rede estadual de ensino médio.

 

Durante o evento A Constituição e o IBS: quais os temas cruciais na reforma tributária?, promovido pelo Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, Giovani Padilha, auditor fiscal da receita estadual na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, mostrou alguns dados sobre o programa. Segundo ele, são 619 mil famílias beneficiadas, e mais de 80% das pessoas que recebem os valores são mulheres. Ainda, a maioria das famílias que fazem jus ao benefício recebe até meio salário mínimo.

 

Padilha salientou que o estado vem tendo dificuldade em encontrar parte das famílias que seriam beneficiadas. “Ainda estamos com alguma dificuldade de trazer para o programa em torno de 10% a 15% das famílias, que nós não conseguimos identificar. Elas não foram sequer retirar esses cartões [para participação no programa]”, afirmou.

 

Para Padilha, porém, essa situação não inviabiliza a política como um todo.

 

Críticas ao cashback

 

Apesar do apoio de especialistas, o cashback não sai ileso a críticas. O principal temor vem do fato de não estar claro como serão selecionadas as famílias participantes ou como será devolvido o imposto.

 

No caso do recorte para recebimento, tem sido levantada a possibilidade de devolução às pessoas isentas de Imposto de Renda, aos que recebem o Bolsa Família ou aos inscritos no Cadastro Único. Ao JOTA, entretanto, uma tributarista apontou que o critério a partir do Imposto de Renda poderia gerar fraudes. Além disso, para ela, a isenção do tributo não reflete necessariamente uma baixa faixa de renda.

 

Além disso, há a preocupação com as famílias que podem “escapar” à sistemática, nos moldes do que afirmou o representante da Fazenda gaúcha.

 

Quanto à devolução, a indefinição está na forma: após dar o seu CPF, o contribuinte teria desconto automático em sua compra? Ou teria direito ao valor posteriormente, nos moldes de programas como o Nota Fiscal Paulista?

 

Por fim, é preciso levar em consideração a informalidade dos estabelecimentos comerciais, o que poderia dificultar o processo de devolução.

 

BÁRBARA MENGARDO – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo. Antes de trabalhar no JOTA atuou no jornal Valor Econômico, tanto em São Paulo quanto em Brasília. Email: barbara.mengardo@jota.info

 

Fonte: JOTA – 15/03/2023

 

 


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