Varejo busca calibrar a dose de cautela

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Como calibrar os preços e o "mix" de produtos para ajustá-los à nova realidade econômica tem sido um dos grandes problemas dos varejistas. Um erro de cálculo de poucos pontos percentuais na chamada margem bruta - o que sobra da receita das vendas depois de descontados os custos - pode produzir efeitos indesejados nas linhas seguintes do balanço.

 

Na sexta-feira, a Lojas Americanas trouxe música aos ouvidos dos analistas de investimentos ao anunciar que preferiu ser conservadora na sua política de preços e parcelamentos para proteger seu capital de giro, elevando suas margens brutas para "impressionantes" 33,4% no quarto trimestre, 1,7 ponto percentual acima da média praticada em igual período de 2007.

 

Mas na B2W, operação de comércio eletrônico controlada pela varejista, a história foi diferente. Prejudicada pela maior demanda por itens de preço mais baixo, a maior varejista virtual do país reduziu ligeiramente sua margem bruta de 30% no quarto trimestre de 2007 para 29,8% nos últimos três meses do ano passado.

 

Assim como a B2W, a Lojas Renner e o Pão de Açúcar também sacrificaram margens brutas de lucro para ganhar competitividade. As vendas de Natal não foram animadoras para a Renner, terceira maior varejista de vestuário do país, que precisou fazer liquidações para se livrar de estoques. No caso do Pão de Açúcar, porém, a redução das margens brutas é uma estratégia que vem sendo implementada há dois anos pela cadeia de supermercados para ganhar competitividade e elevar a participação de suas bandeiras.

 

O plano está em linha com o que está sendo feito pelas grandes varejistas globais. Em reuniões com analistas, tanto Lars Olofsson, o novo presidente mundial do Carrefour, quanto Charles Holley, tesoureiro do Wal-Mart, disseram que continuarão baixando os preços para elevar as vendas e que essa será a principal arma para enfrentar a crise econômica.

 

Enquanto as vendas e os resultados operacionais - lucro antes de itens financeiros e de impostos - da Lojas Americanas surpreenderam positivamente, o desempenho da B2W ficou a desejar. Na sexta-feira, entre os analistas, o conselho era: venda as ações da B2W e compre os papéis da Americanas.

 

Como previsto, ambas empresas apresentaram uma desaceleração no ritmo de crescimento nas vendas, assim como as demais varejistas. No caso da Americanas, as vendas em lojas comparáveis aumentaram 13,3% no quarto trimestre, depois de crescerem 19,5% no terceiro trimestre. Ainda assim, o desempenho das lojas físicas foi considerado melhor do que o da B2W, cuja taxa de crescimento nas vendas desacelerou de 35% no terceiro trimestre para 14% no quarto trimestre de 2008.

 

Ao oferecer um "mix" de produtos de baixo valor unitário, os analistas acreditam que a Lojas Americanas deva sofrer menos em tempos de crise e contração da renda, assim como o grupo Pão de Açúcar, que comercializa alimentos e recebe a maior parte dos pagamentos à vista, em dinheiro ou cartão. O tíquete médio (a soma desembolsada por compra) da Lojas Americanas foi de R$ 30,90 no quarto trimestre de 2008, comparado a R$ 29,40 em 2007.

 

Já a B2W, que comercializa artigos mais caros, como eletroeletrônicos, deve ter mais dores de cabeça. A firma de consultoria Forester prevê que o comércio eletrônico crescerá apenas entre 8% e 18% em 2009, bem menos que nos anos anteriores, e os analistas estimam que as vendas da B2W deverão aumentar modestos 13% neste ano.

 

Diante de um cenário de incertezas, todas as grandes varejistas, sem exceção, colocaram os investimentos em banho-maria. Depois de registrar um acelerado ritmo de abertura de lojas nos últimos dois anos, a Lojas Americanas pisou fundo no freio. A companhia anunciou que só planeja inaugurar oito filiais em 2009, o menor número desde 2002, e investir R$ 60 milhões. Em 2008, foram inauguradas 58 lojas, que consumiram investimentos de R$ 270 milhões. Para este ano, a Lojas Americanas espera que suas vendas, em lojas comparáveis, não fiquem muito distantes da inflação, mas ainda superem em 1,5% o reajuste de preços da economia como um todo.

 

Os números divulgados pelo IBGE mostram, porém, que as vendas do varejo não foram a catástrofe que se esperava em janeiro. Pelo contrário. O aumento de 6% em relação a janeiro de 2008 mostra que os consumidores continuam dispostos a abrir a carteira. Esse ritmo de crescimento da demanda, se mantido, pode encorajar as grandes cadeias a calibrar a dose de cautela e acelerar a inaugurações de loja. Analistas de investimentos temem que uma estratégia conversadora demais, tanto de preços como de expansão, para preservar o caixa, pode comprometer as vendas e leve as empresas a perder participação de mercado.

 

De acordo com o IBGE, as vendas do comércio aumentaram em janeiro até mesmo em relação a relação dezembro, com uma alta de 1,4% já descontados os efeitos sazonais da demanda.

 

"O aumento de 6% [sobre janeiro de 2008] foi o dobro do que projetávamos. É realmente muito forte", afirma Braulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA, para quem esse crescimento não reflete ainda as medidas de reativação da economia adotadas pelo governo, como a queda das taxas de juros. Borges espera que as vendas do varejo não sejam tão boas em fevereiro, mas voltem a ter um repique em março, semelhante ao de janeiro.

 

O diretor financeiro e de relação com os investidores da Lojas Americanas, Roberto Martins, durante teleconferência com analistas, na sexta-feira, admitiu que a maior parcimônia na política de preços e nos parcelamentos inibiram os consumidores. "As nossas vendas poderiam ter sido melhores ", disse o executivo da companhia. Segundo ele, a empresa deve calibrar a margens brutas em 2009, que deverão retornar aos patamares médios de 2008.

 

Veículo: Valor Econômico


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