Cautelosos, varejo e indústria negociam ampliação de prazos

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Indústrias e redes varejistas reagem com cautela às turbulências enfrentadas pelo mercado financeiro nos últimos dias. Nos setores cuja produção ou venda depende diretamente de importação ou exportação, empresas esperam que passe a fase aguda de oscilações do dólar para negociar preços. De modo geral, no entanto, as empresas relataram ao Valor que as encomendas do varejo seguem o ritmo previsto antes da fase aguda da crise, sem redução no nível de encomendas e sem cancelamento de pedidos. Em comum, elas também apontam como principal instrumento para dar seguimento às atividades a renegociação de prazos para comprar e vender. 

 

O Ponto Frio já está renegociando os prazos de pagamento com todos os fornecedores de produtos, afirma o presidente da empresa, Manoel Amorim. "Como existe uma incerteza no momento, estamos pedindo para aumentar o prazo médio de pagamento, de 60 para 90 dias, até para poder garantir os volumes de vendas de Natal. E temos tido boa resposta da indústria", afirma Amorim. Para ele, as lideranças empresariais precisam "agir com responsabilidade", o que significa buscar alternativas para garantir o ritmo de vendas e a manutenção dos preços. 

 

O Ponto Frio não informa a previsão de vendas para o fim do ano, mas, segundo Amorim, o volume de encomendas foi mantido. Em relação aos consumidores, a empresa nos últimos meses diminuiu o número de produtos vendidos a prazo, reduziu o número de parcelas de pagamento e também restringiu o crédito aos clientes. E, por enquanto, diz Amorim, a demanda no mercado interno segue aquecida. "O mercado interno continua dinâmico e crescendo. E ainda vai crescer em 2009", afirma. 

 

A rede Lojas Colombo também mantém intactas as previsões de desempenho para este ano. "Estamos atentos, pois o momento é de expectativa, e esperamos que os mercados se normalizem", afirmou Adelino Colombo, presidente da empresa. Com 371 lojas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais, a rede mantém previsão de crescimento real de 12% sobre as vendas de R$ 1,2 bilhão de 2007. 

 

Conforme Colombo, o Natal não deve ser prejudicado, já que o movimento dos mercados financeiros ainda não afetou as vendas. "Mas estamos cautelosos", avisa. "A situação econômica é mais preocupante em virtude da grande valorização do dólar, o que pode repercutir no varejo porque a indústria de eletroeletrônicos depende de produtos importados", diz. Até agora, a rede não recebeu pedidos de reajuste de preços da indústria, não restringiu o crédito aos clientes nem aumentou taxas de juros, diz o empresário. A Colombo tem uma financeira própria em parceria com o Bradesco e opera com prazos de até 24 vezes, mas entre 60% e 70% das vendas parceladas ficam na faixa de 14 a 15 meses. 

 

Nesta semana a Lojas Renner informou que não alterou os planos de pagamento de até cinco vezes sem acréscimo (financiado com capital próprio) e acima disso em até oito vezes com encargos. A rede Magazine Luiza informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está mantendo as negociações com as indústrias e não vislumbra problemas com estoques. Conforme a empresa, algumas indústrias de eletrônicos e informática estão tentando repassar o reajuste do câmbio para as novas compras, mas a rede tem se recusado a aceitar o reajuste. 

 

Já o presidente da Dicico, Dimitrios Markakis, uma das cinco maiores varejistas de material de construção do país, afirma que prefere pagar à vista as encomendas sempre que possível. "As indústrias vão cobrar preços mais altos se ampliarem os prazos [de pagamento], para embutir os juros. Mas como os impostos (ICMS e IPI) incidem sobre o valor do produto, o varejista vai pagar ainda mais caro. Não compensa", explica. Segundo o diretor da C&C, maior rede de material de construção do país, Jorge Gonçalves, a empresa faz gestão de caixa para casar os prazos de pagamento das mercadorias com o recebimento das prestações [dos clientes]. Hoje, a C&C paga seus fornecedores com prazos que variam de 60 a 120 dias. 

 

"Há muito lojista angustiado porque falta uma percepção mais clara de até onde vai a crise", disse o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Vilson Noer. De acordo com ele, "num primeiro momento" quem mais sente o impacto da crise são os segmentos de maior valor agregado que dependem de financiamentos mais longos, como revendas de automóveis. Em ramos como vestuário, eletrodomésticos e móveis, a entidade não recebeu relatos de cancelamento de encomendas para o Natal. 

 

Igual avaliação faz o presidente da IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional (IPDEI), Ingö Ploger. Para ele, setores que trabalham com vendas a prazo e dependem da disponibilidade de renda do consumidor, demorarão a sentir os efeitos da crise porque a população brasileira, favorecida pelo crescimento da renda real e do nível de emprego ao longo do ano, continua consumindo. "Com a redução do prazo de pagamento, as prestações tenderão a ficar mais caras e isso deve trazer efeito no médio prazo", afirma. 

 

A Lupo é uma das indústrias que sentiu a pressão por parte das redes varejistas. O diretor comercial da empresa, Valquírio Ferreira Cabral, afirma que, por enquanto, o volume de pedidos está dentro das expectativas e dos prazos previstos. Mas, apenas nesta semana, a empresa recebeu duas ligações de grandes redes para renegociar prazo de pagamento e preço. "Não é tão assustador porque hoje 80% das vendas da Lupo vão para o pequeno varejo. Mas ainda assim preocupa, porque esses grandes clientes fazem compras acima de R$ 1,5 milhão", afirma Cabral. A empresa concede um prazo médio de pagamento das encomendas de 90 dias, mas Cabral se diz disposto a renegociar prazos. "Neste momento é preciso ter muita cautela e estar disposto a conversar", diz. 

 

A maior preocupação de Cabral, no entanto, é a elevação acima de 12% dos custos fios importados. "O problema é que não posso repassar isso agora para o varejo. Esse aumento vai interferir na margem", afirma. A meta da Lupo para o quarto trimestre é de faturar R$ 110 milhões, 26,4% mais que em 2007. Na exportação, a empresa tem recebido pedidos de redução nos preços, vindos de clientes que sabem da depreciação do real. "Por enquanto, tudo o que for vendido a um câmbio acima de R$ 1,75 será vantajoso", afirma Cabral. 

 

A General Brands, que produz sobremesas, também está procurando renegociar prazos com as redes de supermercados, afirma Isael Pinto, presidente da empresa. "As grandes cadeias podem renegociar prazo, reparcelar a entrega. Onde há diálogo há jeito para tudo", afirma. Por enquanto, segundo ele, os pedidos estão dentro do que era esperado pela empresa, que previa um volume 10% maior em outubro do que em setembro. 

 

A turbulência financeira também não foi suficiente, até aqui, para alterar os planos de investimentos de Iguatemi Empresa de Shopping Centers. Segundo o presidente Carlos Jereissati Filho, a empresa está construindo três novos empreendimentos, ampliando dois e já anunciou o lançamento de outros dois, que totalizam aportes de cerca de R$ 1 bilhão até 2011. "Para isso temos linhas de financiamento do BNDES e de crédito imobiliário que não foram alteradas", explica Jereissati Filho. 

 

A empresa prevê inaugurar o Iguatemi Brasília no fim de 2009 e os shoppings Alphaville e JK em São Paulo em 2010. Para 2011 estão programados empreendimentos em Ribeirão Preto e Jundiaí (SP). As ampliações serão feitas em Sorocaba e Porto Alegre, no shopping Praia de Belas, que receberá R$ 60 milhões para a abertura de 70 novas lojas (além das 189 atuais). "Nosso negócio está muito atrelado ao emprego e à renda, que até agora não foram afetados pela crise", explica Jereissati Filho. 

 


Veículo: Valor Econômico


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