Déficit externo vai aumentar em 2010

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O forte crescimento da demanda interna, associado a um câmbio valorizado, deve levar a uma piora significativa do déficit em conta corrente em 2010. O rombo nas transações comerciais e de serviços e rendas do país com o exterior poderá saltar da casa de 1,5% neste ano para mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem, principalmente pela redução do saldo comercial e pelo aumento das remessas de lucros e dividendos. Para 2010, parece algo facilmente financiável, mas elevações adicionais dos déficits nos próximos anos podem tornar o quadro menos tranquilo, caso haja alguma piora no cenário externo.

 

Entre 2006 e 2008, a demanda interna cresceu com força e o câmbio se valorizou, levando a uma deterioração do resultado em conta corrente. A diferença é que o ponto de partida do atual ciclo de crescimento é menos confortável, como nota o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. Em 2009, a conta corrente vai fechar o ano com um buraco na casa de 1,5% do PIB e um saldo comercial de US$ 24 bilhões. Já em 2005, o país encerrou o ano com um superávit de 1,6% do PIB e um superávit comercial de US$ 44,7 bilhões. Três anos depois, em 2008, o país teve um déficit de US$ 1,8% do PIB na conta corrente, devido à redução do superávit comercial para US$ 24,8 bilhões e ao aumento das remessas de lucros. Elas saltaram de US$ 12,7 bilhões em 2005 para US$ 33,9 bilhões em 2008.

 

A crise global brecou a deterioração das contas externas. Na primeira metade deste ano, o consumo desacelerou e o investimento desabou. Com isso, as importações caíram mais que as exportações e as remessas de lucros recuaram, fazendo o déficit em conta corrente cair para a casa de 1,5% do PIB. Nos últimos meses, porém, já está em curso uma nova piora.

 

Para o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, que prevê expansão do PIB de 6% em 2010, o déficit pode ir para 3,3% do PIB em 2010, com a balança comercial no vermelho - ele estima um déficit de US$ 4 bilhões - e remessas de lucros crescendo da casa de US$ 22 bilhões em 2009 para US$ 30 bilhões no ano que vem. A alta das remessas se explica pelos ganhos maiores das empresas num cenário de expansão forte da economia e de câmbio apreciado, que faz os reais comprarem mais dólares. Quem projeta um crescimento menor estima um rombo em conta corrente mais modesto, como o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, que prevê alta do PIB de 5% em 2010. Nesse cenário, ele aposta em déficit de 2,1% do PIB, com superávit comercial de US$ 15,5 bilhões.

 

Para 2011, a perspectiva é de nova deterioração da conta corrente, mas a um ritmo um pouco mais fraco, em grande parte porque a avaliação é de que o crescimento perderá força. A expectativa da maior parte dos analistas é que, em algum momento de 2010, o Banco Central vai elevar os juros, para conter pressões inflacionárias resultantes da redução da ociosidade na economia. Goldfajn, que vê um PIB de 6%, acredita que isso vai ocorrer a partir de março. Vale aposta no segundo semestre.

 

Goldfajn, que projeta crescimento de 5,1% em 2011, vê o déficit em conta corrente subindo para 4,3% do PIB, o equivalente a US$ 90 bilhões. Para ele, o saldo comercial será negativo em US$ 17 bilhões e haverá piora adicional na balança de serviços e rendas, onde estão as remessas de lucros. É um número alto, mas que, para ele, poderá ser financiado sem sobressaltos, principalmente pela entrada de investimentos estrangeiros diretos, que passarão de US$ 41 bilhões em 2010 para US$ 63 bilhões em 2011, segundo as suas estimativas. Para Goldfajn, a exploração do petróleo no pré-sal, a Copa de 2014, a Olimpíada de 2016 e o potencial de crescimento do mercado interno devem atrair muito capital externo nos próximos anos, desde que o país mantenha uma política econômica consistente, como o câmbio flutuante e contas públicas em ordem.

 

Nas contas do Itaú Unibanco, o câmbio pouco vai variar nos próximos dois anos, mesmo com déficit crescente na balança comercial e em conta corrente, batendo em R$ 1,72 no fim de 2010, e em R$ 1,75 em 2011. O banco acredita que entrarão muitos recursos pela conta de capitais, como os já mencionados investimentos diretos, mantendo o câmbio sem grandes desvalorizações.

 

O economista-chefe do Credit Suisse, Nílson Teixeira, aposta em crescimento forte do PIB em 2010 (6,5%) e em 2011 (5%), mas prevê uma deterioração menos acentuada da conta corrente que Goldfajn. Teixeira projeta aumento no déficit de 2,6% do PIB em 2010 para 3,6% do PIB em 2011, o equivalente a US$ 80,2 bilhões. Um ponto importante é que ele vê uma situação um pouco melhor para a balança comercial, com um saldo ainda positivo em 2010, de US$ 9,1 bilhões, e um déficit de US$ 5,7 bilhões em 2011. Já as remessas de lucros subirão de US$ 35,4 bilhões no ano que vem para US$ 45 bilhões no ano seguinte, estima o Credit Suisse. Para o banco, o dólar deverá continuar barato em 2010, encerrando o ano em R$ 1,60, dadas as fortes entradas de recursos estrangeiros pela conta de capital.

 

Em 2011, ele vê alguma depreciação do câmbio, para R$ 1,80 no fim do ano, por causa do aumento do déficit em conta corrente. Um câmbio mais desvalorizado pode diminuir a velocidade de piora da balança comercial e segurar um pouco as remessas de lucros.

 

Vale vê piora menos significativa da conta corrente também em 2011, para 2,8% do PIB (US$ 59,8 bilhões), por trabalhar com crescimento do PIB um pouco mais fraco, na casa de 4%. Ainda que projete déficits externos menores que Goldfajn ou Teixeira, Vale não vê com bons olhos a perspectiva de deterioração da conta corrente nos próximos anos. Para 2010, não vê problemas de financiamento, ainda que o número fique em 3% do PIB, bem acima dos 2,1% estimados pela MB Associados. "O problema é que não parece que o déficit ficará só nesse patamar."

 

"Há uma mudança estrutural da balança comercial que depende do nosso crescimento. Como nosso PIB deverá crescer mais do que a média mundial, devemos esperar crescimento mais forte das importações do que das exportações", diz Vale, lembrando que haverá fortes investimentos nos próximos anos, financiados em parte por poupança externa. Vale considera enganoso olhar para o rombo externo só como proporção do PIB. Déficits em conta corrente na casa de US$ 100 bilhões, como os projetados por Goldfajn a partir de 2012 (exatos US$ 111 bilhões, ou 4,9% do PIB), são elevados demais, acredita ele.

 

O economista Paulo Miguel, da Quest Investimentos, também mostra desconforto com um déficit dessa magnitude. Como Vale, ele acredita que uma mudança no cenário externo, como o começo da elevação dos juros nos países desenvolvidos, pode diminuir o fluxo de recursos externos para o país. Miguel diz que o Brasil melhorou nos últimos anos e que o câmbio flutuante ajuda a ajustar mais rapidamente as contas externas - uma piora forte da conta corrente tenderia a desvalorizar o real, melhorando o saldo comercial e reduzindo as remessas de lucros -, mas uma virada brusca no quadro internacional pode provocar movimentos abruptos na divisa brasileira. "Num cenário de déficits mais fortes, qualquer problema lá fora pode mexer com o câmbio de forma mais intensa", diz Vale, advertindo que "câmbio depreciado com crescimento forte é claramente inflacionário". (SL
 


Veículo: Valor Econômico


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