Entrevista: Joesley Batista, presidente do JBS

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Camisa branca com as mangas desabotoadas e calça jeans, Joesley Batista entra agitado na sala de reuniões da sede da JBS, em São Paulo, e vai logo perguntando: "Por que pegam tanto no pé desta empresa?". O presidente da JBS, maior processadora de carne do mundo, se diz injuriado com as críticas que a empresa de sua família vem recebendo no mercado. "Será que eu joguei pedra na cruz?"

 

O empresário desfila um rosário de queixas; não entende por que o mercado castiga as ações da companhia, que caíram mais de 30% este ano; não entende as objeções ao apoio que o JBS tem recebido do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); não entende por que ninguém menciona que, além do banco público, ele tem parceiros privados importantes como JPMorgan, Bradesco, Santander e Itaú.

 

Extremamente reservado, a ponto de não se deixar fotografar para esta entrevista, na tarde de ontem Joesley conversou por uma hora e meia com o Estado. Foi escorregadio em algumas respostas, mas acabou revelando detalhes inéditos sobre seus negócios. Contou, por exemplo, que a compra do Bertin, em 2009, foi favorecida pela situação complicada de grandes bancos privados, pendurados numa dívida de R$ 4 bilhões. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Na bolsa, hoje o JBS vale menos do que a empresa tem de ativos. Na sua opinião, porque isso está acontecendo?

 

Certamente, temos algum erro de comunicação com o mercado. O JBS vive à frente dos movimentos de mercado. Fomos o primeiro frigorífico a trabalhar em vários Estados, o primeiro na internacionalização, o primeiro a ir para o mercado de capitais, o primeiro a investir nos Estados Unidos. Quando você está à frente do que é o tradicional, a praxe, gera debates: será que está certo ou errado? Poxa, nenhuma empresa entrega mais resultados. Só que o mercado tem o padrão de que uma aquisição tem de durar um ano e meio, tem de ter várias pessoas e vários powerpoints.

 

Os custos do setor de carnes subiram muito e o endividamento da JBS é alto. Como fechar essa conta?

Se você contar só uma parte da história, é um perigo. Você diz: a dívida aumentou. Ok, mas nossa alavancagem é de menos de três vezes.

 

Mas quanto a JBS tem para pagar de dívida até o fim do ano?

Te confesso que não sei o número exato, mas temos hoje US$ 2,5 bilhões em caixa, aplicados no Itaú, no Safra, no Bradesco.

 

Ouvimos que a conta até o fim do ano seria de R$ 500 milhões, sem contar o BNDES...

Te juro, não sei. São limites de crédito. Você paga, liquida, renova. Eu não tenho nenhum sinal de que o Bradesco, o Santander não vão mais nos financiar. Ao contrário. Eles estão se batendo para dar dinheiro, baixando as taxas. Vamos dizer que sejam R$ 500 milhões que temos para vencer. Não sei quanto é. O JBS fatura US$ 34 bilhões. Com todo o respeito, não pode colocar a gente junto com o Minerva (concorrente). Você já viu alguém comparar a performance da Tyson (americana) e do Minerva?

 

Vocês estão renegociando a multa de US$ 300 milhões com o BNDES (penalidade por não ter aberto o capital nos EUA ainda este ano, conforme previsto num contrato de empréstimo com o banco estatal)?

Acho muito normal e razoável uma companhia que levantou US$ 2 bilhões pagar US$ 300 milhões. Mas as pessoas esquecem o tamanho do JBS. Não acho essa discussão relevante.

 

Mas o senhor vai pagar a multa ou vai tentar renegociar?

Às vezes não entendo repórter, me desculpa, mas não sei como as pessoas me perguntam isso. É contratual. Está lá, é líquido e certo. É como dizer: você vai pagar o juro do cartão de crédito? Vou. Eu fico frustradíssimo. Por que essa multa, Inalca e Argentina rendem tanta matéria nos jornais!

 

A JBS tem problemas nas operações da Argentina e está brigando com os sócios da Inalca (na Itália)...

A empresa já fez 37 aquisições e teve problema em duas. Como os jornais escrevem, parece que o JBS é uma empresa que tem rolo na Itália, está com problema na Argentina e tem uma multa de US$ 300 milhões para pagar. Está quebrada essa empresa! Itália e Argentina são 2% das vendas, US$ 300 milhões é 10% do caixa. As pessoas pegam fatos isolados e nos tratam como aquela firminha de Goiás, aqueles meninos aventureiros que pegaram um monte de dinheiro fácil no BNDES. É quase a desculpa de porque eles não fizeram. Confesso que, dez anos atrás, não éramos nós que deveríamos ter chegado até aqui. Era o Bertin, era a Sadia.

 

O BNDES foi muito criticado por emprestar dinheiro para os frigoríficos. Como o sr. conseguiu um relacionamento tão especial com o banco?

É óbvio que o BNDES é importante para o JBS, assim como o JP Morgan, o Bradesco. Sabe quanto o Bradesco tem de linha de crédito aqui? US$ 2 bilhões. O Bradesco me ajuda? Lógico, assim como eu ajudo o Bradesco. Ele me escolheu? Sim, me escolheu como cliente, assim como eu o escolhi como banco. Passamos pela crise muito bem. Eu fui pessoalmente dizer ao Luciano Coutinho (presidente do BNDES), ao Fábio Barbosa (presidente do Santander), ao Bradesco: senhores, não se preocupem conosco, cuidem de quem precisa. Quando veio a crise, o mercado inteiro pensou que nós éramos a primeira empresa que ia explodir. Só que esqueceram que quem mais corre, mais se protege.

 

O BNDES investiu muito dinheiro no Bertin, que depois entrou em dificuldades. É verdade o banco pediu que vocês comprassem a empresa em troca do empréstimo para comprar a Pilgrim"s?

Existem essas histórias, mas se eles pedissem eu não faria. Era sinal de que tinha um problema grande. Sabe o que ninguém lembra? É que o Bertin tinha R$ 4 bilhões de dívida com Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil. Por que ninguém pergunta: o Bradesco te pediu para comprar? O BNDES tinha R$ 2 bilhões. O fato é que naquele momento ninguém tinha balanço para comprar o Bertin. Eu acho que ajudei o Bradesco, ajudei o Santander. Quando eu converso com o Fábio (Barbosa, do Santander), eu digo: olha, você lembra, né? Eu poderia até levar vantagem em cima disso. Mas eu nunca faria isso.

 

Mas o empréstimo estava condicionado à compra do Bertin?

Não. Ia comprar a Pilgrim"s de qualquer jeito, já tinha um ano de negociação. Mas para fazer duas aquisições ao mesmo tempo eu não tinha balanço. Quando o pessoal veio falar, eu disse que só tinha uma condição: não ia parar o negócio com a Pilgrim"s para comprar o Bertin. Falei para o BNDES, para os bancos: vocês vão ter que nos financiar. Preciso de capitalização, porque o negócio não para em pé. É óbvio que não esquecemos da posição privilegiada que estávamos. Os bancos alongaram as dívidas em cinco e sete anos. Eles foram obrigados? Não, é negócio.

 

Analistas e concorrentes falam que o tratamento especial do BNDES é fruto de conexões políticas. Como é o seu relacionamento com o governo?

Meu braço direito hoje é do PSDB, o Pratini de Moraes, ex-ministro do Fernando Henrique. Quando éramos pequenos em Goiás, a nossa fama é que éramos testas de ferro do Iris Rezende (ex-governador goiano). Quando o Marconi Perillo ganhou, tivemos uma crise de crédito, porque a ideia era muito consolidada. É muita falação. O BNDES salvou um monte de empresa da crise. Para nós, todo o dinheiro foi para prosperar. Será que eu atirei pedra na cruz? Eu cuido da minha vida, acordo cedo, só durmo meia noite, trabalho sábado e domingo. Era do Iris, era do Marconi, agora é o BNDES que me escolheu? Francamente, não acho.

 

O senhor planeja construir a maior fábrica de celulose do mundo, com um financiamento de R$ 3 bilhões do BNDES. Não é muito arriscado?

Temos uma holding e somos controladores da JBS. Temos um banco, uma empresa de florestas, uma indústria de higiene e limpeza, uma empresa de agropecuária. Mas não é diferente da Votorantim, que tem cimento, metais, suco de laranja, bancos. Não é diferente da Odebrecht ou da Camargo Corrêa, que também têm vários negócios diferentes. Por que será que a minha holding não pode ter três ou quatro coisas? Será que eu sou obrigado a ter 100% do meu patrimônio em ações só de uma empresa?

 

Só que mais uma vez o BNDES está junto ...

Nosso projeto de uma planta de celulose está orçado em R$ 7 bilhões. Pode ser que o BNDES financie de R$ 1,5 bilhões a R$ 3 bilhões. O BNDES tem um departamento de papel e celulose, não fui eu que inventei isso. Estou brigando por um financiamento de R$ 2,7 bilhões, mas é 40% do projeto. Eu acho que o BNDES devia estar financiando é 80%.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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