Em crise, LBR inicia profunda reestruturação

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Pressionada por uma dívida de R$ 1 bilhão, a LBR - Lácteos Brasil deflagrou ontem uma grande reestruturação. O processo teve início com a nomeação de um novo presidente-executivo (CEO), Rami Goldfajn, um diretor-presidente, Nelson Bastos, e um "iminente" pedido de recuperação judicial.

Com passagem pela Eleva, que hoje faz parte da BRF, Goldfajn trabalhará em dobradinha com Bastos, que estruturou a recuperação judicial da Parmalat. Goldfajn ficará responsável pela área operacional, enquanto Bastos se concentrará na parte financeira.

Com 65% do faturamento de R$ 2,4 bilhões concentrado na produção de leite longa vida (UHT), a LBR não tem conseguido gerar caixa para fazer frente ao seu passivo e financiar os investimentos necessários em aumentos de produtividade. Com o pedido de recuperação judicial, a empresa ganha uma folga dos credores, com a suspensão imediata do pagamento das dívidas. Assim que pedir a proteção judicial, a LBR terá 60 dias para apresentar esse plano.

Nesse período, Goldfajn e Bastos esperam definir a estratégia de reestruturação operacional, ainda em aberto. Goldfajn afirmou não saber se a empresa precisará demitir funcionários ou se mudanças em logística, aquisição de matéria-prima e portfólio serão suficientes.

O executivo se diz, porém, convicto de que o sistema tributário para o setor de leite é um dos principais responsáveis pela situação dramática da LBR. Hoje, a empresa detém cerca de R$ 500 milhões em créditos de PIS/Cofins que não podem ser monetizados. "É metade da nossa dívida", disse Goldfajn. Esses créditos são gerados na compra de insumos mas, como o setor de lácteos é quase todo isento de PIS/Cofins, a empresa não consegue utilizar o crédito. "Precisamos trazer as autoridades para o lado do setor", disse ele, sobre o possibilidade de o governo autorizar a utilização desses créditos, assim como foi feito no setor de carnes.

Segundo Bastos, só a monetização dos créditos traria um reforço de caixa de 5%, aumentando a capacidade de investimento na qualificação dos fornecedores de leite, que possuem uma produtividade muito baixa. De acordo com o Bastos, apenas 2,5% dos produtores do país fazem ordenha mecanizada.

Criada a partir da fusão entre o laticínio Bom Gosto, do empresário Wilson Zanatta, e a Leitbom, controlada pela Monticiano Participações - empresa que tem como acionistas a GP Investments e a Laep - a LBR surgiu como uma gigante com faturamento bruto de R$ 3 bilhões, 31 fábricas, 56 mil fornecedores de leite e uma captação de 2 bilhões de litros de matéria-prima por ano - uma das três maiores do país, junto com DPA (joint venture entre Nestlé e Fonterra) e BRF. Com 30% do capital da LBR, o BNDES é também o principal credor da companhia.

Mas as dificuldades em capturar sinergias corroeram a empresa, que precisou fechar mais da metade de suas fábricas. O Valor apurou que, juntos, BNDES, GP e Laep já colocaram mais de R$ 2 bilhões na companhia. A expectativa é recuperar ao menos uma parte desse aporte, mas os sócios já se conformaram que não vão reaver todo o investimento.


Pulverizada, indústria tem margem apertada


  
A despeito do forte crescimento do consumo nos últimos anos, o leite UHT (longa vida) é um mercado hoje cercado de problemas estruturais. Disputado por dezenas de laticínios, o segmento é hoje marcado por margens apertadas na indústria, baixa produtividade no campo e limitada capacidade de investimento.

Embora tenha surgido como uma opção mais sofisticada de consumo em relação ao leite pasteurizado, no início dos anos 1990, o longa vida tornou-se uma commodity. Hoje, o produto responde por 78% do consumo de leites fluidos no país. Há duas décadas, essa participação era de apenas 4%.

Como em todo o mercado concorrencial, as processadoras de UHT têm pouco espaço para impor seus preços de venda. As fabricantes ficam ainda expostas às oscilações de preço do leite fresco (também definidos pelo mercado), que respondem por aproximadamente metade dos custos de produção - as embalagens respondem por outros 30%. "É preciso ter uma administração muito enxuta para fazer frente a essas condições", afirma um fonte do segmento.

Nos últimos anos, as margens da indústria ficaram ainda mais achatadas. Em 2012, o diferença entre o preço médio que as indústrias pagaram aos pecuaristas na captação do leite fresco e o que cobraram na venda do UHT caiu para o menor nível desde 2003, conforme levantamento do Valor Data com base nas séries de preço compiladas pelo Cepea/Esalq.

O achatamento reflete, principalmente, a queda dos preços reais do produto no atacado - de R$ 1,91 por litro, em média, em 2007, para R$ 1,73 em 2012, uma desvalorização de 9,42%. No mesmo período, o preço do leite ao produtor saltou 31,3%, de R$ 0,67 para R$ 0,88 o litro.

Segundo especialistas, o aumento da demanda por produtos lácteos no Brasil deu impulso aos preços da matéria-prima, mas a competição acirrada entre as indústrias dificultou o repasse. "O poder de barganha hoje está com o varejo, que pode comprar de qualquer um", afirma Marcelo Pereira de Carvalho, coordenador do MilkPoint.

Em um mercado altamente pulverizado e com altos índices de informalidade, a indústria reclama ainda da competição "desleal" promovida por empresas "aventureiras", que empurram os preços ainda mais para baixo.

Outra reclamação diz respeito à questão tributária. No Brasil, a produção de leite e derivados é isenta da cobrança de PIS e Cofins. Apesar disso, essas empresas geram créditos tributários na aquisição de aquisição de embalagens, equipamentos industriais e outros insumos.

Acontece que as empresas que atuam apenas no setor de laticínios ficam impossibilitadas de abater esses créditos, uma vez que não há cobrança sobre esses produtos. "Os créditos somente podem ser usados para abater o pagamento de PIS/Cofins. Logo, é um crédito podre. As empresas não conseguem amortecer a carga fiscal que existe ao longo do processo produtivo e acabam assumindo esse ônus", explica Fábio Calcini, do escritório Brasil Salomão & Matthes Advocacia.

Empresas como a LBR reclamam ainda que esse problema cria uma competição desleal em relação a companhias de alimentos, como Nestlé e Danone, que podem usar seus créditos gerados no leite para amortizar o pagamento de tributos que incidem sobre outros produtos.

Uma das estratégias adotadas por empresas como BRF e Vigor é limitar a fatia do leite UHT em sua receita, priorizando a produção de refrigerados como iogurtes, com maior valor agregado.

No caso da Vigor, empresa do grupo J&F (controlador da JBS), a participação do longa vida nas vendas recuou de 10% para 7% no terceiro trimestre de 2012. "Nossa operação de leite longa vida é da mão para a boca", afirmou Gilberto Xandó, presidente da Vigor, em entrevista ao Valor no ano passado. De acordo com ele, o UHT serve apenas como "porta de entrada" para outros produtos da empresa no pequeno varejo.



Veículo: Valor Econômico


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