A criatividade chinesa avaliada

Leia em 5min 10s

                             Os detratores da indústria do país costumam exagerar: em algumas indústrias, a China consegue ser inovadora




"Pois é, os chineses vão bem nas provas, mas não são lá muito criativos. Não têm empreendedorismo. Não inovam - é por isso que violam nossa propriedade intelectual." Assim falou a ex-presidente da HP Carly Fiorina, pouco antes de anunciar sua pré-candidatura à presidência dos EUA, em maio. A provocação pôs fogo num debate sobre uma das grandes questões empresariais da atualidade: os chineses são capazes de inovar?

Os argumentos dos céticos são dois. Para eles, a China se distingue tanto pela proteção negligente à propriedade intelectual quanto pela proliferação de modelos de negócio baseados na pirataria, o que provaria que as empresas chinesas são incapazes de criar produtos. Artigo publicado no ano passado na MIT Sloan Management Review sustenta que as violações de propriedade intelectual na China custam US$ 300 bilhões ao ano às empresas americanas. Além disso, os que duvidam da inventividade do país argumentam que as políticas de fomento à inovação do governo chinês acabam tendo efeito contrário ao desejado.

Duas novas publicações questionam essas noções. Em The China Effect on Global Innovation, do McKinsey Global Institute (MGI), centro de estudos da consultoria McKinsey, argumenta-se que, a inovação nas empresas chinesas é bastante promissora. O MGI não cai no equívoco de confundir inovação com invenção: "A prova de que uma empresa está sendo bem-sucedida em sua inovação é o aumento do faturamento e a elevação dos lucros", e não a obtenção de patentes que nunca chegam a ser usadas ou o lançamento de produtos que não dão retorno. Por sua vez, no livro China's Disruptors, o consultor Edward Tse argumenta que o setor privado da economia chinesa se tornou dinâmico graças a políticas estatais.

A equipe do MGI analisou dados financeiros de 20 mil empresas da China e de outros países, a fim de verificar se elas criam valor para seus consumidores e acionistas. A ideia era avaliar em que medida isso é feito investindo em pesquisa básica, alocando grande número de engenheiros para a solução de determinados problemas (como fazem, de maneira exemplar, empresas como a fabricante de equipamentos de telecomunicações Huawei) e aprimorando processos industriais. A China dedicou vários anos à tentativa de se tornar uma "esponja de inovação", capaz de absorver tecnologia estrangeira. Apesar disso, observam os autores do estudo do MGI, o país ainda está atrasado em relação ao Ocidente no desenvolvimento de medicamentos de primeira linha, aviões comerciais e automóveis.

Por outro lado, os analistas do MGI também mostram que a China está assumindo a liderança mundial em duas áreas de inovação: no aprimoramento de bens de consumo e de modelos utilizados para comercializá-los; e no desenvolvimento de processos industriais baratos, rápidos e eficientes. Por isso, as empresas chinesas conquistaram maior participação de mercado que suas concorrentes em segmentos como os de eletrodomésticos, softwares para internet e eletrônicos. É bem verdade que ter um mercado interno tão grande ajuda bastante. Mas os chineses também não são de marcar passo. Os consumidores do país são entusiastas de smartphones, mídias sociais e comércio eletrônico, além de, ao comprar um produto, prestarem muita atenção no seu preço e não darem a mínima para a sua marca. O fabricante de bens de consumo que consegue ser bem-sucedido na China é capaz de se dar bem em qualquer lugar.

As empresas chinesas estão inventando novos modelos de negócio. No Ocidente, as companhias online geram a maior parte de suas receitas com publicidade. Mas o mercado publicitário chinês tem, aproximadamente, um oitavo do tamanho do americano. Por isso, as empresas digitais chinesas precisam encontrar novas maneiras de ganhar dinheiro. A Tencent obtém 90% de seu faturamento com games online, vendas de itens virtuais e comércio eletrônico. Em 2014, o faturamento médio, por usuário, foi de US$ 16, ou US$ 6 acima do obtido pelo Facebook. A plataforma de vídeos online YY.com permite que seus usuários comprem "rosas" eletrônicas para presentear os artistas. A YY diz que os artistas mais populares, que recebem um porcentual do faturamento, conseguem ganhar mais de US$ 3,2 mil por mês.

E quanto ao outro argumento, sobre o papel do Estado? Os pessimistas dizem que os burocratas chineses fazem mal à inovação do setor privado. O livro de Tse, ex-consultor para o mercado chinês da Boston Consulting Group e da Booz & Company, conta como surgiu na China um setor privado vibrante. E, no entanto, ele afirma que, "em várias áreas, as empresas não têm como arcar sozinhas com os investimentos vultosos para estimular a inovação". Assim como as verbas destinadas pelo governo americano às universidades impulsionaram das primeiras estrelas do Vale do Silício, como a HP, a China também acredita que "o Estado precisa tomar a frente e mostrar o caminho". Tse se anima com o fato de que atualmente a China gasta mais de US$ 200 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento - em proporção do PIB, o montante é superior ao da União Europeia.

Tse também menciona elementos que, segundo ele, mostram como a estrutura regulatória e jurídica da China está se tornando favorável à inovação. O Baidu, maior mecanismo de buscas do país, era famoso por abrigar músicas e vídeos pirateados. Graças a medidas repressivas, a empresa se tornou uma grande, e legítima, distribuidora de programas de TV estrangeiros.

Preparando o terreno. Carly Fiorina, ex-HP, tem razão quando diz que a maioria das empresas chinesas está longe de pertencer à vanguarda tecnológica, mas erra ao dizer que elas são incapazes de criar valor. A própria HP perdeu o posto de maior fabricante mundial de PCs para a chinesa Lenovo.

E Tse está certo ao dizer que o governo tem papel a desempenhar na preparação do terreno para a inovação. A maior fabricante chinesa de aviões comerciais, a AVIC, é estatal; para atuar no país, montadoras de automóveis estrangeiras têm de formar parcerias com estatais. As empresas chinesas têm condições de inovar. Mas o governo ainda não aprendeu a separar auxílio benéfico de intromissão contraproducente.



Veículo: Jornal O Estado de S.Paulo


Veja também

Grupo Faleiro aposta em food service

                    ...

Veja mais
Colômbia tem maior produção de café em 89 meses

A produção de café da Colômbia atingiu, em junho, o maior pico dos últimos 89 meses. D...

Veja mais
China desequilibra mercado internacional de lácteos

    Veículo: Jornal Valor Econômico...

Veja mais
Danone vai investir no interior de São Paulo

A multinacional francesa Danone adquiriu um terreno de 500 mil metros quadrados em Itapetininga (cerca de 170 km a oeste...

Veja mais
Frutas encarecem e altas chegam a 70% em seis meses

                    ...

Veja mais
Boticário: Conar decide arquivar denúncia

                    ...

Veja mais
Padaria menor tem no atendimento e na produção caseira seu diferencial

São Paulo - Com faturamento médio de R$ 1 milhão por ano, as padarias de pequeno porte - que corres...

Veja mais
Varejo de BH aposta na retomada das vendas neste semestre

Em meio à crise econômica, o desempenho do varejo da capital mineira vem apresentando resultados negativos....

Veja mais
Geladeira contra o desperdício

De uma tacada só, a pequena cidade espanhola de Galdakao, a 20 quilômetros de Bilbao, conseguiu reduzir rad...

Veja mais